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quinta-feira, 21 de abril de 2011

A utopia de um mártir


"Se é mister que de peitos valentes,
Haja sangue em nosso pendão,
Sangue vivo do herói Tiradentes,
Batizou este audaz pavilhão"

(Medeiros e Albuquerque)


Um dos hinos pátrios que mais admiro é o da Proclamação da República. Não tanto pela sua melodia que Leopoldo Miguez também elaborou muito bem, mas sim pelo encorajamento que a letra pode despertar no povo brasileiro, incentivando a nação a construir um futuro melhor, socialmente mais justo e sob as asas da liberdade. Pois, diferentemente do Hino Nacional, a composição de Medeiros e Albuquerque não parece alimentar ilusões sobre o grito do Ipiranga, mas convoca a nação para conquistar a sua tão sonhada independência.


"Do Ipiranga é preciso que o brado,
Seja um grito soberbo de fé,
O Brasil já surgiu libertado,
Sobre as púrpuras régias de pé."



Neste feriado de 21 de abril, em que o país relembra mais um ano da morte de Joaquim José da Silva Xavier (1792), pouco ainda compreendemos acerca do significado que deve ser dado à luta deste homem que atuou contra o domínio da Coroa Portuguesa.

Apesar dos esforços de Tiradentes, a Inconfidência Mineira não contou com uma adesão total da sociedade na época e teve também seus traidores a exemplo de Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819), os quais se venderam em troca do perdão de suas dívidas e favores individuais. Inclusive, muitos na elite de Minas Gerais tinham medo de que o movimento dos inconfidentes resultasse no fim da escravidão, o que contrariava os interesses de poderosos fazendeiros da elite colonial.

Ironicamente foi um príncipe da Coroa Portuguesa que, exatamente três décadas depois da morte de Tiradentes, proferiu o brado do Ipiranga, libertando formalmente o Brasil do domínio estrangeiro. Assim, sem uma independência de fato, eis que, durante o século XIX, fomos nos tornando mais uma zona de influência do Império Britânico. Vivemos os anos de 1800 extremamente subservientes à rainha Vitória, resistindo aos interesses ingleses apenas quanto ao uso da mão-de-obra escrava.

Com a Proclamação da República (1889), ocorrida uns 100 anos depois da Inconfidência Mineira, Tiradentes tornou-se símbolo da nova forma de governo. Contudo, o hino republicano ficou sendo apenas mais "um grito soberbo de fé", ou quem sabe uma profecia para que a nação viesse a conquistar sua verdadeira liberdade sobre um Brasil que havia surgido liberto apenas no plano das ideias.

Ora, mas o que é a história sem a utopia? Será que a utopia e o realismo não são duas facetas de uma mesma existência social?

É graças à utopia de homens sonhadores que o status quo é desafiado e as instituições são transformadas. Isto porque qualquer sociedade necessita de um projeto para o seu futuro, o que é movido pela utopia, criando o sonho coletivo. É o que diz o pensador Leonardo Boff em seu livro "O despertar da águia" da editora Vozes:


"A utopia é aquele conjunto de projeções, de imagens, de valores e de grandes motivações que inspiram sempre práticas novas e conferem sentido às lutas e aos sacrifícios para aperfeiçoar a sociedade. Pela utopia se procura sempre ver para além da realidade dada. A realidade dada nunca é dada porque é, na verdade, sempre feita. E é feita a partir das potencialidades e virtualidades presentes na história. Por isso a utopia não se opõe à realidade. Ela pertence à realidade, ao seu caráter virtual. A prática humana procura transformar o virtual em real, quer dizer, tenta alcançar a utopia. Mas nunca o consegue. A utopia está sempre um passo à frente. A montanha aponta para outra montanha, para outra e sempre para outra..."


Tiradentes e tantos outros homens que lutaram por um Brasil melhor, mais progressista e com justiça, abraçaram a utopia. Eles não se conformaram com a realidade em que viviam e desejavam promover transformação social. Muitos foram presos, outros exilados, vários sofreram tortura e tiveram aqueles que ainda pagaram com a vida. Por sua vez, existiram também os que se acovardaram, omitiram-se, deixaram se corromper e se tornaram vis traidores.

Hoje, 219 anos depois da morte de Tiradentes, a voz de seu sangue une-se com as de Abel e a de Jesus num clamor a Deus por justiça. Eu que, quando criança, chegava a confundir a figura de Tiradentes com os quadros sobre Jesus, não estava totalmente errado porque podemos de certo modo compreendê-lo como um tipo de líder messiânico, um brasileiro com alma de rei, mas que surgiu da plebe colonial. E, assim como Jesus, ele não foi um rico aristocrata, outros inconfidentes da elite regional que estudaram em Coimbra, mas um militar que adquiriu considerável cultura mesmo tendo ficado totalmente órfão aos 11 anos, formando-se na escola da vida.

É certo que os positivistas republicanos do século XIX souberam dar a Tiradentes o devido reconhecimento e, inteligentemente, souberam mitificar sua biografia. Porém, cabe às gerações do presente atualizar os ideais de liberdade plantados pelo alferes. Com uma respeitável constituição democrática, temos ao nosso alcance a possibilidade de transformarmos a luta dos inconfidentes numa mensagem viva em favor da educação, da igualdade, do direito à saúde, do combate à corrupção e da justiça social de um modo geral, evitando que as forças conservadoras façam da imagem de Joaquim José da Silva Xavier mais um ídolo mudo da história nacional.

Que vivamos a utopia de Tiradentes!


OBS: A imagem acima trata-se da pintura do "Tiradentes Esquartejado" de Pedro Américo (1843-1905). Foi pintada em 1893 e se encontra no Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora (MG), cidade onde morei por vários anos de minha vida

5 comentários:

  1. Quero inicialmente desejar um excelente feriado a todos e que possamos refletir sobre a mensagem deixada por Tiradentes e pelos inconfidentes.

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  2. Valeu Rodrigo!

    Na verdade, considero o martírio de Tiradentes, o fato primordial, responsável pela nossa independência. O apagado e formal grito do Ypiranga foi mera consequência da inconfidência mineira.

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  3. Concordo, Levi.

    Sem um 21 de abril talvez não tivesse ocorrido um 7 de setembro. Pois a Inconfidência Mineira foi o que expressou o anseio do povo brasileiro pela independência e, se tivesse dado certo, talvez o Brasil nem existiria, mas surgiuriam vários Estados de língua portuguesa na América do Sul.

    Na verdade, as Américas já estavam em processo de independência e a Coroa Portuguesa, inteligentemente, resolveu criar um segundo Portugal no outro lado do Atlântico, mantendo a unidade territorial e a influência de uma mesma família real através da forma monárquica de governo.

    Lamentaveçmente Tiradentes não foi prestigiado no Império porque sua conduta configurava crime para a legislação penal da época. Falar sobre ele era subversivo. Logo, os sábios republicanos foram bem espertos ao usarem sua figura mitologizada uns 100 anos depois da Inconfidência Mineira.

    Em outras épocas de minha vida eu já fui mais simpático à monarquia. Hoje, porém, vejo-a como um mero conto de fadas e o seu retorno sociologicamente inviável, além da impossibilidade jurídica de haver novo plebiscito como o que ocorreu há 18 anos no país. Já o Parlamentarismo, sou um entusiasmado defensor e acho que precisamos estudar a fundo as raízes de nossa República afim de melhor desenvolvermos com democracia participativa esta forma de governo independentemente do sistema continuar a ser presidencialista.

    Abraços.

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  4. Olá Rodrigo,
    excelente postagem!

    Feliz Páscoa!!!

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  5. Pra você também, amigo!

    Tenha uma feliz Páscoa e uma semana abençoada!

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