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terça-feira, 7 de abril de 2015

Memórias de um 7 de abril



"Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que tenho muito voluntariamente abdicado na pessoa de meu muito amado e prezado filho, o Senhor D. Pedro de Alcântara.
Boa Vista, 7 de abril de mil oitocentos e trinta e um, décimo da Independência e do Império." (D. Pedro I)

Bem que muitos brasileiros, neste ano de 2015, gostariam que a presidenta Dilma Rousseff fizesse o mesmo que D. Pedro há 184 anos atrás, quando o imperador entregou a sua carta de abdicação do trono ao major Miguel de Frias e Vasconcelos, comandante da Fortaleza de São José da Ilha das Cobras. Embora pela primeira vez na República os brasileiros só tenham conseguido o impeachment de um presidente no caótico ano de 1992, eis que, em abril de 1831, a nação revoltada mandou o seu autoritário rei de volta para Portugal. O inabilidoso príncipe que havia dito a frase "tudo farei para o povo, nada, porém, pelo povo", agora estava entregando a coroa para que ao menos o filho pudesse vir a governar o Brasil em seu lugar quando atingisse a maioridade.

Um episódio anterior à abdicação de D. Pedro foi a chamada "Noite das Garrafadas", quando os brasileiros revoltosos entraram em conflito com os portugueses que apoiavam o imperador. Isto ocorreu em 13/03/1831, ocasião em que a população atacou com pedras, aramados de paus e garrafas uma festa que fora organizada para recepcionar o governante após o retorno deste de uma mal sucedida viagem a Minas Gerais. Lá os mineiros também tinham hostilizado o rei.

Sem dúvida que, desde o assassinato do jornalista opositor Giovanni Battista Libero Badarò, falecido em 21/11/1830, em decorrência dos ferimentos causados por um covarde tiro de pistola à queima-roupa, a mando do desembargador ouvidor Candido Ladislau Japi-Assú, pode-se dizer que uma onda de protestos varreu o país naqueles tempos. Seu cortejo fúnebre ocupou toda a distância entre sua casa, na hoje Rua Líbero Badaró, e a Capela da Ordem Terceira do Carmo, numa distância de aproximadamente 1,2 km, no atual centro histórico da capital paulista, deixando  a cidade à beira da insurreição.

Desse modo, o sangue derramado do editor do Observador Constitucional, tido como o primeiro jornalista morto no país, certamente clamou tão alto quanto o de Abel. A intolerância política e a impunidade dos assassinos (o mandante tinha foro privilegiado) gerou uma profunda indignação nos brasileiros. As pessoas não se calaram e foram às ruas. Por aquele tempo, Evaristo da Veiga (1799 — 1837) outro jornalista contemporâneo e que também era o autor da letra do "Hino à Independência", assim escrevera no Aurora: "Se a vontade do povo for dominada pelo terror, a nossa liberdade será reduzida, necessariamente, a uma mera sombra".

Pressionado e perdendo cada vez mais apoio político, D. Pedro não teve outra alternativa senão deixar o trono e sair do Brasil. Ciente dos ânimos das tropas e do povo, o rei teria dito estas palavras ao major Miguel de Frias na madrugada daquele dia 7: "Aqui está a minha abdicação; desejo que sejam felizes! Retiro-me para a Europa e deixo um país que amei e que ainda amo". E, pela manhã da mesma data, o ex-imperador embarcou no navio inglês Warspite, acompanhado da segunda esposa D. Amélia e da filha, D. Maria.

Recordando-me desse momento histórico raramente comemorado, reflito que não podemos continuar passivos enquanto o sangue de milhões de compatriotas continua a jorrar por causa da violência dos policiais e do tráfico nas comunidades carentes, bem como do descaso na saúde pública. A falta de investimentos, junto com a má administração e o desvio de verbas, faz com que muitos pacientes morram nos hospitais sem receberem os cuidados médicos adequados. E, quanto ao autoritarismo, este ainda se repete com a edição de infinitas medidas provisórias como fez nossa presidenta ao editar as MPs 664 e 665 no apagar das luzes de 2014, prejudicando seriamente os direitos dos trabalhadores às vésperas de um ano que é de recessão.

Considero prematuro falar num impeachment da Dilma, mas vale a pena lembrarmos aos nossos governantes das três esferas estatais (União, estados e municípios) que eles não devem brincar com o povo. É preciso dar uma basta nesse excesso de medidas provisórias, as quais nada mais são do que uma continuação dos antigos decretos-leis do regime militar e, em última análise, do poder moderador real. Como uma república democrática que somos, precisamos que questões como as modificações nas regras de pensionamento das viúvas e as alterações de prazos para o trabalhador receber o seguro desemprego devam passar primeiramente por uma ampla discussão no Congresso com a devida participação popular. Esta seria a maneira mais correta de se promover reformas legislativas em que o direito de voz dos diversos setores da sociedade precisa ser respeitado.

Um ótimo dia a todos!


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro do pintor Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1856 — 1916) que retrata a abdicação do primeiro Imperador do Brasil, D. Pedro I. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Abdica%C3%A7%C3%A3o_de_Dom_Pedro_I#/media/File:Abdicacao_Pedro_I_do_Brasil.jpg

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