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domingo, 18 de agosto de 2013

Cuidado com o "fermento" da hipocrisia!

"Posto que miríades de pessoas se aglomeraram, a ponto de uns aos outros se atropelarem, passou Jesus a dizer, antes de tudo, aos seus discípulos: Acautelai-vos do fermento dos fariseus que é a hipocrisia. Nada há encoberto que não venha a ser revelado; e oculto que não venha a ser conhecido. Porque tudo o que dissestes às escuras será ouvido em plena luz; e o que dissestes aos ouvidos no interior da casa será proclamado dos eirados." (Lucas, capítulo 12, verso de 1 a 3; ARA) 

Continuando com os comentários bíblicos sobre o 3º Evangelho, iniciados sequencialmente desde junho deste ano no blogue, chegamos ao ponto em que Jesus previne os seus discípulos (a futura Igreja) para tomarem cuidado com a conduta hipócrita. No estudo anterior, vimos o nosso Senhor criticando os fariseus e intérpretes da Lei pelo comportamento incoerente que tinham. Aqui, porém, a mensagem é atualizada para o leitor cristão de modo que o ensino do Mestre passa a assumir um caráter universal, não podendo de modo algum receber um direcionamento apologético anti-judaico como se o problema fosse exclusivo de alguns lideres de uma religião específica.

Observa-se que o ministério de Jesus tinha se tornado bem popular com as multidões se espremendo para estar com ele. Porém, toda aquela fama  prestígio poderia corromper o bom desempenho do trabalho desenvolvido. Onde estava a garantia de que a Igreja não iria tropeçar nos pecados da religiosidade? Logo, percebe-se que, já nos tempos do autor sagrado, deveria existir uma preocupação neste sentido. E, apesar de tudo o que aconteceu na história eclesiástica, sobretudo na Idade Média com a vergonhosa venda de indulgências, parece um milagre o texto em análise não ter desaparecido até à época da Reforma Protestante.

Muito interessante o uso de uma figura bem conhecida pelos destinatários da mensagem pregada por Jesus. Pois, segundo a tradição judaica da Páscoa, os israelitas deveriam se desfazer de todo e qualquer fermento em suas casas, comendo pães asmos durante sete dias afim de lembrarem a fuga dos seus ancestrais do Egito. Assim, o fermento torna-se uma representação do pecado capaz de corromper a nova massa pela hipocrisia religiosa. De um certo modo, o texto refere-se a tudo aquilo que fora denunciado pelo Salvador no final do capítulo 11.

Assim, de nada adiantaria a futura Igreja tramar às escondidas "no interior da casa". Aos olhos do Deus Onisciente nada estava encoberto e, na ocasião certa, a verdade seria revelada. Fosse no Julgamento Final ou antes. E as críticas de Jesus seriam sempre um tropeço para os cristãos hipócritas de todos os tempos! Ainda mais porque carregariam consigo suas iluminadoras palavras, sua cruz e o seu nome.

Inegavelmente, o discurso proferido pelo Mestre torna-se também uma mensagem de juízo e uma confortante orientação encorajadora para a Igreja manter uma boa consciência diante de Deus em qualquer situação. Eles não tinham que temer o homem e nem prestar contas às autoridades, quer fossem políticas ou religiosas. Antes enfrentassem a morte (Lc 12:4) do que se tornarem coniventes ou aliados do sistema. A responsabilidade do discípulo ganha aí uma dimensão existencial:

"Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis temer." (verso 5)

Por ter usado então de uma outra metáfora (a Gehenna que é traduzida nas bíblias como "inferno"), mais precisamente onde era incinerado o lixo de Jerusalém, não é possível construir uma teologia ou doutrina a partir daí acerca de um lugar de tormento para as pessoas condenadas pelos seus pecados após a morte. Até porque o destino de todos os que deixam seus corpos terrenos seria o termo grego Hades, tomado de empréstimo pelos escritores bíblicos da mitologia grega. Contudo, não é descartada a noção de que os discípulos e todas as pessoas um dia vão responder perante o Juiz de todo o Universo, encarando toda a verdade. Inclusive o que conseguiram ocultar dos homens.

O objetivo desse texto do Evangelho não é o de incutir fobias no leitor como fazem inúmeros "pregadores" por aí. Muito pelo contrário! Jesus quer é encorajar os seus discípulos a uma obediência sincera no cumprimento da obra do Reino. A vida deles estava guardada com muito amor nas mãos de Deus, o qual não se esquece nem mesmo dos simples pardais que eram comercializados por um  dos mais baixos valores monetários da época - o assarion - que correspondia a um dezesseis avos de um denário. O seguidor verdadeiro de Cristo não tinha o que temer:

"Não se vendem cinco pardais por dois asses? Entretanto, nenhum deles está em esquecimento diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais! Bem mais valeis do que muitos pardais" (versos 6 e 7)

A questão exposta vai assumir um caráter de escolha existencial e cabia à Igreja posicionar-se de maneira correta pelas atitudes tomadas. Nos versículos seguintes de 8 e 9, Jesus diz que a confissão ou negação dos discípulos será confirmada pelo Filho do Homem perante os anjos de Deus. Portanto, não dava para serem  hipócritas e isto em nada se confunde com os formais atos de profissão de fé hoje praticado nas congregações cristãs. Se agissem com a falsidade religiosa, seriam negados como seguidores do Senhor.

Uma advertência ainda mais severa vem no verso 10 que seria o "pecado imperdoável":

"Todo aquele que proferir uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas, para o que blasfemar contra o Espírito Santo, não haverá perdão."

A interpretação destas palavras também não é literal, mas deve ser feita no seu devido contexto. A blasfêmia contra o Espírito Santo não se trata de ofensas verbais ou insultos. Parece-me algo muito mais sério e profundo que tem a ver com a atitude praticada pelos fariseus quando acusaram Jesus de expulsar demônios pelo poder de Belzebu (Lc 11:15), como é explicitamente relacionado no texto paralelo de Marcos (Mc 3:29-30).

Não seria este o nível mais baixo da hipocrisia religiosa em que, buscando manter o status quo, os opositores de Jesus rejeitaram deliberadamente a verdade em sua essência?

Deste modo, o pecado contra o Espírito é entendido como sem perdão porque a conduta do agente mostra-se incompatível com qualquer reconciliação com o Criador. A escolha da pessoa coloca-a numa posição totalmente contrária ao Reino. Não é Deus quem estaria fechando as portas e sim o próprio homem conduzido cegamente pela sua mais completa hipocrisia.

Mas não é qualquer tipo de oposição ao Reino que caracterizará o pecado imperdoável. A blasfêmia contra o Espírito surge primeiramente no coração. Nem todos os que foram perseguidores do Evangelho tornaram-se tão depravados. O apóstolo Paulo foi um exemplo de alguém que chegou a matar os servos do Senhor supondo estar trabalhando zelosamente para Deus, agindo por ignorância. Por outro lado, os acusadores de Jesus, mesmo diante da manifestação do poder e do amor divino, trabalhavam contra o ministério do Mestre (11:23). Rejeitaram o Filho do Homem e estavam sendo advertidos para não errarem mais atacando conscientemente o propósito divino a ponto de confirmarem uma escolha existencial pela posição errada.

Certamente que, se uma pessoa está preocupada se blasfemou contra o Espírito Santo é porque ela não cometeu este tipo de pecado. Os que chegam em tal nível de rebeldia contra Deus seriam incapazes de cair em si para se arrependerem, pelo que não poderiam estar se importando em pedir perdão. Sendo assim, não é para ninguém de boa consciência ficar encucado dentro da Igreja se pecou ou não contra o Espírito, como já vi crentes angustiados após terem escutado alguma pregação ameaçadora acerca do assunto.

Para concluir esse ensino, Jesus previne os discípulos de que eles sofreriam perseguições religiosas e políticas. Seus seguidores testemunhariam perante as autoridades e não tinham que se preocupar com as coisas que responderiam pois receberiam a assistência do Espírito Santo naquela hora (versos 11 e 12). Justamente porque a obra do Reino é operada pelo Espírito, a futura Igreja não deveria ficar ansiosa diante de tais situações procurando o discurso certo para se posicionar melhor diante dos homens. Deus está no controle e, como já dito antes, eles não tinham que temer os poderosos. Bastavam obedecer e dizerem corajosamente a verdade que os reis e religiosos precisavam ouvir.

Como podemos constatar, toda essa lição maravilhosa do grandioso Mestre possui um sentido capaz de unir todas as recomendações dadas no texto. Nós, a Igreja, não temos que aparentar algo para agradar os homens. Precisamos nos afastar do sistema dos templos e dos palácios, os quais aprisionam as consciências das pessoas incutindo nelas o medo e a culpa. A conduta do servo de Deus deve ser autêntica e sincera, não tendo nada o que representar como se estivesse fazendo uma peça teatral. Nada de usarmos máscaras! Nem mesmo a de bons pastores. Por isso os discípulos, como futuros missionários e pastores de comunidades, precisavam não se contaminar com o fermento da hipocrisia.

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