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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O que você quer?



A Bíblia conta que o rei Salomão, numa certa noite, sendo ainda jovem e inexperiente, teve uma aparição de Deus em seus sonhos. Naquela ocasião, o SENHOR assim falou ao novo monarca de Israel:

"Pede-me o que queres que eu te dê" (1Rs 3:5 e 2Cr 1:7; ARA)

Você já pensou qual seria a sua resposta se algo semelhante acontecesse contigo? Que tipo de coisas pediria a Deus?

Uns certamente pedissem um carro de luxo. Os que tivessem mais cabeça prefeririam a casa própria. Outros, talvez, importariam-se primeiramente com a cura de uma doença grave, com o bem estar de algum parente próximo, ou, quem sabe até, por conhecer uma pessoa para namorar, casar e ter filhos. Recordo que, no começo de minha complicada adolescência, por volta dos 13 anos, meu médico Dr. Pedro Bloch (1914-2004), o qual também era escritor, fez-me semelhante pergunta sobre quais seriam os meus três desejos caso o gênio da lâmpada conto árabe de Aladim aparecesse na minha vida. Então eu lhe disse:

"Eu pediria ao gênio o direito de ter realizado quantos desejos mais eu viesse a ter!"

Que ousadia, não?! Mas o certo foi que o velhinho registrou minha resposta em suas anotações e, na certa, deve ter pensado em usá-la em algum de seus futuros livros. Hoje, quando me lembro daquele momento em seu consultório, situado num antigo prédio de Copacabana, tento analisar a mim mesmo sobre aquilo que meu coração de fato deseja.

Entretanto, quando medito sobre a história bíblica do rei Salomão, percebo ali uma notável adequação de pedidos. Quando respondeu a Deus, o rei tinha total consciência de seu papel como líder da nação israelita. Ele sabia muito bem da responsabilidade colocada sobre seus ombros e do grandioso projeto de construção do Templo elaborado por seu pai Davi. Então, reconhecendo humildemente a sua condição, disse a Deus:

"Agora, pois, ó SENHOR, meu Deus, tu fizeste reinar teu servo em lugar de Davi, meu pai; não passo de uma criança, não sei como conduzir-me. Teu servo está no meio do teu povo que elegeste, povo grande, tão numeroso, que não pode contar. Dá, pois, ao teu servo , coração compreensivo para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; pois quem poderia julgar a este grande povo?" (1Rs 3:7-9)

Aquelas palavras agradaram a Deus que não somente atendeu ao pedido de Salomão como também concedeu-lhe muitas outras coisas:

"Já que pediste esta coisa e não pediste longevidade, nem riquezas, nem a morte de seus inimigos; mas pediste entendimento para discernirdes o que é justo; eis que faço segundo as tuas palavras: dou-te coração sábio e inteligente, de maneira que antes de ti não houve teu igual, nem depois de ti o haverá. Também até do que não me pediste eu te dou, tanto riquezas como glória; que não haja teu igual entre os reis, por todos os teus dias. Se andares nos meus caminhos e guardares os meus estatutos e os meus mandamentos, como andou Davi, teu pai, prolongarei os teus dias." (1Rs 3:11-14)

Felizmente Deus não é um gênio inconsequente dos contos ficcionais que dá ao homem o direito de receber todas as coisas que bem desejasse. O Altíssimo não disse a Salomão para pedir o que bem quisesse que ele atenderia, conforme fizera o rei Herodes à filha de sua amante adúltera quando a jovem dançou para ele na comemoração de seu aniversário. Naquela vez, o monarca estúpido assim falou na sua pecaminosa impulsividade:

"Pede-me o que quiseres, e eu te darei. E jurou-lhe: Se pedires mesmo que seja a metade do meu reino, eu te darei" (Mc 6:22-23)

A todos Deus concede o direito de pedir (e de pedir ilimitadamente), mas reserva para si a possibilidade de conceder ou não as petições dos homens. Como um Pai sempre aberto ao diálogo, o Criador quer que compartilhemos com Ele em oração as coisas guardadas no nosso íntimo. Coisas estas que o Onisciente já pré-conhece antes de falarmos, mas que, ainda assim, devemos comunicá-las. Aliás, o próprio Senhor Jesus teria ensinado em certa ocasião, por meio de duas parábolas, sobre orarmos com persistência (Lc 11:5-13; 18:1-8).

Complementando as parábolas referenciadas do amigo inoportuno e do juiz iníquo, não podemos esquecer de outra lição aprendida no Sermão da Montanha quando o Senhor declarou categoricamente que não usássemos de vãs repetições justamente porque Deus já pré-conhece a nossa necessidade antes do pedido ser formulado:

"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o que tendes necessidade, antes que lhe peçais." (Mt 6:7-8)

Essas sábias colocações do Mestre introduzem a conhecida oração cristã do Pai Nosso até hoje repetida por muitos ao invés de lembrada como um modelo a ser seguido nas petições feitas a Deus. Pois, pelo que se percebe claramente, Jesus propõe que, quando conversamos com o Pai, tenhamos na nossa pauta, o Reino e a vontade divina. Em outras palavras, devemos procurar refletir se aquilo que queremos que Deus nos faça está mesmo de acordo com o seu propósito elevado.

Como já coloquei, Deus não pode ser confundido com o gênio do conto de As Mil e uma Noites. Seu santo Nome nem somos dignos de pronunciar com os nossos lábios impuros! Sendo Ele o Rei e Juiz de toda a Terra, cujo trono de glória está nos Céus, deve ter reconhecida a sua incontestável soberania sobre o Universo. E, como pessoas convertidas, devemos buscar a realização de sua vontade. Quanto às necessidades materiais, estas devem se restringir ao "pão nosso de cada dia" e não para gastarmos com o nosso próprio deleite, conforme ensina Tiago, irmão de Jesus, na sua lição epistolar:

"Cobiçais e nada tendes; matais e invejais, e nada podeis obter; viveis a lutar e a fazer guerras. Nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres. Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus." (Tg 4:2-4)

Com integridade de coração, Salomão não pediu a Deus a satisfação de caprichos vaidosos. O sábio rei desejou ter condições de governar bem o seu povo e conduzir Israel pelas veredas da justiça, satisfazendo assim uma necessidade justa. Ele pensou no próximo e não em si mesmo. Preocupou-se com o bem estar da coletividade e com a realização do Reino de Deus. Teve, naquele momento, uma conduta totalmente contrária a do pecado original (Gn 3:1-7), preferindo depender da orientação divina para discernir entre o bem e o mal ao invés de querer ser auto-suficiente. Por isso, a sua súplica foi atendida e as demais coisas vieram por acréscimo. E aí tenho pra mim que nenhum outro pedido pode ser comparado à sabedoria, algo que Deus concede liberalmente a todos (Tg 1:5).

Para alcançar a sabedoria, Tiago nos orienta a pedir "com fé, em nada duvidando". E não duvidar significa caminhar com decisão no rumo certo, sem estar dividido entre fazer o bem ou praticar o mal, entre a amizade de Deus e a do mundo. Por isso, no final da epístola, ele ensina para sermos como o profeta Elias que orou fervorosamente para não chover e fez o mesmo três anos e meio depois para as águas voltares. Tudo conforme a vontade do Rei do Universo.

Voltando ao texto de Salomão, temos ali a pista para sermos homens e mulheres sábios. Cabia ao jovem monarca guardar os estatutos e os mandamentos de Deus para que seus dias se prolongassem. Implicitamente podemos ver ali o princípio da obediência. Pois, agindo reverentemente para com o seu Criador, o rei receberia toda a iluminação necessária para governar a casa de Israel. Pela experimentação prática, viria a compreender depois o porquê de se fazer ou não fazer certas coisas, pelo que seu entendimento iria clarear e ele conquistaria todas as outras coisas. E assim também ocorre conosco quando resolvemos dar ouvidos à Palavra.

"O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria,
e o conhecimento do Santo é prudência." (Pv 9:10)

Que Deus abençoe sua vida e te encha de sabedoria!


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro O Sonho de Salomão do pintor italiano Luca Giordano (1634-1705) da época do Barroco.

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