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domingo, 21 de julho de 2013

A multiplicação pela divisão



"E, tomando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos para o céu, os abençoou, partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem entre o povo" (Evangelho de Lucas 9:16; ARA)


A multiplicação dos pães e a ressurreição do Senhor Jesus são os dois únicos milagres que constam nos quatro evangelhos. Em relação a Marcos 6:30-44, o texto de Lucas 9:10-17, sobre a passagem bíblica em cometo, apresenta-se mais breve, sem fornecer tantos detalhes que, talvez, não interessassem especificamente ao seu leitor original para fins de comunicação das boas novas.

Segundo a narrativa bíblica do 3º Evangelho, os apóstolos de Jesus tinham retornado da obra para a qual foram comissionados (Lc 9:10) , sobre o que escrevi no artigo anterior. Aqueles discípulos cumpriram a tarefa, pregando e ministrando curas nas aldeias, de modo que já deveriam estar cansados, precisando de um momento a sós com o Mestre afim de renovarem as forças.

Por esta razão, Jesus os chama para que se retirasse à parte sendo que o texto menciona o nome da cidade de Betsaida ("casa da pesca", em hebraico), situada a nordeste do Mar da Galileia, apenas alguns quilômetros de Cafarnaum. E, pelo versículo 12, podemos entender que o local exato da multiplicação dos pães teria se dado na circunvizinhança, numa área deserta. De qualquer maneira, a tradução do nome do lugar nos remete para o aprendizado já visto da pesca milagrosa.

Tudo já parecia preparado para o grupo poder passar a tarde e a noite por lá. Cinco pães e dois peixes seria o suficiente em termos de carboidratos e proteínas para os apóstolos e o Mestre satisfazerem as próprias necessidades nutricionais. Daria para cada um deles saciar a fome no pretendido picnic particular. Só que as multidões, ao saberem que se deslocavam para algum lugar, seguiram-nos. Jesus precisou mudar os planos de sua agenda e se dispôs a atender mais uma vez as pessoas, pregando e curando. O verbo acolher que consta no verso 11 torna-se então de grande importância para interpretarmos o ensino por rás do milagre.

Quando o dia começou a declinar, os doze apóstolos disseram a Jesus que despedisse as multidões para que as pessoas fossem às aldeias e propriedades rurais da vizinhança hospedarem-se e encontrarem alimento. Ou seja, teriam que comprar o que necessitavam e, na certa, muitos dos peregrinos já deveriam estar preocupados com o avançar da hora.

Contudo, Jesus planejava transmitir uma lição importante tanto para as multidões quanto para os discípulos. Algo que lhes mostraria como deveria ser no futuro o ministério deles sem a presença física do Mestre indicando o comportamento solidário da Igreja - a nova comunidade que se formaria. Com isto, a sua resposta foi desafiadora:

"Dai-lhes vós mesmos de comer" (verso 13)

E agora? O que fazer? Os cinco pães e os dois peixes não dariam para alimentar toda aquela gente. De acordo com o texto, eram uns 5.000 homens (v. 14) e, se considerarmos a presença das mulheres e das crianças, o número talvez chegasse perto dos 20.000. Era uma verdadeira multidão!

Comprar comida não solucionaria. Eles já traziam consigo o recurso. Bastava que os apóstolos abrissem mão do que tinham e os pães se multiplicariam. O milagre teria que depender da atitude de fé, ousadia e desapego dos discípulo. Como bos aprendizes eles deveriam optar por acolher as pessoas e não despedi-las. Não estavam ali para serem servidos e sim para cuidarem das necessidades do próximo.

Tal como Moisés organizava o povo de Israel no deserto, parece ter Jesus se inspirado em Êxodo 18:21. Possivelmente para que o alimento fosse melhor distribuído e o acontecimento ficasse bem registrado na memória eclesiástica. Pela matemática, passara a ter 100 grupos de 50 homens (v. 14), uma divisão fundamental para as obras assistenciais da Igreja darem certo. Tanto na ajuda espiritual quanto na troca de recursos materiais. Do contrário, um único pastor fica sobrecarregado de trabalho e deixa de atender melhor a todos.

Será que não podemos adotar organização semelhante dentro de nossas igrejas? É humanamente impossível para um líder ou assistente social conhecer as necessidades de milhares de famílias. Já num grupo de 50 fica mais fácil de ouvir a cada um, reuni-los e evitar fraudes. Por isso, mais do que nunca saber e querer descentralizar as grandes congregações afim de melhor organizá-las em células menores.

É importante notar que a distribuição dos pães não ocorreu sem a benção (v. 16). Pelos costumes judaicos, Jesus teria pronunciado uma proclamação de louvor antes de partilhar os pães como faziam os chefes de família. Ali era como se toda aquela multidão formasse uma comunidade de irmãos e recorda o episódio do maná quando os israelitas, vivendo ainda no deserto, receberam o sustento conforme a necessidade de cada um. E, mais de um milênio depois, com a benção de Jesus, a multidão é saciada. Sobram doze cestos de comida correspondendo ao número da plenitude do povo de Deus.

Pode-se dizer que, pela leitura da multiplicação dos pães, procurar a Igreja significa mais do que buscar curas e soluções para o sofrimento. Quem conduz o rebanho do Senhor deve ensinar solidariedade e levar as ovelhas a se importarem umas com as outras.

Milagres sobrenaturais nem sempre ocorrerão. Quando os filhos de Israel entraram na Terra Prometida, o maná cessou assim que a Páscoa foi celebrada e eles comeram do fruto da terra (ver Josué 5:10-12). Logo, se Deus tem dado a nós recursos pelos meios normais, precisamos fazer a multiplicação dos pães pela ação solidária coletiva. Esperar que as ajudas caiam do céu ou que cheguem pelo assistencialismo do governo por ser obrigação estatal, não me parece o caminho. Cabe à Igreja de Cristo, com sabedoria e discernimento diante de cada caso, buscar meios cabíveis para a promoção do bem de todos suprindo as necessidades das famílias nos mais diversos aspectos. Para tanto, precisamos usar de uma matemática invertida: dividir e não concentrar.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A multiplicação dos pães do artista francês James Tissot (1836-1902) que se encontra no no Museu do Brooklyn, Nova York. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brooklyn_Museum_-_The_Miracle_of_the_Loaves_and_Fishes_(La_multiplicit%C3%A9_des_pains)_-_James_Tissot.jpg



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