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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A pedra mágica do suborno na sociedade brasileira



"Pedra mágica é o suborno aos olhos de quem o dá,
e para onde quer que se volte terá seu proveito."
(Pv 17:8; ARA) 

Embora escrita há milênios, a Bíblia continua sendo um tremendo manual de vida para a atualidade, um livro no qual as pessoas deveriam ler e meditar mais. Seus ensinamentos abordam os diversos aspectos de existência humana e podem falar muito à sociedade brasileira do nosso tempo em que a corrupção tornou-se algo tão habitual a ponto de virar até parte da cultura do povo.

O problema do suborno, sem dúvida, não ficou de fora das Escrituras Sagradas, pois é tratado em diversas passagens, tanto em Provérbios quanto em outros livros bíblicos, quer seja diretamente ou não. Pois, se bem pensarmos, eis que, desde os primeiros tempos da civilização, o homem procurou atalhos para o enriquecimento ganancioso de maneira que subornar uma autoridade pode propiciar ganhos fora do comum. Ou, no mínimo, funcionar como um facilitador para a satisfação de diversas necessidades do cotidiano.

Na citação feita acima, o sábio autor considerou o suborno com o uma "pedra mágica", algo capaz de realizar o desejo. E, sem fazer um julgamento moral (creio que por ironia), reconheceu os benefícios imediatos dessa prática ilícita que jamais é reprovada pela mente já cauterizada do homem que age dessa maneira. Porém, muita gente não percebe é que escolhas assim podem nos levar a um profundo abismo, tratando-se, pois, de um caminho enganoso. Senão vejamos o que Salomão teria escrito em outro verso de Provérbios, segundo a mesma tradução utilizada:

"O que é ávido por lucro desonesto
transtorna a sua casa,
mas o que odeia o suborno, esse viverá."
(Pv 15:27)

Certamente que o termo "casa" pode, simultaneamente, ser aplicado à família, uma empresa, governo ou mesmo à nação. A primeira ideia é a de que alguém que se enriqueceu ilicitamente por meio da corrupção venha a colher os frutos de sua insensatez no futuro, trazendo maus resultados para os que estão em sua volta. E, se bem analisarmos, existe não somente o risco do indivíduo ser descoberto, responder a processo, e perder os bens adquiridos, como também ele irá transmitir péssimos exemplos de vida aos filhos e netos de modo que estes passarão a andar pelas mesmas vereadas dos pais.

Pensando nas consequências para um país, eis que a corrupção acaba virando um câncer. Pois, como existe uma propagação no meio social, o suborno acaba atingindo os baixos escalões dos governos. Com isso, não apenas ministros e altos magistrados exigem o pagamento de propinas de modo que um simples fiscal, ou atendente nas repartições públicas, passa a pedir uma "cerveja" para liberar documentos, localizar processos, prestar determinadas informações, encaminhar requerimentos, etc.

Numa ocasião, o pastor presidente de uma igreja tentou justificar atitudes de corrupção. De acordo com seu argumento, caso um guarda o parasse no trânsito e lhe pedisse um trocado, ele pagaria, tendo se respaldado nesta frase de Jesus dita no Sermão da Montanha: "não resistais ao perverso" (Mt 5:39). Porém, há que se ter muita cautela para não confundirmos o dar a outra face com a banalização do suborno.

Para quem exerce alguma atividade econômica, a propina já chega a fazer parte da contabilidade real de sua empresa. Eu mesmo, um ano depois quando comecei a trabalhar com o comércio, deparei-me com uma situação que foi a entrada de vendedores piratas na praça justo nas épocas de maior movimento. Ou seja, surgiram camelôs irregulares de tudo quanto era canto oferecendo mercadorias a preços menores e de má qualidade, mas que interferiam na lucratividade de quem laborava no lugar há mais tempo, pagando os tributos e as taxas, quer fossem os donos de lojas ou os ambulantes habituais. Então, alguns colegas me disseram que iriam dar um "agrado" para os fiscais expulsarem os novos intrusos, pedindo que eu igualmente desse a minha contribuição diária de módicos R$ 5,00.

No início, achei tentador contribuir, mas não demorou para aquela situação incomodar no íntimo e precisei ser corajoso para posicionar-me diante dos demais companheiros afirmando que não pagaria a suposta graninha extra que um deles falou que levaria ao fiscal. Pesou em meu coração não foi a ilegalidade em si da conduta, mas, sim, a questão da injustiça contra o próximo. Pois muitos ali que já se encontravam estabelecidos no ramo também começaram a trabalhar informalmente e/ou não se encontravam em situação regular perante o Poder Público. Logo, preferi dizer não e sofrer constantes hostilizações do que compactuar com algo que a minha consciência não estava concordando.

Ensina também o livro de Provérbios que a aceitação de suborno perverte as veredas da justiça (17:23). Logo, pode-se facilmente constatar que o comportamento humano corrupto contribui danosamente para que a iniquidade se multiplique numa sociedade. Tem-se com isso o surgimento de máfias, prejuízos para a economia como um todo, subdesenvolvimento, aumento da pobreza e da violência. As pessoas prejudicadas acabam vivendo na marginalidade e podem facilmente partir para o mundo do crime. Principalmente quando falta num país melhores oportunidades de emprego, boas escolas bem como uma assistência governamental ampla e completa capaz de contemplar a todos os desfavorecidos.

Recusar a pedrinha mágica do suborno é, sem dúvida, a melhor escolha. Como cristãos, precisamos preferir andar pelo caminho estreito ao invés de trilharmos a via larga da perdição. Não dá para servirmos a dois senhores e quem confia verdadeiramente em Deus deve aguardar fielmente a sua bendita provisão. Se uma porta fecha, outra pode se abrir. E, se o Senhor é o nosso Pastor, o que haverá de faltar como bem escreveu o salmista? Enfim, cabe aos crentes darem o bom exemplo. Pois creio que, a Igreja brasileira assumindo um posicionamento honesto, seremos luz para essa nação. Chega de consentir com a desonestidade!

Um ótimo final de semana a todos!


OBS: A imagem acima trata-se de uma foto para divulgação do filme A Pedra Mágica, conforme consta em http://www.abril.com.br/entretenimento/fotos/ator-two-and-half-man-esta-pedra-magica-494782.shtml

8 comentários:

  1. O versículo bíblico, que para muitos dá respaldo à corrupção, é este: " Granjeai amigos com a riqueza da iniquidade ou da injustiça..." (rsrs)

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    1. Boa tarde, Levi!

      O verso que citou em seus comentários, o qual se encontra em Lc 16:9, sobre a Parábola do Administrador Infiel, guarda pertinência com o assunto tratado aqui. Trata-se de uma das partes dos evangelhos que causa certa estranheza e dificuldade interpretativa por não se encaixar na perspectiva religiosa do leitor de hoje. Há quem chegue a duvidar da autenticidade desse ensino como se não fosse de Jesus. Outros, porém, preferem simplesmente evitar esta passagem nas suas pregações e reflexões, fazendo, às vezes, uma abordagem parcial até o verso 8. Isso porque cuida-se de uma lição positiva tirada de uma ação fraudulenta que é a conduta do administrador da propriedade.

      Penso que devemos sempre indagar qual poderia ter sido o entendimento dos cristãos primitivos acerca da metáfora pois, afinal de contas, o autor sagrado escreveu-a há uns 1900 anos atrás e o texto encontra-se lá nas nossas bíblias. Logo, temos mais é que nos debruçar sobre a mensagem, esforçando-nos para compreendê-la, o que é melhor do que simplesmente ignorarmos, fazendo de conta que ela não se encontra ali.

      Ora, o administrador dessa história seria um homem que, no lugar do dono, controlava todos os negócios da fazenda. O patrão, talvez porque tivesse outras propriedades para cuidar, não poderia gerir pessoalmente cada uma delas. Por isso ele precisava contar com o trabalho de funcionários da sua maior confiança, para agirem igualmente a ele, sendo certo que não teria como supervisionar detalhadamente todas as atividades. Ou seja, não haveria como controlá-lo com exatidão afim de saber se o sujeito estaria desviando recursos ou agindo de maneira ociosa. Principalmente se fossem transações ilegais tipo a cobrança de juros nas vendas a prazo, o que, entre os judeus, não poderia existir.

      Alguns comentaristas bíblicos supõem que, junto com o comércio financiado dos produtos agrícolas, o vendedor lançava na nota de débito uma quantidade a mais do que realmente teria sido adquirido, conforme o prazo avençado entre as partes. Seria uma maneira inteligente de se tentar burlar a legislação de Moisés. Pelos menos aos olhos humanos e diante dos magistrados, caso a cobrança viesse algum dia a ser judicializada por falta de pagamento. Assim sendo, é possível que, se, por exemplo, o primeiro comprador levou somente uns 50 barris de óleo (cerca de 2.000 litros), mas não pôde pagar à vista, constasse o dobro na sua fatura. Já o segundo devedor, provavelmente, deve ter contraído uma obrigação num prazo menor para o adimplemento.

      Desse modo, o mordomo infiel torna-se ainda mais astuto. Uma verdadeira cobra criada! Ao aconselhar seus clientes a falsificarem novas notas de débito e reduzirem a soma do que deviam formalmente ao proprietário, ele deu um golpe de mestre. Pois, se o dono da gleba fizesse uma auditoria contábil e procurasse saber qual teria sido o quantitativo da produção e o total do que fora comercializado, não conseguiria provar jamais a fraude. Não teria como reivindicar a perda dos juros porque, como já dito, o ágio era uma prática ilegal entre judeus.

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    2. Continuando...

      Por meio desse expediente, esperava o administrador cair nas graças dos clientes de seu patrão quando fosse demitido. Provavelmente seria recompensado por tirar a corda do pescoço deles e não passaria necessidades. Talvez até seria visto como um bom moço diante da comunidade porque, conforme os costumes culturais da época, prestou um favor honesto. Só não seria mais digno de confiança obviamente.

      Contudo, em termos espirituais, jamais o foco da narrativa poderá estar na desonestidade do mordomo, mas, sim, na sua prudência. Notemos que o elogio do senhor da propriedade foi em relação à habilidade de seu subalterno, o qual agiu com maior sabedoria do que "os filhos da luz" (expressão que só ocorre três vezes no Novo Testamento). E aí devemos reconhecer que nem sempre os cristãos mostram-se satisfatoriamente talentosos na condução dos "negócios" do Reino de Deus.

      A causa do Reino é algo eterno e de incontestável superioridade se comparado às coisas mundanas. Contudo, até que se torne uma realidade visível, há um campo minado a ser atravessado. Cabe aos discípulos de Jesus, os destinatários dessa parábola, agirem com esperteza e prudência, mas sem sem tornarem maliciosos, conservando a simplicidade (conferir com Mateus 10:16 e Tomé 39). Só que o contexto do 3º Evangelho tem a ver com as faces da riqueza e aí não podemos deixar de enfrentar a incômoda recomendação do versículo nono já transcrito acima sobre fazer amigos com as riquezas e ser recebido nos "tabernáculos eternos".

      Será que o dinheiro pode comprar um lugar no céu para alguém?! Ou a referência a uma morada eterna não poderia ter outro significado além do escatológico?

      Pois bem. Se retornarmos algumas páginas em nossas bíblias, iremos novamente meditar na metáfora do fazendeiro rico (Lc 12:16-20), quando nosso Senhor havia reprovado a avareza. Ali o Mestre ensinou que "a vida do homem não consiste na abundância dos bens que ele possui" (12:14), de maneira que é na realidade espiritual, com seus valores permanentes, onde devemos nos firmar. Nunca nos bens materiais que só prestam para satisfazer as necessidades do homem aqui na Terra. Há algo muito maior e indestrutível para ser considerado na nossa existência multidimensional, pelo que não podemos usar das coisas perecíveis deste mundo com um propósito egoísta. Temos que "fazer amigos" e empregarmos os recursos disponíveis nessa grandiosa atividade.

      "Vendei os vossos bens e dai esmolas; fazei para vós outros bolsas que não desgastem, tesouro inextinguível nos céus, onde não chega o ladrão, nem a traça consome, porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração." (Lc 12:33-34; conferir artigo Vença a ansiedade!)

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    3. Concluindo...

      Trata-se de fazer amigos e não comprá-los! Jesus não desejou que a obra assistencial da Igreja fosse usada com uma finalidade proselitista, como se a pessoa ajudada precisasse virar seguidora do segmento religioso dos apóstolos para ter direito a continuar pegando a sua cesta de alimentos. O fazer amigos deveria levar os discípulos a horizontalizarem suas relações na formação de uma verdadeira comunidade de irmãos a ponto de todos constituírem uma só bolsa, a exemplo do que se lê em Atos dos Apóstolos 2:44-45, que pode ter sido escrito ou não pelo mesmo autor do 3º Evangelho. A proposta do Salvador era revolucionária e, por isso, a lição não se esgota na parábola. O Mestre prossegue explicando:

      "Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. Se, pois, não vos tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a verdadeira riqueza? Se não vos tornastes fiéis na aplicação do alheio, quem vos dará o que é vosso? Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas." (Lc 16:10-13)

      A fidelidade "no pouco", na ótica do Reino, seria a administração dos bens materiais para suprimento das necessidades dos homens, enquanto que ao termo "muitos" podemos entender como sendo a dimensão espiritual - a "verdadeira riqueza". Aquilo que realmente os pertence!


      Com isso aprendemos que a prática da caridade é uma excelente oportunidade de aprendizado sobre coisas maiores tipo exercitar o amor, aceitarmos incondicionalmente o outro e extrairmos bondade do nosso coração. Jamais será um fim nela mesma como se bastasse resolver o problema financeiro-alimentar-habitacional do outro pois, nestes casos, melhor seria a Igreja contratar assistentes sociais, deixando que o cuidado com o próximo ocorresse por meio de assistentes sociais sem nos envolvermos afetiva e espiritualmente.

      A fidelidade aqui exigida não se limita a uma prova contábil da probidade gerencial dos bens terrenos. Isto é, a questão não versa sobre apresentarmos as contas dos investimentos da Igreja na área social. Seria, sim, o agir com sinceridade e boa consciência para com o Pai, cuidando amorosamente dos nossos irmãos sem abusarmos da boa-fé de quem quer que seja. Para tanto podemos e devemos até atuar no anonimato.



      Concluímos que essa é uma elevada lição de discipulado dada pelo professor Jesus de Nazaré, o que exige uma tomada radical de decisão por quem pretende seguir a Cristo. Por isso não se pode devotar a Deus e às riquezas ao mesmo tempo (verso 13). A caridade feita aos pobres, bem como as demais ações sociais, pode parecer algo de pequena importância diante de outros assuntos espirituais, mas é um importante instrumento para o homem desapegar-se das coisas materiais e se iniciar no serviço divino. Através dessas boas obras será testada a nossa fé e, por sua vez, os atos externos que decidimos praticar interagem com todo o nosso ser.

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  2. O argumento do pastor, se não é inocente é corrupto.
    A Nova Bíblia Viva, tem a seguinte tradução para o vs que Levi citou: "Eu, porém, lhes digo: usem as riquezas deste mundo para conseguir amigos a fim de que, quando as riquezas faltarem, eles os recebam nas moradas eternas. Lucas. 16.9.

    Desta forma, creio que Jesus estava tratando de ensinar-lhes que os negócios deveriam ser feitos de tal maneira, que as pessoas fossem tocadas. O que Jesus mostrou usando o exemplo daquele servo, foi que ele conquistou amigos através dos negócios e não insinuando que fizessem da mesma forma.

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    1. Olá, Guiomar.

      Não seria esta tradução uma exegese uma vez que ela tenta explicar o texto? Mas como toda análise, podemos considerá-la como uma explicação parcial e aí me falta o conhecimento direto do idioma original para poder ir além sem ter que recorrer a dicionários bíblicos. De qualquer modo, a NBV não afasta a ideia central que seria o uso da habilidade pelos discípulos. É nisto que os destinatários da mensagem de Jesus deveriam imitar o administrador da propriedade, nunca, evidentemente, no mau caratismo deste. Trata-se de ser hábil nos negócios do Reino quando estamos fazendo o bem tendo como foco o alcance/edificação de pessoas. Acho que de algum modo estamos de acordo.

      Sobre o que o tal pastor havia dito, sobre pagar a propina ao agente de trânsito, seria mais na hipótese do mesmo tentar forjar uma situação inverídica. Tipo a autoridade querer autuar o motorista por uma infração inexistente afim de conseguir uma pequena vantagem em dinheiro já que a multa pode sair muito mais cara. Anda assim fico resistente a colaborar com a corrupção porque não seria uma coação tipo o policial colocar uma arma em minha cabeça e dizer "Rodrigo, paga uma cerveja". Se me constrangesse apenas sob a ameaça de uma multa injusta, eu ainda poderia defender-me pelos meios legais cabíveis. Situação complicada, mas será que não seria uma oportunidade para testemunharmos?

      Um abraço.

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  3. Respostas
    1. Edu, tenho pra mim que a justiça "em demasia" passou do ponto tornando-se uma injustiça. Na verdade o provérbio ao qual se refere fala sobre termos moderação e bom sendo, não servindo para justificar um comportamento injusto como alguns agem por aí tentando se respaldar através da Bíblia.

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