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terça-feira, 31 de maio de 2011

A Parábola do Inventor


Acho muito interessante esta história e acho que ela retrata bem a trajetória do cristianismo.

O autor, o padre jesuíta Anthony de Mello (Bombaim, 4 de Setembro de 1931 — Nova York, 2 de Junho de 1987) foi um hábil contador de parábolas. Sua pregação não se baseava no dogmatismo e muito menos na falida doutrinação católica, pois buscava despertar o ser humano para a espiritualidade através de uma visão integral da vida.

Sutilmente, Anthony de Mello fazia críticas à religião e os seus escritos, cerca de 11 anos após sua morte, foram condenados pelo então cardeal Joseph Ratzinger, o atual papa Bento XVI, com a justificativa de que as obras afastavam-se "progressivamente da fé cristã" e do catolicismo.

De fato, o Pe. Anthony de Mello tinha contatos com as outras religiões, sobretudo com o budismo tailandês e com o pensamento de Ajahn Chah. Porém, os seus estudos também se baseavam em conhecimento científico visto que ele, além de sacerdote católico, foi um psicoterapeuta.

A seguir compartilho a interessante Parábola do Inventor contada por Anthony de Mello e que pode ser encontrada também na internet com as devidas referências à sua obra publicada no Brasil pela editora Loyola:


O INVENTOR

"Depois de muitos anos de trabalho, um inventor descobriu a arte de fazer fogo. Levou as ferramentas às regiões do norte cobertas de neve e ensinou a uma tribo a arte – e as vantagens – de se fazer fogo. As pessoas ficaram tão absortas nessa novidade que não se lembraram de agradecer ao inventor, que foi embora de mansinho. Sendo um daqueles raros seres humanos dotados de nobreza, não tinha nenhum desejo de ser lembrado ou reverenciado; tudo o que queria era a satisfação de saber que alguém se beneficiaria com sua descoberta.
A tribo seguinte que ele procurou estava tão ansiosa para aprender quanto a primeira. Mas os sacerdotes locais, com inveja da influência do estranho sobre o povo, mandaram assassiná-lo. Para refrear qualquer suspeita de crime, entronizaram um retrato do Grande Inventor no altar-mor do templo; e organizaram uma liturgia destinada a reverenciar e a manter viva sua memória. Tomaram o máximo cuidado para que nem um só preceito litúrgico fosse alterado ou omitido. As ferramentas para fazer fogo foram guardadas em um relicário e dizia-se que curavam todos aqueles que as tocavam com fé.
O próprio Sumo Sacerdote realizou a tarefa de compilar uma Vida do Inventor, que se tornou o livro sagrado onde sua extremosa bondade era oferecida como exemplo a ser seguido por todos e seus feitos eram elogiados, sua natureza sobre humana transformada em artigo de fé. Os sacerdotes cuidaram para que o livro fosse transmitido às futuras gerações, enquanto, com autoridade, interpretaram o sentido das palavras dele e o significado de sua vida e morte virtuosa. E implacavelmente puniam com morte ou excomunhão qualquer um que se afastasse da doutrina deles. Ocupado com essas tarefas religiosas, o povo esqueceu completamente a arte de fazer fogo."

(Anthony de Mello, O enigma do iluminado, v.I, São Paulo: Loyola, 1996, p.19)

2 comentários:

  1. Bem bolada essa parábola, Rodrigo

    Mataram o inventor do fogo, para depois inventar a Bíblia do falecido, cheia de dogmas a serem obedecidos literalmente, sob pena do castigo eterno. Dogmatizaram o criador, para matar as criaturas.

    Acho que tem tudo a ver com os evangelhos dos fundamentalistas. Ou não? (rsrs)

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  2. Concordo, Levi. Porém colocando aspas na palavra evangelhos. Pois o que se ouve por aí entre esses "pastores" midiáticos não são boas novas, e sim más notícias.

    Abraços.

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