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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

"Quem vai querer picolé?"




Um vendedor de picolé saiu de casa para trabalhar. Pegou a sua caixinha de isopor, busuntou a cara de protetor solar e foi até à loja de seu fornecedor que era um depósito de sorvetes situado umas duas quadras da praia onde trabalhava. Ali já estavam dois colegas de profissão aguardando o atendimento que começava a partir das nove da manhã.

Colega 1: Bom dia, Artur.

Vendedor: Bom dia.

Colega 1: E aí? Vendeu muito ontem?

Vendedor: Não vim.

Colega 2: O sábado estava horrível! A chuva atrapalhou um mocado. Melhor era ter ficado em casa. Consegui vender apenas vinte e sete palitos.

Colega 1: Também você só chega tarde. Só no domingo é que resolve aparecer a essa hora. Olha que o Reinaldo já começa vendendo nessa época de calor antes da loja abrir.

Colega 2: Tá bom. Ele pode estocar picolé em casa e mora logo ali na comunidade. Eu venho lá da Baixada Fluminense para trabalhar aqui e ando todos os dias nesses ônibus lotados.

Colega 1: Deixa eu ir. Boas vendas para vocês!

Colega 2: Vai lá! Acho que só saio daqui lá pelas dez. Já estou vendo mais vendedores chegando e agora as crianças ainda não estão com  muita vontade de chupar. Passa na minha frente, Artur.

O nosso vendedor aproxima-se do balcão onde é atendido pelo dono da loja:

Fornecedor: Vai levar a placa (de gel) ou o gelo seco?

Vendedor: Só a placa. Se mais tarde estiver vendendo mais, compro o gelo seco.

Fornecedor: Quantos de coco?

Vendedor: Sete.

Fornecedor: Chocolate?

Vendedor: Cinco.

Fornecedor: Maracujá e limão?

Vendedor: Quatro e três...

Minutos depois, Artur já estava com o seu isopor abastecido, carregando cinquenta picolés nas costas e saiu gritando pelas ruas indo em direção à praia:

Vendedor: Olha o picolé! Quem vai querer picolé? Teno coco, chocolate, morango, milho verde, graviola, uva, maracujá, limão... Picolé de goiaba e picolé de brigadeiro! Olha o picolé! É o picolé cremoso. Picolé do verão carioca! Olha o picolé...

Aparece então o primeiro comprador antes mesmo de chegar á praia. Era uma mulher com o filho portador de necessidades especiais, o qual ela conduzia na cadeira de rodas:

Cliente: Ei, moço. Quanto esta o picolé?

Vendedor: Um é quatro, três são dez.

Cliente: Vê dois.

Vendedor: Qual sabor, senhora?

Cliente: Um de milho verde e o outro de coco. Quanto dá?

Vendedor: Oito reais.

Cliente: Aqui! Está tudo trocadinho em notas de dois. Obrigada.

Vendedor: Obrigado a senhora. Tenha um bom dia!

Cliente: Um bom dia pra você também, querido.

Ao atravessar a avenida Litorânea, a qual acompanha a praia, outro cliente que acabara de parar o carro indevidamente numa vaga de idosos chama o vendedor com assovio fazendo-o retroceder até o estacionamento público de veículos no lado da calçada.

Cliente: Picolé, venha cá!

Vendedor: Pois não, senhor.

Cliente: Quanto está o picolé?

Vendedor: Quatro reais.

Cliente: Que picolé caro! É de ouro?

Vendedor: É o preço de todos os camelôs da praia...

Cliente: O que você tem aí?

Vendedor: Coco, chocolate, leite condensado, morango, uva, maracujá, graviola, milho verde...

Cliente: Graviola! Mim querer um. Troca um galo? Só tenho notas nesse valor e três moedinhas de um real.

Vendedor: Troco.

Cliente: Vai trocar cinquenta reais por causa de um picolé?!

Vendedor: Já venho prevenido para não negar vendas, coisa que nenhum comerciante pode fazer se tem produto no estoque. Aqui o troco. Um bom dia para o senhor.

Embora fosse cedo, já havia um considerável número de banhistas na areia. Mesmo com a crise econômica, o pessoal não deixava de tomar banho de mar ainda que deixando de consumir a habitual cervejinha nos quiosques trazendo toda a bebida de casa junto com a comida. Só não costumavam levar sorvete pra praia. 

Para Artur, a areia era o seu ganha pão. Se não chovesse, ele vinha quase sempre trabalhar seis dias por semana e folgava um. Até no inverno o nosso vendedor não deixava de comparecer ao trabalho. E, no verão, era preciso ganhar o suficiente para terminar de pagar as contas e sobreviver o resto do ano depositando o que pudesse na poupança. Só que muitas das vezes a atividade era ingrata de modo que ele penava na areia, tendo um dia quase desmaiado. E, naquela manhã, embora quente e abafada, não tinha o sol brilhando no céu para ajudar nas vendas. Vários banhistas perguntavam o preço e não compravam:

Cliente: Moço, vem cá.

Vendedor: Pois não.

Cliente: Quanto está o picolé?

Vendedor: Um é quatro, três são dez. Vai querer qual?

Cliente: Obrigado. Depois você passa aqui.

Caminhar com peso nas costas já não era indicado pelo ortopedista que o acompanhava por causa do problema que Artur tinha desde jovem na coluna. Porém, era preciso encarar as dificuldades do cotidiano do jeito como podia. Havia solicitado na Prefeitura uma licença para empurrar um carrinho, mas as autoridades municipais ficaram enrolando seu processo protelando a apreciação do pedido. Apenas renovaram a autorização que ele já tinha na modalidade móvel sem veículo. Logo só lhe restava seguir com a caixinha de isopor. Afinal, no Brasil, manda quem pode...

Vendedor: Olha o picolé! Quem vai querer picolé? Olha o picolé! Picolé cremoso...

Cliente: Ei, picolé!

Vendedor: Em que posso ajudar?

Cliente: Quero um de limão. Tem?

Vendedor: Tem sim.

Cliente: Sabe dizer se por aqui tem casa pra alugar?

Vendedor: O ano inteiro. Depois do Carnaval aparecem mais ofertas.

Cliente: E quanto deve estar uma quitinete perto da praia?

Vendedor: Se for para todos os meses do ano, cerca de mil. Já na temporada, os proprietários andam pedindo uns três contos. Até lá no morro os preços ficam caros.

Cliente: Esse é o meu telefone. Sabendo de alguma coisa baratinha me avise. Quanto está o picolé?

Vendedor: Um é quatro, três são dez.

Cliente: Toma cinco e pode ficar com o troco. Se conseguir uma quitinete ou um quarto e sala pra mim por menos de oitocentos mensais, dou cem reais para você de presente.

Vendedor: Lá na comunidade tem uma senhora que fez umas suítes e cobra setecentos. Fica no alto do morro.

Cliente: Não quero nada na favela. Tem que ser perto da praia.

A conversa é então interrompida por outro cliente. Tratava-se de uma família representada pela mãe com várias crianças:

Cliente novo: Moço, vem aqui rapidinho.

Vendedor: Com licença. Oi! Aguarda um momentinho.

Cliente antigo: Vai lá. Depois conversamos. Pode ligar pra mim a cobrar quando achar a casa.

Nosso picolezeiro afasta-se e vai até a barraca da mulher que o chamara.

Vendedor: Bom dia, amiga.

Cliente: Quanto está o picolé?

Vendedor: Um é quatro, três são dez.

Cliente: Três é dez? E cinco? Quanto o senhor faz? Sai por doze?

Vendedor: Cinco picolés eu faço por quinze.

Cliente: Poxa, moço. É muita criança...

Vendedor: O menor preço que posso fazer é o de três reais por unidade.

Cliente: No trem eu pago um real pelo picolé...

Vendedor: No trem é diferente. Na praia tenho que pagar a Prefeitura para trabalhar e enfrento as condições de sol e de temperatura de janeiro a janeiro carregando esse peso nas costas. Aliás, não são todos os dias que podemos vir aqui. Pois, se chove, não temos venda. Quando chega o inverno, a orla fica vazia e o movimento cai.

Cliente: Perto de casa eu pago setenta centavos nesse picolé. Moro bem ao lado da fábrica e, se você fosse lá, compraria mais barato e poderia vender por dois reais.

Vendedor: Já não é mais esse preço no distribuidor. Aqui o meu fornecedor cobra um real por picolé no atacado acima de cinquenta, mas não compensa ir longe buscar por causa da longa demora no trânsito. Na praia, todos os camelôs têm que praticar o mesmo preço para um não atrapalhar o outro senão dá briga. E, se a gente não lucrar pelo menos uns dois reais em cada picolé, torna-se difícil viver com dignidade. Caso os ambulantes resolvam abaixar demais o seu preço, os comerciantes da orla reclamam, a Prefeitura revoga as nossas autorizações e a fiscalização expulsa os vendedores todos daqui.

Cliente: Num sei disso, não. Mais tarde o senhor passa...

Uma das crianças, o mais novinho, começa a chorar fazendo a mãe mudar de ideia:

Criança: Mãe, compra o picolé!  

Cliente: Depois!

Criança: Eu quero agora!

Cliente: Moço, me vê só quatro picolés. Vou comprar só para os meus filhos.

Vendedor: Que sabor eles vão querer?

Criança: Brigadeiro!

Posicionando-se ao lado da mãe, a filha mais velha optou por recusar, porém os outros dois irmãos pediram o mesmo sabor do caçula de modo que só restou um brigadeiro na caixinha.

Cliente: Aqui seus dez reais. Ela não vai mais chupar. Pode meter o pé!

Vendedor: Obrigado e boa praia.

Mais adiante, um casal de idosos pediu dois picolés (a esposa de milho e o marido de graviola). Veio um rapaz alto e comprou um picolé de maracujá. Em seguida, três amigas levaram um de morango e dois de uva. Ao lado delas estava um senhor diabético que, embora não costumasse comprar sorvetes, fizera amizade com Artur. Semanalmente ele lhe trazia os frutos de uma árvore exótica chamada noni que cultivava em seu sítio na região de Guapimirim, próximo à serra de Teresópolis. Ambos sempre conversavam sobre assuntos de política:

Senhor: E aí? Acha que a presidanta cai este ano?

Vendedor: Duvido! Com o Eduardo Cunha e um bando de parlamentares encrencados, como que a Câmara vai fazer o impeachment dela? Além disso, se a Dilma cai, quem assume é o vice de modo que fica mais difícil para o PSDB conseguir vencer em 2018.

Senhor: O Temer está na pica também! Seu nome já anda aparecendo em gravações e nos depoimentos dos delatores da Lava-Jato. Acho que a Federal deve ter várias provas contra ele que não sabemos.

Vendedor: Tem que mudar é o sistema! O certo seria haver novas eleições como acontece num país parlamentarista. Imagina se caem a Dilma, o Temer, o Cunha e o presidente do senado? Quem fica no lugar do Renan será o Tiririca!

O homem cai na gargalhada e responde:

Senhor: Aí pior não fica. 

Vendedor: Acho que fica bem pior, mas vai mostrar a piada que é a politica desse país.

Senhor: As Forças Armadas tinham que intervir, botar o PT pra correr e fechar logo esse Congresso que não serve para nada. Não foi o Figueiredo quem falou "vocês ainda terão saudades de mim"?

Vendedor: Eu não tenho nem um pouco de saudades dos generais e nem de FHC. Prefiro ver os milicos no quartel.

Nisso aproximou-se uma criança sozinha perguntando o preço do picolé:

Criança: Quanto tá o sorvete?

Vendedor: Um é quatro, três são dez. Tem que chamar o papai ou a mamãe.

Criança: Vem comigo.

Senhor: Vai lá! Mais tarde me liga pois trouxe o noni e umas ervas medicinais para você lá do sítio. Aparece!

Vendedor: Valeu! Amanhã eu passo na sua casa.

Sentado num quiosque com um copo de cerveja na mão, o pai fez um sinal negativo com o dedo para que Artur não vendesse o picolé para o seu filho, causando-lhe o sentimento de frustração por não ter concretizado a venda. Naquele momento, passou caminhando pelo calçadão da praia o colega de profissão Reinaldo, o qual precisava que alguém trocasse sua nota de vinte reais por dinheiro miúdo:

Colega: Artur, você tem bastante notas de dois reais e moedas?

Vendedor: O suficiente.

Colega: Não pode trocar para mim esses vinte reais?

Vendedor: Seis notas de dois e oito de um alivia?

Colega: Tá ótimo! Me diz uma coisa. A renovação da sua licença já saiu?

Vendedor: Paguei a taxa na lotérica semana passada e apresentei o comprovante lá na Prefeitura. A carteirinha de ambulante de 2016 ainda não ficou pronta. No meu caso, tive que pedir à minha advogada que consignasse o pagamento na Justiça assim que terminou o recesso do Fórum porque não queriam emitir o boleto alegando problemas de sistema. Felizmente o juiz concedeu a liminar e resolvi o problema. Só não arrumei o carrinho.

Colega: Até agora não deram a minha carteirinha também. Todo ano é assim e a Prefeitura só libera pra fazer pagamento mesmo depois do Carnaval.

Vendedor: Eles fazem isso porque querem que paguemos o agrado do fiscal

Colega: Quando trabalhava na outra praia, resolvemos não pagar mais a propina e todo sábado tínhamos que fugir do fiscal para não levarem a mercadoria. Foi então que, depois de uma covardia do prefeito, fizemos um protesto e a TV foi lá. Em retaliação, o fiscal não fez mais nada, o lugar encheu de camelôs piratas e ninguém mais conseguia ganhar dinheiro. Saí, vim pra cá e agora soube que os vendedores voltaram a contribuir semanalmente com os agentes da Prefeitura. Inclusive os legalizados.

Vendedor: Isso tinha que ser gravado e denunciado! Mais do que nunca precisamos criar a nossa associação de ambulantes a fim de lutarmos contra esses abusos. Depois da Semana Santa vamos nos reunir?

Colega: Pode contar comigo, Artur. Mas você sabe que o pessoal é desunido, né?

Vendedor: Essas convocações temos que fazer fora da temporada e chamarmos só aqueles que trabalham o ano todo. Precisamos nos organizar antes da campanha eleitoral para não falarem que estamos trabalhando pra algum candidato.

Colega: E você não vem com ninguém?

Vendedor: Fique certo de que este ano não voto em nenhum vereador apoiado pelo prefeito. É hora de renovarmos a política nessa cidade! Chega de figurinha marcada!

Colega: Se um deles me der uma moral, faço campanha pro sujeito.

Vendedor: Aí você vende o seu voto e acaba pagando muito mais caro quando, por exemplo, precisar do hospital e não conseguir atendimento.

Colega: Deixa eu ir. São todos eles safados. Vamos trabalhar! 

Escutando a conversa aproximou-se um homem de uns sessenta anos e se dirigiu a Reinaldo:

Cliente: Quanto está o teu picolé?

Vendedor: Um é quatro, três são dez.

Cliente: Quero um de leite condensado.

Vendedor: Aqui.

Cliente: Me diz uma coisa. Quantos picolés você costuma vender num dia?

Vendedor: Depende de como está a praia e da época. Agora é verão, mas houve vezes, no inverno, que não fiz nem vinte. Se chover, pára tudo.

Cliente: E você anda a praia toda?

Vendedor: Sim.

Cliente: Que saúde você tem! Pretendo ficar tomando sol até às duas da tarde. Se interessar, volta e passa o resto do dia comigo. Pago seu almoço, chupo todos os picolés que estiverem sobrando e ainda deixo uns duzentos reais de caixinha.

Vendedor: Com licença, senhor. Tenha um bom dia.

Deu onze horas e Artur já tinha conseguido vender quase todos os picolés restando na caixa apenas cinco, sendo dois de flocos, um de goiaba, um de limão e outro de chocolate. Uma senhora então resolveu abordá-lo para lhe trazer uma mensagem religiosa:

Senhora: A paz do Senhor, meu rapaz.

Vendedor: Bom dia! Em que posso ajudá-la? No momento eu tenho flocos, goiaba, limão e...

Senhora: Não vou querer picolé, não, pois estou fazendo jejum de consagração. Porém, tenho um recado de Jesus para você, filho. Leve contigo esse folheto!

Vendedor: Obrigado. Com licença.

Senhora: Espere! Hoje, na minha igreja, teremos um culto evangelístico. Aparece lá! Jesus ama você e a sua vida vai prosperar.

Vendedor: Mais uma vez agradeço. Um bom dia pra senhora.

Senhora: Ei! Acabo de ter uma visão! Um anjo está me dizendo que fizeram um trabalho de macumbaria para destruir sua família.

Vendedor: Já tenho a minha fé. Agora preciso voltar ao trabalho.

Apesar dos clientes chatos e outros legais, dos assédios sexuais (tanto de mulheres como de homens), das inconvenientes abordagens, dos maus colegas e da picaretagem dos agentes da Prefeitura, Artur mantinha o bom humor quase sempre. Pouco antes de sair da praia, tendo vendido só mais três palitos, uma adolescente gordinha junto com sua turma de banhistas resolveu pará-lo estando todas elas bêbadas:

Cliente: Moço, você tem picolé de cerveja?

Vendedor: Não tenho permissão de vender nada alcoólico para as crianças ou então a fiscalização me pega. Além de tudo, se for feito de Skol, não vai descer redondo e aí a fábrica pode ser processada no Procon por motivo de propaganda enganosa.

Cliente: Então me arruma um picolé de cachaça.

Vendedor: Eu tenho de caipirinha. Só que é sem álcool...

Cliente: Sério, moço? Que picolé é esse?

Vendedor: É o de limão. Já vem com todos os ingredientes para misturar na cachaça e fazer a caipirinha. Ou, se preferir, mergulha na vodka.

Cliente: Eu fico com esse mesmo! Kátia, você vai querer o de morango?

Vendedor: No momento, só vou ter um de limão e outro de flocos.

Cliente: Pode ser. Ela não quer, mas eu chupo os dois. Preciso de glicose senão vou passar mal. Volta aqui depois. Toma esses dez reais e fica com o troco.

Assim que retornou ao fornecedor, trovejou e não demorou a pingar.

Fornecedor: E então? Vai voltar pra praia?

Vendedor: Por hoje chega. Vai chover. Aqui sua placa.

Fornecedor: Sobrou quantos aí?

Vendedor: Nenhum.

Fornecedor: Se resolver voltar, lembre-se de que hoje fecho às duas.

Vendedor: Ok! Mas acho que hoje vou almoçar com a minha família, coisa que não faço há vários domingos porque tem feito tempo bom. Bendita chuva!

Fornecedor: Como é que é?! Não acredito que ouvi isso de um vendedor de picolé! Vê se pára de acender vela pra São Pedro e se concentra no trabalho porque, no próximo mês, precisarei aumentar o preço do produto para um real e quinze.

Vendedor: Caramba! No início do ano passado eu pagava oitenta e oito centavos.

Fornecedor: É a inflação... Você votou na Dilma, não foi?

Vendedor: Só no segundo turno e não me arrependo. Era a menos pior das opções.

Fornecedor: Então reclame com ela agora. O próximo da fila venha cá.

Debaixo da chuva, Artur foi para casa descansar. Sabia que, naquela semana, precisaria compensar o que esperava vender no domingo. Ainda assim, suas contas de janeiro já estavam pagas graças ao que juntou com o início da temporada de verão. Com a renda do picolé, ele não ficava rico. Porém, conseguia sustentar sua família sem dever nada a ninguém. De modo algum deixaria de ser camelô para trabalhar formalmente de carteira assinada por um salário mínimo ou dois. Até no brando inverno tropical do Rio de Janeiro a praia rendia mais dinheiro do que ficar sentado na portaria de um edifício. Era formado em Geografia, não exercia mais o magistério e poucos sabiam disso. Aliás, nem precisavam saber.

2 comentários:

  1. Nao sei se choro ou fico irada.
    Meu Deus! O Brasil inteiro deveria conhecer a vida dos ambulantes.

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    1. Olá, Guiomar.

      Eu diria que muita coisa precisa ser feita para melhorar as condições de trabalho dos ambulantes e dar esse segmento profissional autônomo uma vida mais digna.

      A criação da figura do microempreendedor individual, o MEI, certamente ajudou bastante por facilitar que aquela pessoa que trabalha por conta própria possa legalizar o seu negocio (para ser um microempreendedor individual, é necessário faturar no máximo até R$ 60.000,00 por ano e não ter participação em outra empresa como sócio ou titular). Porém, isso não é tudo. Pois, como os ambulantes usam o solo público, sejam eles fixos ou móveis, com ou sem veículo, todos acabam dependendo das prefeituras. Mais até do que do governo federal.

      Fato é que muita gente no Brasil ainda sobrevive na informalidade, sem acesso a benefícios como auxílio maternidade, auxílio doença, aposentadoria, entre outros. Principalmente por causa da falta de informações. E aí entendo que as prefeituras não somente deveriam ser mais transparentes quanto às autorizações para o comércio ambulante como também incentivarem a formalização desses trabalhadores como MEI. Só que isso vai contra o coronelismo dos prefeitos do nosso país...

      De qualquer modo, o tratamento dos ambulantes como empreendedores é um tremendo avanço e que gera também uma mudança de mentalidade também entre eles induzindo à uma capacitação do profissional. Aos pouquinhos as coisas vão mudando sendo que, antigamente, esses vendedores viviam muito pior.

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