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terça-feira, 2 de julho de 2013

Por uma ética mais elevada

"Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai." (Lucas 6:35-36; ARA)


Não é por menos que o nascimento de Jesus é considerado um divisor de águas da história humana. Pelo menos, para nós ocidentais, o ensino de Cristo foi marcante para determinar o surgimento de uma nova ética que, por sua vez, veio a influenciar as legislações humanistas do presente. Sem o Mestre dos mestres, os iluministas do século XVIII talvez nunca teriam chegado às suas brilhantes conclusões filosóficas!

No Sermão da Planície, no Evangelho de Lucas (objeto do estudo sequencial que tenho feito no blogue), Jesus não fala tanto sobre lei e justiça como faz no Sermão da Montanha. Certamente os leitores originais do terceiro evangelho não eram os mesmos do primeiro e deveriam ser gregos com menor contato com a cultura judaica. Isso ajuda a explicar os motivos de ter sido uma edição resumida daqueles três capítulos de Mateus sem referências ao que fora "dito aos antigos".

Penso que que não somente os judeus como também os gregos e todos os povos precisavam aprender a deixar a vingança de lado e praticarem o dificílimo amor pelos inimigos. Jesus tratou dessas questões nos versos de 27 a 36 do capítulo 6 de Lucas. Afinal, como se pode ler pela vida dos personagens bíblicos anteriores ao Mestre, era normal orar pela ruína do adversário. É o que muitos salmistas pediam a Deus nas suas composições imprecatórias.

Com Jesus somos convidados a repensar tal conduta para lidarmos de uma outra maneira com quem os fez o mal. O Senhor nos manda pagarmos a maldade recebida com a prática do bem, não retribuirmos com a mesma moeda e sermos misericordiosos.

Muitos confundem o amor pelos inimigos com o gostar das pessoas que tanto nos maltratam, mas não é bem isto que o texto propõe porque aí já seria nos auto-violentarmos. O que Jesus quer é que tenhamos atitude, não necessariamente sentimentos de afinidade. Aliás, se a convivência com uma determinada pessoa é motivo de conflitos, será que não devemos ser cautelosos com esses contatos?

Parece-me que orar pelos que nos odeiam, ou nos caluniam, e bendizermos os que nos maldizem já seriam atitudes suficientes para começarmos a tratar das relações problemáticas dando um passo de cada vez. Se o conflito surgiu foi porque manifestou-se um desajuste interno das pessoas envolvidas e isto precisa ser compreendido sem a vítima se sentir culpada como se fosse ela a causa. Mas é preciso entender qual o grau de participação de nós todos e tratarmos tudo com perdão.

Na proposta de Jesus, vingar-se nunca é o melhor caminho. O "oferecer a outra face" significa deixarmos de lado a demanda. Seria não cobrarmos o dano sofrido no passado, o que também não quer dizer que vamos permitir, no presente, a perpetuação da violência praticada. Simplesmente vamos nos abster de planejar ou de executar uma retribuição em resposta.

Algumas vezes eu já me questionei indagando sobre a hipocrisia de se adotar um discurso assim diante de certas situações da vida. Com esse papo de amor ao próximo, eu não estaria sendo injusto com um pai que teve o seu filho brutalmente assassinado no colo da mãe querendo que ele ainda assim perdoe o agressor de sua família em obediência ao Evangelho?

Pois bem. Talvez agente ainda confunda perdão com justiça. No exemplo que dei e o Brasil inteiro soube, o homicida que tirou a vida de alguém pode reincidir na sua conduta má e deve ser tratado com dureza pelo Estado. Não podemos mais conviver livremente com um sujeito que praticou um contestável crime hediondo a ponto de atirar covardemente numa criança indefesa só porque o menino chorou enquanto a casa dos pais estava sedo assaltada. Trata-se de um ato de tamanha monstruosidade que justifica a imediata prisão de seu autor e que deve durar longas décadas sem nenhuma progressão de regime. Trinta anos de cadeia ainda poderá ser pouco!

Entretanto, não deve uma sociedade cristã ir além dos limites da pena que é a restrição da liberdade e multa. Passado o momento, não deve o pai da vítima planejar vinganças do tipo mandar matar o assassino. A própria prisão não pode tornar-se um local de sofrimentos físicos ou psicológicos, mas deve ser uma oportunidade para o tratamento ético do ofensor com a devida humanidade. Mesmo que ele passe o resto dos seus anos vivendo numa penitenciária.

Nestas condições, acredito ser possível amar e perdoar. Sei que não estou no lugar daqueles pais cujo filho foi brutalmente violentado, mas entendo que, se ele não liberar o perdão, causará mal a si próprio no decorrer do tempo. Pois de nada adiantará a vingança e, se esta for praticada, aumentará ainda mais o fardo, visto que mais lembranças se acumulariam na memória.

Em seu discurso, Jesus fez da misericórdia divina a nossa referência ética. Pois, se Deus é benigno até com os ingratos e maus, como seremos seus filhos legítimos agindo de outra maneira? Daí o Mestre não concordar com o juízo temerário que muitas vezes fazemos:

"Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados; dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também" (Lc 6:37-38)

Se alcançamos de Deus perdão e graça, por que deixaremos de ser doadores de amor para com os maus?

Se o Pai Celestial não nos julga condenando pelo que fizemos, mas nos oferece novas oportunidades de vida e de acerto (apesar de reincidentemente errarmos), por que ainda iremos agir com incoerência no trato com o outro semelhante?

Deus é o mais puro amor e Jesus nos mostrou humanamente isso ao morrer na cruz perdoando os que o maltratavam (Lc 23:34). No Calvário, ele pôs em prática esse discurso que estamos estudando agora e tornou corpórea a mensagem pregada quando o feriram e repartiram entre si suas vestes. Amando intensamente a humanidade, nosso Pai, o Altíssimo, decidiu encher o mundo com bondade para combater a maldade. Nunca nenhum profeta antes de Jesus soube expressar tão bem esse Sentimento de graça e de perdão que se expande com todo o Universo. Basta olharmos para a alucinante manifestação da Vida e bebermos desse imensurável amor que rege a existência. Bendito seja o Eterno!

Mesmo que as palavras do Evangelho tenham sido pronunciadas há quase dois milênios atrás, elas me ensinam sobre o quanto ainda preciso aprender e crescer. O mundo e nem tão pouco a Igreja de Cristo não compreenderam suficientemente o significado do ensino do Mestre. A mensagem do amor ao próximo é uma "semente" ainda germinando nos nossos corações. Quando a "árvore" vier a crescer e der "frutos", experimentaremos uma revolução comportamental jamais vista e que marcará esse novo tempo que já nos é chegado. Nossas tendências para o mal poderão ser melhor diagnosticadas, prevenidas e tratadas dentro de uma atmosfera espiritual mais compreensiva.

Para isso acontecer e o ambiente social ser construído, será preciso exercitarmos o perdão e nos esforçarmos para o mal não continuar a ser devolvido da mesma maneira. Daí a importância da Igreja assumir o seu papel de rede espiritual da bondade na qual se possa encontrar real apoio para lidarmos com toda a sorte de conflitos humanos. Afinal, no trecho bíblico estudado, Jesus discursou para os discípulos e "amai" encontra-se na segunda pessoa do plural. Logo, precisamos também cumprir coletivamente esse mandamento superior além de o executarmos no plano individual.

Tenham todos uma terça-feira abençoada!

2 comentários:

  1. Realmente é muito difícil para uma família perdoar algo tão brutal, mas pensar e viver motivado pela vingança não vai trazer a criança de volta, e ainda poderá destruir mais ainda esses corações feridos.

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    1. Exato! E uma maneira de se prevenir a vingança é a própria vítima ou seus familiares refletirem imaginando o vazio que ainda restaria nos seus corações, na hipótese de se optar por tal via. Nestas horas, penso que a fé ajuda muito na superação de situações assim que realmente não são nada fácil.

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