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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Impeachment impede Witzel de disputar eleição em 2026, apesar de anúncio público

 


O ex-governador Wilson José Witzel voltou a sinalizar publicamente que pretende concorrer ao governo do Rio de Janeiro em 2026, conforme divulgado por veículos de imprensa. A declaração reacendeu o debate sobre sua situação jurídica — e, sobretudo, sobre a viabilidade real de uma eventual candidatura.

Do ponto de vista legal, porém, o cenário é claro: Witzel segue inelegível até 2029 em razão do impeachment aprovado pelo Tribunal Especial Misto em 30 de abril de 2021. A Lei da Ficha Limpa (LC n.° 135/2010), em sua redação atualizada, mantém em oito anos o prazo de inelegibilidade para agentes públicos que perdem o mandato por crimes de responsabilidade ou infrações político-administrativas. Por isso, a contagem se inicia na data da decisão que determinou o afastamento definitivo — no caso, abril de 2021.

Esse entendimento não é novo. Entre 2017 e 2018, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência aplicando o prazo de oito anos mesmo a cassações ocorridas antes da edição da Lei da Ficha Limpa, estendendo seus efeitos a mandatos posteriores. O objetivo era impedir que condenações por ilícitos eleitorais ou político-administrativos continuassem produzindo efeitos apenas formais, sem repercussão prática na elegibilidade.

À luz dessa interpretação, Witzel só recuperará os direitos políticos em 2029, o que inviabiliza qualquer participação no pleito estadual de 2026. A situação não difere, portanto, da eleição de 2022, quando sua candidatura foi impugnada e declarada juridicamente impossível.

Diante desse histórico, a nova manifestação de interesse eleitoral suscita questionamentos: trata-se de um projeto político real ou apenas de um movimento estratégico para recolocar seu nome no debate público? A dúvida se fortalece porque, juridicamente, não há qualquer brecha que permita sua participação na próxima disputa estadual — salvo se o impeachment fosse anulado judicialmente, hipótese que não encontra respaldo no cenário atual.

Enquanto o ex-governador busca espaço na mídia e nas redes, a legislação continua impondo limites objetivos. E, até aqui, eles são incontornáveis, conforme passo a detalhar adiante.


⚖️ A jurisprudência consolidada: a Ficha Limpa vale para “fatos passados”

Desde 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou, no julgamento do RE 929670 (Tema 860), que a inelegibilidade de oito anos prevista na Ficha Limpa pode atingir candidatos condenados por abuso de poder eleitoral, mesmo que o fato imputado seja anterior à vigência da lei — desde que a condenação tenha transitado em julgado.

Em outras palavras: não existe “direito adquirido” à elegibilidade com base na antiga lei — a avaliação sempre considera a situação no momento do pedido de registro de candidatura.

Desde então, a jurisprudência eleitoral tem aplicado esse entendimento de modo consistente, reafirmando que a inelegibilidade é condição de elegibilidade, não sanção penal, o que permite sua incidência mesmo sobre condutas pretéritas.


📌 O caso concreto de Mário Tricano (Teresópolis): demonstração prática da aplicação da regra


  • Tricano foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação nas eleições municipais de 2008. A condenação declarou sua inelegibilidade por 3 anos (na regra antiga), mas com a vigência da Ficha Limpa a inelegibilidade foi estendida para oito anos.
  • Mesmo tendo sido eleito em 2016 para prefeito, o seu registro de candidatura foi impugnado, e, com base na jurisprudência do STF (RE 929670), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve o indeferimento. Foi convocada nova eleição em 2018.
  • Essa decisão demonstra concretamente que a Ficha Limpa — com prazo de 8 anos — pode ser aplicada mesmo em casos em que a condenação precedeu a lei, e mesmo depois da eleição e diplomação do candidato: a inelegibilidade é apurada no momento do registro.


Portanto, o caso Tricano é paradigma prático de que o sistema judicial-eleitoral brasileiro não admite “contas antigas quitadas” como passaporte automático para reeleição ou nova candidatura.


❗ Por que o caso de Witzel se insere no mesmo padrão — e por que sua candidatura em 2026 é juridicamente inviável


  • Witzel foi cassado por impeachment/ perda de mandato — o que, como é pacífico na jurisprudência eleitoral e constitucional, implica inelegibilidade.
  • Com base no precedente do RE 929670 e na interpretação dominante da Ficha Limpa, a inelegibilidade de oito anos deveria contar a partir da decisão de cassação / perda de mandato.
  • Logo, se a perda efetiva do mandato de Witzel ocorreu em abril de 2021, o prazo de inelegibilidade se estenderia até abril de 2029 — bem além do pleito de 2026.
  • Dado o histórico jurisprudencial (como o de Tricano), a Justiça Eleitoral dificilmente admitiria o registro de sua candidatura — e seria coerente o indeferimento, com base no mesmo tipo de fundamentação já usada em casos anteriores.


🎯 Conclusão — O uso do exemplo de Tricano para evidenciar a inviabilidade

O precedente de Mário Tricano e a jurisprudência consolidada do STF mostram que a inelegibilidade por oito anos da Ficha Limpa é aplicada de forma retroativa e rigorosa, sempre que houver condenação ou cassação transitada em julgado.

Se isso valeu para um ex-prefeito de Teresópolis, com dolo eleitoral e decisão de Justiça Eleitoral, não há razão convincente para o TRE e o TSE tratarem diferentemente um ex-governador cassado por impeachment.

Logo, qualquer tentativa de candidatura de Wilson Witzel em 2026 estaria juridicamente fadada ao indeferimento pois qualquer adversário poderia requerer em cinco dias a impugnação do seu registro. 

Assim sendo, suponho que a mera intenção, nesse contexto, parece mais um gesto de autopromoção política do que um plano eleitoral com viabilidade real.


📷: Fernando Frazão/Agência Brasil.

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