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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O batismo da Terra


"Eu vim para lançar fogo sobre a terra e bem quisera que já estivesse a arder. Tenho, porém, um batismo com o qual hei de ser batizado; e quanto me angustio até que o mesmo se realize! Supondes que vim para dar paz à terra? Não, eu vo-lo afirmo; antes, divisão. Porque, daqui em diante, estarão cinco divididos numa casa; três contra dois, e dois contra três. Estarão divididos: pai contra filho, filho contra pai; mãe contra filha, filha contra mãe; sogra contra nora, e nora contra sogra." (Palavras atribuídas a Jesus de Nazaré em Lucas, capítulo 12, versículos de 49 a 53; versão ARA)

Assustador o Senhor Jesus dizer que deseja botar fogo no planeta, não? Mas acho importante primeiramente compreendermos o que estas palavras enigmáticas e polêmicas têm a nos dizer.

No capítulo 3 do Evangelho, quando João testemunhou acerca da vinda do Cristo, disse que ele traria um batismo "com Espírito Santo e com fogo", figura esta que simboliza juízo (3:16). Porém, como escrevi no artigo Um messias que se fez amigo de pecadores, aquele grande profeta pode não ter compreendido na totalidade o ministério de Jesus (7:18-19). Provavelmente por esperar que o Mestre trouxesse um julgamento imediato à Terra punindo os pecadores impenitentes.

O termo batizar tem a ver com morte e destruição. A crucificação do Senhor é referida por ele no texto citado como um batismo (verso 50). E, na simbologia do ritual aplicado pela Igreja primitiva, significava o fim de um estilo de vida e a inauguração de algo novo.

Assim, podemos entender o que seria "lançar fogo sobre a terra" e pensarmos nos motivos pelos quais Jesus queria ver um incêndio ardente. Ou seja, o Salvador estava profetizando a morte do sistema político e religioso que governa as mentes e os corações. Algo que ocorreria antes da plena realização do Reino de Deus.

Os versos 51 a 53, os quais falam sobre trazer divisão à Terra, pode ter a ver também com o que João dissera anteriormente sobre o julgamento do Messias em recolher o trigo no celeiro e queimar a palha como se lê em Lc 3:17.

É certo que a inauguração do novo não vai suceder pacificamente sem enfrentar uma resistência conflituosa do mal instalado na sociedade, passando de geração a geração, motivo pelo qual as pessoas ainda permaneceriam divididas entre si durante algum tempo. Inclusive dentro de uma mesma casa já que a revolução do Reino é algo de raiz porque de nada adianta mudarmos governos, ou lideranças, ou normas jurídicas, ou modos de produção econômica, se nossos valores éticos e espirituais ainda são os mesmos de antes a ponto de não fazerem diferença nos relacionamentos mais próximos.

Já vi pessoas fazendo menção a esses versículos do Evangelho para mascararem o mau comportamento que elas têm dentro do lar. Usam as palavras de Jesus como desculpa esfarrapada para tentarem justificar os desajustes familiares sendo que, na verdade, elas são as próprias causadoras dos conflitos. Não raramente estes ultra-religiosos alegam uma "perseguição" do parente, por supostas razões espirituais, mas, na prática, a situação nada tem a ver com aquilo que dizem. Só quem pode explicar talvez seja o senhor Sigmund Freud.

Evidente que o ensino do Mestre não pode confundir-se com picuinhas e implicâncias domésticas. Aliás, um comportamento deste tipo não está nem um pouco de acordo com a vida no Reino de Deus. Um cristão que fica procurando motivos para arrumar confusão em casa ainda não compreendeu a mensagem de Jesus, quer chamar a atenção do familiar para si e agir com injustificável intransigência, sendo incapaz de discernir os sinais do tempo. E isto é o que o Senhor vai dizer em seguida para as multidões (toda a humanidade):

"Quando vedes aparecer uma nuvem no poente, logo dizeis que vem chuva, e assim haverá calor, e assim acontece. Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu e, entretanto, não sabeis discernir esta época? Por que não julgais também por vós mesmos o que é justo? Quando fores com o teu adversário ao magistrado, esforça-te para te livrares desse adversário no caminho; para que não suceda que ele te arraste ao juiz, o juiz te entregue ao meirinho e o meirinho te recolha à prisão. Digo-te que não sairás dali enquanto não pagares o último centavo." (Lc 12:54-59)

Ora, a época em que vivemos é de mudança de atitude e produção de frutos de justiça. Trata-se de um momento para a humanidade reconciliar-se com o seu Criador. Até porque ninguém tem uma boa causa capaz de dar sustentação ao litígio no conflito com seu próximo. Se nossas demandas vierem a ser sentenciadas pelo Juiz Onisciente que é Deus, serão sempre julgadas improcedentes em sua ótica elevada porque somos todos pecadores. Por isso Jesus recomenda nos livrarmos do adversário "no caminho" (verso 58), significando, na certa, a liberação do perdão e a renúncia da lide.

Vale observar que, junto com a justiça do Reino opera a graça salvadora. Deus zera a dívida de todo o mundo e espera que façamos o mesmo uns para com os outros. Num mundo onde os problemas resultam de sucessivas ações e reações ocorridas há gerações, jamais os relacionamentos serão restaurados pelo convencimento de quem afinal de contas encontra-se com a razão. Insistir nisto é perpetuar a situação conflituosa sendo que uma nova oportunidade hoje nos é liberalmente concedida pelo Pai Celestial e Senhor de todo o Universo afim de tentarmos nos harmonizar.

Certamente que esse batismo de fogo de Jesus não implica na destruição Terra, da natureza criada ou de seus habitantes como muitos pregadores costumam dizer por aí. Trata-se mais da transformação sócio-espiritual planetária, com repercussão nos planos político e econômico, sendo que, até a sua consolidação, vai requerer de nós uma disposição para superarmos pacientemente o período crítico usando a fé. Nos tempos do ministério Senhor, o Reino foi apenas uma fogueirinha que ele acendeu, mas agra está bem que ardendo em chamas e inspirando grandiosas mudanças humanizadoras omo já vem acontecendo até nas constituições democráticas dos países e nas famílias modernas onde um aceita o modo de ser do outro. E a evolução vai continuar.

Bendito fogo! Que venha o Reino!


OBS: A foto usada acima refere-se à imagem obtida pela NASA durante a missão da Apollo 17 (1972) que foi a última viagem tripulada à Lua feita pelos norte-americanos. Foi extraída a partir do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:The_Earth_seen_from_Apollo_17.jpg

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