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quinta-feira, 25 de julho de 2013

A memória do monte da Transfiguração na obra da Igreja



Nos evangelhos, os montes tornam-se lugares onde ocorre a revelação do novo. Jesus costumava orar nesses locais afim de buscar direções do Pai como já abordei num texto anterior. No episódio da Transfiguração, ele parte com os três apóstolos mais chegados (Pedro, Tiago e João) e rumam para uma marcante experiência oito dias após ter predito a sua morte e ensinado sobre o dever do discípulo carregar a cruz (Lucas 9:23-37).

Tudo encontra-se relacionado na narrativa evangélica e as ideias trabalhadas pelo autor sagrado vão se fazer representar com forte simbolismo na Transfiguração onde a glória liga-se à cruz. O branco resplandecente vem manifestar o acontecimento novo mas que inclui a partida do Mestre, "que ele estava para cumprir em Jerusalém" (Lc 9:31). Tal obra vitoriosa dará significado às Escrituras nas figuras de Moisés e de Elias. Este como o principal dos profetas e o primeiro como o transmissor da Lei de Deus aos filhos de Israel.

Sob certo aspecto, podemos dizer que, na Transfiguração, cumpre-se o que Jesus teria dito no verso 27 do capítulo estudado do 3º Evangelho, em que alguns daqueles discípulos não passariam pela morte "até que vejam o reino de Deus". Pedro, Tiago e João tiveram então a oportunidade de experimentarem uma visão da História em sua plenitude. O escritor bíblico resume ali toda a revelação do passado com a presença dos principais elementos da teofania do Sinai (Êxodo 19:18-19), isto é a montanha e a voz do meio da nuvem luminosa. A mensagem ouvida ali vem referendar a autoridade de Jesus e o seu relacionamento com Deus:

"Este é o meu Filho, o meu eleito, a ele ouvi" (Lc 9:35)

Em seu desígnio soberano, o Pai Eterno revelou ter enviado Jesus para que a humanidade viesse a escutá-lo. Era ele quem estava naquele momento cumprindo a obra de Deus na Terra, trazendo para todo o povo a mesma instrução da Lei e dos profetas de uma maneira vivificante ao contrário dos ensinamentos dos escribas. Pois, embora os teólogos da época lessem a Bíblia, nem sempre não compreendiam, por seus métodos interpretativos, qual a essência do recado divino dado aos ancestrais por meio de Moisés e de Elias.

O Evangelho de Cristo não veio suplantar as revelações passadas. O seu propósito é atualizar a mensagem dada a todas as gerações, abrindo os corações e as mentes para interpretarem com riqueza de significado as lições do Sinai e do Carmelo. A mesma nuvem que estava na tenda de Moisés, no deserto, estava ali também com a pessoa do homem humilde de Nazaré, o carpinteiro filho de José e de Maria que não se vestia com o luxo dos palácios, mas abraçava os pobres, acolhia as prostitutas e comia com os pecadores.

Contudo, dessa vez não havia mais a necessidade de se erguer novas tendas como propôs Pedro sem saber o que dizia (9:33). Os discípulos ali reunidos ao redor de Jesus, Moisés e Elias formavam todos a nova "cabana". Deste modo, tornava-se a Igreja de Cristo o tabernáculo vivo onde a revelação deve manifestar-se permanentemente, permitindo-se que a voz divina se faça ouvir com clareza em seu meio para todo o mundo.

Assim, compreendemos que a profecia não se cala! O Espírito de Deus que motivou o ministério de Elias passou a inspirar a João Batista, Jesus e a todos os novos profetas e profetizas que se dispõem a protagonizar a ação revolucionária transformando a História. E o esperado futuro glorioso não acontecerá pelo messianismo triunfalista, nem pela rebeldia violenta dos zelotes, que seriam hoje em dia os vândalos mascarados das nossas passeatas, mas sim pelo recado da cruz. A obra do nosso Senhor e da sua Igreja realiza-se na figura do filho do homem pregado no madeiro.

Deparando-nos com um momento difícil de flagrante apostasia, em que o Evangelho tem sido tão deturpado por falsos pastores, os quais enfatizam equivocadamente as curas e os milagres como sendo o alvo principal de Jesus, vale a pena retornarmos ao monte da Transfiguração. Aprendemos ali que é a cruz que deve ocupar a missão central de Cristo e da Igreja. Por isso, precisamos encarar sem medo esse desafio, crendo que, no "terceiro dia", Deus fará com que venhamos resplandecer junto com Moisés, Elias e o Senhor Jesus pelo seu poder.

No último monte, que será o do Calvário, nenhum milagre acontecerá. Na cruz, aquele que salvou a tantos outros recusa-se a operar qualquer milagre. As autoridades que dele zombavam, juntamente com os soldados (23:35-37), nada entenderam acerca da identidade e da obra do Escolhido. Contudo, como se confirmará na ressurreição (24:44-47), inaugurando o primeiro dia de uma nova semana, a morte do Senhor tratava-se do cumprimento do propósito divino predito nas Escrituras. Talvez daí se explique o porquê do evangelista iniciar a narrativa da Transfiguração com ênfase nos oito dias depois das palavras proferidas na passagem anterior (9:28).

Meus amados, creio que assim também se opera o anúncio do Evangelho do Reino pela Igreja em todas as nações. Não chegaremos a lugar algum sem a cruz, sem negarmos a nós mesmos e sem abrirmos mão de nossas ambições egoístas. A construção do novo impõe que guardemos o sentido da revelação do mone onde Jesus foi transfigurado pois, somente através de uma verdadeira renúncia, é que nos tornaremos agentes da transformação do mundo e verdadeiros porta-vozes da profecia. Do contrário, é brincar de religião.

Que o Eterno nos ilumine!


OBS: A ilustração acima trata-se do quadro do pintor dinamarquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890) sobre a Transfiguração de nosso Senhor Jesus Cristo. Foi extraído do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Transfigurationbloch.jpg

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