“Lembra-te do dia de sábado para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é sábado dedicado ao SENHOR, o teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que moram em tuas cidades. Pois em seis dias o SENHOR fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o SENHOR abençoou o sétimo dia e o santificou.” (Êxodo 20.8-11; Nova Versão Internacional – NVI)
Nós brasileiros temos vivido estressadamente (somos o segundo país pais estressado mo mundo) e cometido um grave erro em relação à vida. Trata-se do desrespeito praticado contra o repouso semanal, o qual chega a ser quase totalmente ignorado pelo comércio nas semanas que antecedem o Natal onde inúmeras lojas abrem de domingo a domingo no mês de dezembro.
Para o povo israelita, zelosos de suas tradições milenares, o sábado é considerado um dia sagrado conforme prescrito na lei mosaica - a
Torah. Trata-se do
Shabbat, o qual é reverenciado mesmo pelos judeus mais liberais em que os rabinos extraem profundos mandamentos baseados no 4º mandamento do Decálogo. Só que, infelizmente, a guarda deste preceito bíblico vem sendo desprezada pela maioria dos povos ocidentais.
A palavra hebraica
Shabbat tem a ver com os verbos cessar ou descansar do nosso idioma. Surge pela primeira vez em
Shemot (Êxodo) como um dia de repouso semanal consagrado a Deus, o que confirma a tradição de
Bereshit (Gênesis) de que, no sétimo dia da criação, o Eterno descansou de toda a sua obra. E, deste modo, a instrução da
Torah orienta ao homem que igualmente observe a mesma conduta, cessando com todas as atividades que sejam incompatíveis com este repouso no final de uma semana.
Ao contrário do que muitos cristãos pensam, Jesus não revogou o 4º mandamento. Sendo judeu, ele observava os preceitos da
Torah, baseava seus ensinos nas Escrituras hebraicas e viveu a instrução divina em sua essência mais do que qualquer outro homem. Pois, ao curar aos sábados e ter permitido que os seus discípulos praticassem uma colheita de subsistência sem fins laborativos naquele dia, o Messias mostrou aos escribas legalistas de seu tempo que a aplicação de um mandamento não pode ser contrária ao princípio que rege a vida.
“O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. Assim, pois, o Filho do homem é Senhor até mesmo do sábado”. (Marcos 2.27; NVI)
“O que é permitido fazer no sábado: o bem ou o mal, salvar a vida ou matar?” (Marcos 3.4; NVI)
“Qual de vocês, se tiver uma ovelha e ela cair num buraco no sábado, não irá pegá-la e tirá-la de lá? Quanto mais vale um homem do que uma ovelha! Portanto, é permitido fazer o bem no sábado” (Mateus 12.11-12; NVI)
“Cada um de vocês não desamarra no sábado o seu boi ou jumento do estábulo e o leva para dar-lhe água? Então, esta mulher, uma filha de Abraão a quem Satanás mantinha presa por dezoito longos anos, não deveria no dia de sábado ser liberta daquilo que a prendia?” (Lucas 13.15-16; NVI)
Tais palavras de Jesus, diferentemente do que a maioria dos cristãos desconhecem, estavam de acordo com os princípios rabínicos posteriores em que a salvação de vidas deve se sobrepor ao sábado. Ou seja, Jesus expressou uma compreensão aberta sobre o 4º mandamento que já se encontrava em construção em seu século, provavelmente entre os fariseus mais liberais da escola de Hillel. Na certa, Jesus e outros rabis contemporâneos a ele estavam revendo a visão rigorosa que passou a existir no judaísmo pós-exílico a respeito da guarda do sábado e que ficou mais acentuada na época da dominação helenista sobre a Palestina. Tanto é que os escritos judaicos posteriores apresentam uma semelhança com o ensino de Jesus:
“O sábado vos foi entregue, e não vós ao sábado” (Mekh. Exod. 31.14)
“Se um homem tem uma dor de garganta, eles podem pingar remédio na sua boca no sábado, pois há dúvida de que sua vida está em perigo, isto se sobrepõe ao Sabá” (nYoma 8.6)
Quem lê a
Torah irrefletidamente fica com a falsa impressão de que o Shabbat teria sido imposto aos israelitas com uma rigidez fechada. Porém, nenhum mandamento é para ser compreendido ao pé da letra como teriam feito os fariseus mais legalistas dos tempos de Jesus, indo contra o sentido da “instrução”, vocábulo este que melhor traduz para o português o significado de Torah..
O
Shabbat, como todo mandamento, tem o objetivo de promover a vida. Com o descanso semanal, o homem retoma o seu alento para prosseguir na peregrinação que faz nesta terra, renovando suas forças. E, como se pode ver pela história, o descanso semanal tornou-se tão importante que influenciou a legislação trabalhista de vários países no mundo, tornando-se um direito inegociável do trabalhador ainda que flexibilizado na atualidade quanto ao dia e determinadas épocas do ano (justamente no Natal onde se comemora o nascimento do Messias que é o senhor do sábado).
Contudo, a crítica que quero focar neste artigo relaciona-se mais especificamente à maneira como lidamos com o nosso descanso semanal. Isto é, sobre a qualidade do nosso repouso e a sua relação com a instrução bíblica do
Shabbat.
O verbo cessar neste contexto é sinônimo de parar de vez com as atividades rotineiras durante o tempo do repouso, sem cultivar preocupações e se abstendo de coisas estressantes. Significa também que, durante o
Shabbat você não vai substituir a ausência do trabalho por coisas que perturbam a mente ou que provocam mais fadigas durante o lazer.
A definição do que seria uma brincadeira estressante pode variar conforme a rotina de cada um. Para alguém que trabalha diariamente diante da tela de um computador, não me parece adequado passar o final de semana inteiro na internet. Do mesmo modo, podemos dizer acerca de quem gasta boa parte de suas horas no trânsito em função de suas obrigações laborais e justo no dia de descanso resolve distrair-se tirando o carro da garagem para passear.
Desde 2008, tenho meditado acerca do 4º mandamento e obtido experiências bem positivas nas vezes em que decidi pô-lo em prática. E, com o tempo, acabei criando uma nova rotina em meus sábados, o que tem me proporcionado bem estar, embora eu ainda não tenha alcançado o estado ideal de repouso que o
Shabbat propõe. Então, como tenho os finais de semana descomprometidos o trabalho, inicio o meu descanso da mesma maneira que os judeus e adventistas fazem. Respeitando o dia bíblico, vou parando com minhas atividades lá pelo por do sol da sexta-feira e evito compromissos até o por do sol de sábado, o que me proporciona uma renovação das energias.
Mas qual seria a utilidade de se considerar o dia bíblico que começava com o por do sol e não à meia noite?
Para um ecologista isto tem muito a ver. Pois, nos tempos antigos, a hora não era medida em minuto, mas sim pela duração do período em que a terra recebe a luz solar, variando conforme a estação do ano. Daí, dependendo da época e da distância do lugar em relação à linha do Equador, a hora poderia ter mais ou menos do que os 60 minutos fictícios, de modo que, no verão, as pessoas trabalhavam mais na lavoura do que no inverno. Porém, quando chegava a noite, não tinha mais como alguém permanecer no campo ou viajar e a família reunia-se para beber chá envolta da fogueira. Era o tempo orgânico.
Ora, se o
Shabbat judaico inicia-se no por do sol da sexta-feira, logo o trabalhador dos tempos bíblicos acumulava duas noites de descanso e só retornava a laborar na manhã do primeiro dia da semana. Então, a despedida do
Shabbat, feita no sábado à noite, passou a ter um significado todo especial que os judeus chamam de
Havdalah, o qual deve é comemorado com muita alegria na crença de que bençãos são liberadas em tal momento.
“Se desviares o pé de profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no meu santo dia; se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falando palavras vãs, então, te deleitarás no SENHOR. Eu te farei cavalgar sobre os altos da terra e te sustentarei com a herança de Jacó, teu pai, porque a boca do SENHOR o disse.” (Isaías 58.13-14; ARA)
Como disse antes, Jesus não revogou a
Torah como ele mesmo disse em Mateus 5.17-20, o que deixa bem claro que o
Shabbat não foi abolido, mas sim interpretado em harmonia com a vida. Tal como todos os outros do Decálogo, o 4º mandamento deve ser observado sem nenhum legalismo como se os costumes tivessem que virar uma tradição inflexível, servindo o sábado de motivo para que a pessoa venha a se omitir de fazer o bem ao seu próximo em caso de necessidade ou mesmo de trabalhar caso não tenha outra opção, pois imagine o que seria dos serviços essenciais e emergenciais se, nos dias de hoje, todos parassem no mesmo dia da semana. Então, até o socorro espiritual é válido aos sábados. Pois, afinal, todo mandamento deve relacionar-se com o amor que é o resumo e a essência da
Torah.
Aproveite que hoje é sexta e planeje um deleitoso descanso semanal!
OBS: A ilustração acima a uma obra do século XIV da Espanha referindo-se ao
Havdalah praticado pelos judeus. As citações da literatura rabínica foram extraídas do livro "O Autêntico Evangelho de Jesus" de Geza Vermes. A palavra
Havdalah, utilizada para referir-se à cerimônia de despedida do
Shabbat significa separação (distinção) entre o santo e o profano.
rodrigo, meu amigo, nesses nossos dias nem o domingo é mais sagrado. para shoping e supermercado não existem sábados, domingos ou feriados...lamentável. principalmente para quem precisa desses lugares para ganhar a vida.
ResponderExcluirbelo texto. agora estou certo: você é mesmo um messiânico...rs
Às vezes lamento por não contribuir suficientemente para que outros usufruam do descanso semanal. Por exemplo, neste sábado fuid ar uma volta com minha esposa e acabamos almoçando fora e alugamos um vídeo. Também mantivemos a geladeira ligada, tomamos banho quente e ligamos a TV e o DVD. Ou seja, pessoas tiveram que trabalhar no comércio e numa distribuidora de energia para que eu gozasse daquele Shabat. Mas, como não sou legalista, acho que se assim não fosse, estaríamos cometendo também um suicídio coletivo porque serviços essenciais iriam parar de funcionar. Logo, embora eu entenda ser importante um dia coletivo de descanso num país ou numa cidade, não dá para cessarmos tudo de vez nos dias atuais.
ResponderExcluir"(...) agora estou certo: você é mesmo um messiânico"
Kkkkkkkkk...
Bem, Edu, eu fujo dos rótulos. Congrego numa igreja que faz parte da Convenção Batista Brasileira, embora sejamos um grupo bem diferente da instituição. Mas eu, particularmente, tenho descobero que cada vez sou menos institucional ainda que participe ativamente no meio evangélico, esteja indo a reuniões de conselhos de pastores, etc.
Na minha opinião, devemos seguir a Jesus, sendo que o judaísmo em muito pode contribuir para o que seguem a Jesus. Até porque o cristianismo nunca foi religião de ensinamentos e construir suas bases a partir da filosofia grega e também do que lhe interessou no judaísmo.
Estudando o Talmude e outras fontes judaicas, penso quem a Igreja pode crescer muito com isto. E não só com os judeus, mas também com muitos outros povos, como muitos rabinos fazem também. Apenas devemos nos abster do legalismo e jamais nos divorciarmos da graça.
Sinceramente, sabe o que acho da maioria das comunidades judaico-messiânicas? São grupos de maioria não judia que buscam identificar com coisas estranhas à cultura nativas deles e acabam parecendo mais ortodoxos do que muitos judeus de nascimento.
Abraços.