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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Quando a ineficiência da Justiça faz um país desfalecer...


“No dia seguinte Moisés assentou-se para julgar as questões do povo e este permaneceu em pé diante dele, desde a manhã até cair da tarde. Quando o seu sogro viu tudo o que ele estava fazendo pelo povo, disse: 'Que é que você está fazendo? Por que só você se assenta para julgar, e todo o povo espera em pé, desde a manhã até o cair da tarde?' Moisés lhe respondeu: 'O povo me procura para que eu consulte a Deus. Toda vez que alguém tem uma questão, esta me é trazida, e eu decido entre as partes, e ensino-lhes dos decretos e leis de Deus'. Respondeu o sogro de Moisés: 'O que você está fazendo não é bom. Você e o seu povo ficarão esgotados, pois essa tarefa lhe é pesada demais. Você não pode executá-la sozinho. Agora, ouça-me! Eu lhe darei um conselho, e que Deus esteja com você! Seja você o representante do povo diante de Deus e leve a Deus as suas questões. Oriente-os quanto aos decretos e leis, mostrando-lhes como devem viver e o que devem fazer. Mas escolha dentre o povo homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e inimigos de ganho desonesto. Estabeleça-os como chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez. Eles estarão sempre à disposição do povo para julgar as questões. Trarão a você apenas as questões difíceis; as mais simples decidirão sozinhos. Isso tornará mais leve o seu fardo, porque eles o dividirão com você. Se você assim fizer, e se assim Deus ordenar, você será capaz de suportar as dificuldades, e todo este povo voltará para a casa satisfeito'.” (Êxodo 18.13-24; Nova Versão Internacional - NVI)


Um dos grandes problemas da lentidão da Justiça brasileira (e de vários países também) e que tanto faz a nossa nação desfalecer parece ser o grande volume de ações que entopem os tribunais. Como já diziam meus professores na faculdade, “Justiça lenta é injustiça” e muitos apontam o excesso de recursos como uma das principais causas para esta absurda morosidade, sendo que, há vários anos, várias propostas sobre uma reforma processual têm sido formuladas e discutidas no meio jurídico.

Nossa Constituição Federal permite que toda e qualquer demanda, em tese, possa chegar aos tribunais superiores pela via extraordinária. Segundo o artigo 102, inciso III, alínea a, bastaria uma violação a qualquer dispositivo constitucional para que um processo seja apreciado pelo Supremo Tribunal.

No entanto, os tribunais superiores jamais tiveram condições de julgar satisfatoriamente todos os recursos que suscitam discussões sobre supostas controvérsias constitucionais ou a respeito da interpretação das leis federais. Tanto o STF quanto o STJ ficaram abarrotados de processos que incluem desde os litígios mais banais até questões de alta indagação capazes de comprometer a governabilidade do país.

Um dos maiores erros praticados pela Justiça (ou pelo Congresso que faz as leis) teria sido a exigência do prequestionamento constitucional ou da legislação federal afim de que fosse admitido um recurso para os tribunais superiores. Os ministros do STF e do STJ passaram a impor que o exame de admissibilidade verificasse a existência do questionamento na própria decisão recorrida dos desembargadores quando estes julgaram a causa em segunda instância (nos tribunais estaduais e federais). Com isto, os magistrados de 2º grau passaram a se omitir propositalmente em muitos dos acórdãos afim de não deixarem motivos para que as partes conseguissem levar os processos até Brasília.

A meu ver, uma decisão judicial precisa ser completa, elucidativa e capaz de enfrentar todos os questionamentos feitos pelas partes desde que relevantes e essenciais para a pacificação social. O Judiciário deve antes de mais nada assumir o seu papel de esclarecedor do Direito, ensinar a população de um país como as normas devem ser aplicadas no nosso cotidiano.

Neste sentido, a história bíblica citada no início deste artigo tem tudo a ver com o momento em que o Brasil atravessa, visto que a nação nunca soube observar tais princípios que são basilares para o exercício da jurisdição.

No texto de Shemot (Êxodo), o personagem Moisés, líder do povo israelita, exercia entre eles as três funções estatais. Numa época em que ainda não se conhecia a clássica separação dos poderes de Montesquieu, o chefe supremo de um povo costumava responder ao mesmo tempo pela administração (o governo), da elaboração das leis (atividade legislativa) e da aplicação destas, decidindo sobre as demandas existentes entre as pessoas ou impondo penas aos delinquentes (função jurisdicional).

Ora, o sogro de Moisés, retratado no texto como sendo um homem experiente e habilidoso, soube muito bem como aconselhar o genro a proceder diante daquela situação mal organizada, ensinando-lhe princípios importantíssimos nos quais deveríamos meditar mais. E, dentro de uma linguagem mais sistematizadora, poderíamos dividi-los em uns quatro itens:

1.Apresentar a Deus os conflitos do povo;
2.Ensinar o Direito e sua plicação à população;
3.Escolher magistrados que sejam “capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e inimigos de ganho desonesto”.
4.Delegar a estes funcionários subordinados o julgamento das demandas menos importantes e determinar a eles o que procedam o encaminhamento daquelas que são mais relevantes.

Com base nestas orientações, pode-se dizer que não basta haver a descentralização e a desconcentração da atividade jurisdicional, mas também é necessário que os magistrados, inclusive o presidente do STF, exerça um magistério diante da população, estabelecendo um diálogo permanente com o cidadão e que seja capaz de encorajar o cumprimento das leis.

Entretanto, verdade seja dita que o Judiciário ainda encontra-se muito diante do povo e das suas necessidades. Os discursos dos juízes desembargadores e ministros geralmente são compreensíveis mais pela elite e por pessoas com formação jurídica do que pelo homem comum. As cortes dos tribunais mais fazem lembrar os tempos da monarquia do que a república (coisa pública) onde os trajes dos profissionais acaba sendo um dos primeiros embarreiramentos.

Os ministros do STF e do STJ, bem como os desembargadores e juízes mais antigos, deveriam exercer o papel de serem os sábios anciãos deste país. Homens que sejam ao mesmo tempo acessíveis e éticos, sem esconderem-se atrás de um falso moralismo. Também não deveriam ser pessoas soberbas, como deuses donos do saber, mas sim levar “a Deus as suas questões”, o que significa humildade e a expectativa de alcançar a compreensão diante de cada demanda.

Sem dúvida que, pela profundidade daquilo que podemos chamar de princípio de Jetro (um dos nomes do sogro de Moisés que aparece nas tradições formadoras da Torah), daria para se escrever livros a respeito. Porém, fico vislumbrado da sabedoria de um texto tão antigo como é a Bíblia, a qual, milênios depois, continua sendo um farol capaz de orientar homens e nações na procura de um caminho capaz de nos conduzir a um mundo melhor com mais espírito de ajuda mútua entre todos os seres e as sociedades das quais fazemos parte.


OBS: A ilustração acima refere-se a uma obra do artista holandês Jan Victors e retrata a despedida do encontro ocorrido entre o sogro de Moisés e seu genro. Acredita-se que foi pintado cerca do ano de 1635.

2 comentários:

  1. Rodrigo

    É de estarrecer que as maiores pendengas que chegam ao STF são de artifícios que o governo usa para empurrar com a barriga os processos em que ele é o único culpado.

    Eu, mesmo tenho um precatório federal, que ganhei em uma última instância nos idos de 1992, e ainda não recebi nenhum tostão. Por incrível que pareça esse injusto e imoral governo, ainda me cobra impostos de renda anualmente.

    Um país cujo os ministros do STF são nomeados pelo patrão da casa grande e senzala, não merecem a mínima seriedade da sociedade.

    Tenho pra mim, que a nossa justiça é a mais inepta do mundo.

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  2. Compreendo a tua insatisfação, Levi!

    O Brasil ainda é um país de injustiças e, quando é o próprio Estado quem as pratica, sem dar uma satisfatória reparação de seus erros, qual é a sensação que um cidadão de bem poderá ter?

    Uma das coisas que mais me revolta é a falta de um controle externo eficiente das atividades judiciárias. Das três funções estatais, o Judiciário é a mais conservadora e causadora de muitas instabilidades porque se o cidadão não mais acredita na Justiça, sua expectativa frustrada leva-o a resolver os problemas de seu próprio modo ou então a sujeitar-se às injustiças.

    Atualmente a Justiça do Trabalho é uma das maiores vergonhas do país. São processos que demoram uma eternidade e o pobre do trsabalhador acaba fazendo um acordo miserável com o patrão e recebe uma indenização numa audiência conciliatória que, geralmente, é bem aquém do que deveria ganhar.

    O STF é um órgão que anda conforme os interesses. SUas decisões sãomais políticas do que meramente jurídicas. Nossos ministros preferem evitar expor aquilo que pensam, o que lhes permite mudar de posição, o que, muitas das vezes pra mim significa negociar o voto. Ora, e será que os votos deles são sempre de acordo com a consciência do magistrado?


    "Tenho pra mim, que a nossa justiça é a mais inepta do mundo"

    Seu que nossa Justiça é bem insatisfatória, mas te dogo que há países ainda muito piores.

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