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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Reflexões sobre o Salmo 88




Talvez o Salmo 88 seja um dos poemas mais evitados pelos leitores das Escrituras Sagradas. Segundo um comentário correspondente na Bíblia de Estudo de Genebra, trata-se da "mais deprimida de todas as lamentações do saltério".

O autor, que seria um homem aflito por uma provável doença, expressa toda a sua dor e solidão orando. Seus sofrimentos são atribuídos a Deus sendo isto a explicação do abandono pelos seus amigos, muito embora não esteja explícito o motivo da alegada ira divina (verso 7).

Sem entrar no mérito sobre a causa divina para os males do salmista, o que para mim seria mais um reflexo da cosmovisão dos antigos judeus, prefiro focar na questão do abandono do poeta pelos seus semelhantes, conforme cito a seguir:

"Afastaste de mim os meus conhecidos e me fizeste objeto de abominação para com eles 
(...)
Para longe de mim afastaste amigo e companheiro;
Os meus conhecidos são trevas."
(Versos 8a e 18; versão e tradução ARA)

O fato é que o sofrimento muitas das vezes parece não ter solução e a única coisa que nos resta nessas horas dolorosas é contar com a presença das pessoas mais próximas. Os amigos já não podem mais salvar ou socorrer o desesperado, mas encontra-se ao alcance deles darem atenção, consolo e força para que, se for o caso, padecermos em paz até a morte.

Dentro do contexto cultural da época pré-cristã, na qual o Salmo 88 foi escrito, a sociedade ainda via na doença uma espécie de maldição. Como no Livro de Jó, as pessoas entendiam que o sujeito enfermo estaria sendo castigado porque havia cometido algum pecado ou desobediência. Logo, até um homem aflito poderia se sentir o causador de seu sofrimento muito embora não fosse o caso do personagem Jó ou do salmista em comento, o qual fez esta indagação acerca do abandono em que se encontrava:

"Por que rejeitas, SENHOR, a minha alma e ocultas de mim o rosto?" (v. 14; ARA)

Reflitamos racionalmente! O que leva um ser humano a ocultar o rosto na hora da dor de seu semelhante?

Será que a dor do outro nos faz recordar da nossa própria fraqueza que tentamos a todo instante ignorar?!

Para melhor ilustrar esse artigo, lembremos de Jesus. Pois, enquanto o Mestre andava pelas poeirentas terras da Palestina anunciando a vinda do Reino e fazendo os milagres registrados pelos evangelistas, tanto os discípulos quanto uma enorme multidão o acompanhavam. Porém, a partir do momento da sua prisão, os seguidores preferiram fugir. A fraqueza do Filho do Homem, considerado até então um herói, naquele momento só foi capaz de atrair os zombadores e as corajosas mulheres no caminho do Calvário, as quais mostraram-se mais valentes que os apóstolos escolhidos.

Sem querer criar ilusões com a humanidade de natureza errante, creio ser possível abrandarmos o sofrimento alheio através de atitudes solidárias e afetuosas. Pois, mesmo sem parar todas as nossas atividades por causa de um moribundo (realmente a vida e o sistema produtivo cobram caro quando deixamos de lado as obrigações do cotidiano), acredito na eficácia dos pequenos sacrifícios em favor do próximo através de uma amável visita ao doente.

Tenham todos uma ótima semana!


OBS: Texto postado originalmente no blogue da Confraria Teológica Logos e Mythos sendo que a ilustração acima extraída de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5aOZxO1A81hyTp-5iGIkzJeHd8LJjsXSgywad1FCyaadKv1dWx1MV-12vGvyGaylOnniKN2G29sgfiotd7GeEDt-KUzjKbGn3dEmVBCpvpWSZAbkNDc29V7DNQXBJggLBH19Y2N6ZFZnu/s1600/Dios+m%C3%ADo,+no+me+dejes+solo.JPG

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