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quarta-feira, 22 de abril de 2015

Um país que ainda não se redescobriu




Completamos hoje 515 anos de uma descoberta oficial. Trata-se de uma data que para a Coroa Portuguesa possa ter significado, por mais de 3 séculos, um motivo de grande satisfação. Só que não podemos dizer o mesmo quanto aos milhões de índios que viviam aqui e nem em relação aos negros trazidos para cá forçados pelo colonizador. 

Muitos dos que foram violentados e depois feitos cativos para trabalharem como escravos dificilmente devem  ter conseguido sonhar com uma época em que seus descendentes pudessem ser livres (perante a lei) e fazerem coisas jamais imaginadas como exercer o direito de ir e vir, votar e ser votado nas eleições, frequentar uma escola, não pagar mais tributos a Portugal, etc. Ainda assim, acho que, se um brasileiro do século XVI pudesse ser transportado numa máquina do tempo para os nossos dias, ficaria indignado com outros tipos de violência e de injustiça. Pedro Álvares Cabral então já não reconheceria mais a devastada costa de nosso país antes coberta por um verde tão exuberante. 

Apesar de todas as evoluções que tivemos, a vida (humana, animal e vegetal) continua em risco e desvalorizada. Novas descobertas surgem no campo da ciência com técnicas maravilhosas para tratamento médico, mas o atendimento no SUS permanece precário em muitas das unidades públicas. Alunos entediados com a escola terminam o ano letivo sem um aprendizado que possamos considerar adequado ou suficiente, o que, a meu ver, não pode passar desapercebido pelos pais, professores e pelos órgãos educacionais. Pois, ao buscar uma oportunidade no mercado de trabalho, dificilmente esses jovens conseguirão se estabelecer de maneira satisfatória.

Falando em educação, o colunista Antonio Góis em seu artigo Fuga de professores, publicado no jornal O GLOBO de 20/04, trouxe uma informação preocupante baseado num levantamento da pesquisadora Rachel Pereira Rabelo quando ela investigou a base de dados do Censo da Educação Superior no Brasil. Verificou-se que dos alunos que ingressaram em 2009 nos cursos de licenciatura em Física, Biologia, Matemática e Química, apenas uma minoria consegue concluir a faculdade. A situação mais preocupante estaria em Física, onde somente um em cada cinco (21%) estudantes obtém o diploma. Em Matemática e Química, a relação é de apenas um em cada três universitários (34% em ambos os cursos). Em Biologia, a taxa se eleva para 43%. De acordo com seus estudos, chegaremos em 2028 com um número menor de professores do que o verificado hoje!

Semana passada conversei com um professor com Licenciatura em Espanhol que hoje trabalha num shopping da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Nada contra a profissão de balconista pois é digna igual a qualquer outra. Porém, se analisarmos bem, as comissões pagas por algumas lojas a seus vendedores num final de ano chegam a superar os salários de muitos profissionais da educação na rede pública de ensino. Só para se ter uma ideia, o Processo Seletivo Simplificado de contratação por tempo determinado aqui de Mangaratiba, município onde moro, a Prefeitura propõe pagar R$ 902,35 para o professor de nível médio e R$ 1.299,39 para o que tiver nível universitário com licenciatura em Arte. Ou seja, nossos políticos querem que um profissional graduado se vire com pouco mais de um salário mínimo e meio!

Entendo que cada ser humano é um pequeno universo, um microcosmos com enormes potencialidades, e que precisa ter seu valor reconhecido. Só que, com a maneira como a educação é tratada, quantos talentos hoje não são desperdiçados no nosso país? 

Ó pátria educadora, será que os nossos professores não produziriam mais caso recebessem melhores estímulos para estudar e dar aula?!

Passados 515 anos da chegada dos portugueses ao litoral da Bahia, o grande desafio do Brasil hoje é se redescobrir, o que significa aprender a valorizar sua gente, cuidar melhor do que sobrou da nossa natureza e da cultura que ainda resiste aos padrões massificados da TV guardada na memória de nossos velhos. Temos agora que nos auto-conhecer, olhar para dentro e deixar que o encapsulado sentimento de nação seja finalmente desperto.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro Desembarque de Cabral em Porto Seguro (óleo sobre tela) de Oscar Pereira da Silva (1865 ou 1867 — 1939), pintado em 1904. A obra faz parte do acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

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