Engana-se quem pensa que o turismo no Rio de Janeiro é feito apenas visitando a orla marítima da Zona Sul. Oferecendo não apenas praias, florestas, prédios históricos e museus, a Cidade Maravilhosa dispõe também de uma riquíssima vida comunitária que pode ser experimentada em lugares da Zona Norte.
Além dos tradicionais bairros da classe média como Tijuca, Grajaú ou Vila Isabel, existe muito o que se ver na humilde região de Penha, Ramos e Bonsucesso. Trata-se de uma importante área residencial do Rio que, no passado, foi muito discriminada por ser o “subúrbio” carioca e ainda ficou manchada durante décadas pela violência do crime organizado. Porém, nestes últimos anos de pacificação, está se tornando um interessante roteiro turístico alternativo para quem se interessa em conhecer o outro lado das coisas.
Já no final da adolescência, desde que comecei a viajar por conta própria, criei logo o hábito de conversar com as pessoas de cada local visitado acerca do cotidiano delas. Quando fui a Paris, em outubro de 1997, não me interessou somente visitar a Torre Eiffel. Atravessando a França no trem de alta velocidade, com a companhia de jovem espanhola, eu queria saber mais sobre sua vida de imigrante estudantil numa das mais cosmopolitas cidades do mundo. E, numa outra vez, quando estive em Buenos Aires, parei para conversar com um manifestante na rua que protestava contra a política do então presidente Carlos Menem.
Certamente que para conhecermos o outro lado das coisas num passeio turístico torna-se necessário conversar e até conviver com pessoas do local, utilizando o transporte coletivo comum, sentando num barzinho simples frequentado pela população, comendo pastel na feira, pegando orientações sobre as ruas na banca de jornal, etc. E, no Rio de Janeiro, igual a toda e qualquer cidade do planeta, não é muito diferente. Aqui, onde voltei a morar há pouco mais de três meses, existe um povo ainda animado, com pessoas geralmente dispostas a informar, compartilhar um pouco de si mesmas e até mesmo prestar alguma solidariedade desinteressada.
Neste último sábado do mês março, foi mais ou menos assim que resolvi voltar aos passeios depois dos dias de luto familiar pelo falecimento de minha avó materna (21/03/2012). Deveria ser umas 10 horas da manhã quando chamei Núbia para ir comigo à histórica Igreja de Nossa Senhora da Penha e ao teleférico do Complexo do Alemão. Peguei um dinheirinho no caixa eletrônico de uma agência do banco ITAÚ na praça onde moro, caminhamos umas quatro quadras aqui no bairro pela arborizada avenida Engenheiro Richard e, finalmente, embarcamos no ônibus da linha 621 rumo à Penha.
Que eu me recorde, jamais cheguei a estar na Penha, exceto de passagem. Entre os meses de dezembro e janeiro, quando fui algumas vezes em Duque de Caxias prestar serviços a um cliente meu, até cheguei a ver a velha igreja no alto do morro e o teleférico do Alemão em movimento. Desejava assim saltar do veículo e andar livremente por ali. Só que os compromissos de horário e o desconforto de estar vestido com roupas sociais no auge do calor acabavam me desestimulando. Então dizia para mim mesmo que, quando tivesse uma oportunidade, visitaria estes dois lugares.
Recentes notícias de conflitos no Complexo do Alemão transmitidas pelo telejornal não foram suficientes para desanimar. Minha mãe e a esposa pediam-me que não fosse lá por estes dias. Porém, eu pensava que os problemas não deveriam estar acontecendo em toda a área sendo que somente uns becos da comunidade onde ainda restasse pontos de venda do tráfico é que deveriam ser evitados. E insisti para quebrar o medo na mente de minha mulher pelo que ela resolveu aventurar-se comigo.
A viagem no 621 durou pouco mais de meia hora e pegamos apenas um pequeno engarrafamento depois do Meier. Saltamos perto da estação de trem e pedimos informações às pessoas sobre como chegar na igreja. Então atravessamos algumas movimentadas ruas e logo chegamos nos arredores da pedra onde foi erguido o secular santuário católico.
A igreja fica dentro de um parque com bastante verde em volta. Há um trecho ali em obras já que há interesse do governo em colocar um segundo bondinho que conduzirá as pessoas do ponto mais baixo até o nível intermediário do percurso. Aí, pensando em poupar minha esposa de uma cansativa subida, pegamos dois moto-táxis que nos levaram até próximo da loja de artigos religiosos da congregação, justamente no tal trecho intermediário. Isto nos deu um pouco de adrenalina já que andar de moto é sempre algo emocionante. E despedindo-nos dos motoqueiros, entramos no bondinho em funcionamento que acompanha a longa escadaria com seus trezentos e tantos degraus, proporcionando uma contemplativa subida.
Não éramos os únicos que estavam visitando a igreja. Subiram conosco um casal de turistas acompanhados de um guia local, mais um homem que desde a infância era levado por sua parenta aos festejos de outubro da padroeira Nossa Senhora da Penha e ainda uma colaboradora da congregação que estava transportando pelo bondinho vários ramos de palmeiras para a missa especial do Domingo de Ramos que antecede a Páscoa. Contudo, achei ainda muito fraco o número de visitantes naquele belíssimo lugar que é tido como um valioso cartão postal do Rio.
A Igreja de Nossa Senhora da Penha de França não chega a ser a mais velha da cidade, mas é considerada bem antiga. Desde a primeira metade do século XVII, pessoas já subiam aquelas escadas para orar. Sua construção atual, entretanto, é de 1728, quando a pequena capela foi ampliada para receber um número maior de devotos. E, apesar de ter sofrido saques e tiroteios de bandidos na época do domínio das organizações criminosas, a igreja hoje ressurge como um símbolo de que a população carioca pode construir um futuro melhor sem permanecer refém do acontecimentos ruins.
Inegavelmente, a paisagem em volta da igreja é belíssima. Dali é possível ver diversos bairros e comunidades da Zona Norte carioca, além de um pedaço de Caxias e o aeroporto internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, conhecido também como Galeão. Também dá para reconhecer outros morros como os do Pão de Açúcar, o Corcovado, o Sumaré e alguns picos que compõem o Parque Nacional da Tijuca. Só não consegui ver dali o Dedo de Deus da Serra dos Órgãos porque o tempo não parecia estar firme para o lado da Região Serrana.
Deixamos a tranquila igreja da Penha e consegui animar Núbia para conhecer o Complexo do Alemão. Pagamos um ônibus ali perto e descemos na estação de trem de Bonsucesso, onde também é feito o embarque no teleférico administrado pela concessionária SuperVia. Compramos nossos bilhetes de passagem pelo preço de apenas R$ 1,00 (um real) por pessoa e fomos então conhecer o primeiro transporte de massa feito por cabos no Brasil.
Pode-se dizer que o teleférico do Alemão deu uma nova cara à Zona Norte do Rio, interferindo positivamente naquele esquecido cenário geográfico. Com três quilômetros e meio de extensão, suas 152 gôndulas têm a capacidade de transportar até 10 pessoas dentro de cada uma delas com oito passageiros sentados e dois em pé. Ao todo, são seis estações incluindo a de Bonsucesso. A última delas chama-se Palmeiras, uma comunidade situada dentro do populoso bairro de Inhaúma onde logo se vê mais uma unidade de polícia pacificadora em construção.
Mesmo tendo conhecido outras comunidades carentes (minha esposa mesma já morou em favelas de Niterói antes de se casar comigo), eu jamais tinha visto uma área tão extensa como a do Complexo do Alemão. São casas e mais casas dominando toda a paisagem! Algumas chegam a ter vários andares e a maioria das construções carece de uma pintura externa sobre seus visíveis tijolos. Senti como se existisse uma cidade dentro de outra, um pedaço do Rio de Janeiro que até uns anos atrás era escondido dos turistas estrangeiros que vinham ao Brasil.
Dizer que agora tudo está lindo e maravilhoso no Complexo do Alemão seria mentir para a população. É certo que muita coisa foi mudando ali desde a morte do jornalista Tim Lopes (1950-2002) até hoje. Porém, achar que apenas com a ocupação da área a paz chegou nas humildes residências de seus moradores não é verdade. Pois, como se sabe, o combate à violência faz parte de um lento processo que inclui profundas reformas sociais. Além da força policial, o Estado precisa se fazer presente através das escolas, projetos de lazer, postos de saúde e ambientes culturais que proporcionem uma sadia convivência social tornando os bairros carentes lugares agradáveis de se viver.
Por sua vez, não acho que o carioca deva ficar dependendo tanto do paternalismo governamental. Se a população somente esperar pela providência dos políticos, o Complexo do Alemão será apenas uma vitrine eleitoreira que algum dia poderá ficar esquecida pelas autoridades quando os célebres eventos esportivos passarem. Logo, é preciso que o cidadão lute, cobre melhorias do Poder Público e também ouse fazer acontecer. Pois foi isto o que observei no bairro de Acari durante os dias em que acompanhei o sofrimento de minha avó no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla. Para minha surpresa, a associação de moradores chegou a organizar até um transporte alternativo de combis para o bairro de Madureira com uma tarifa mais barata do que a dos ônibus.
Nosso passeio pelo Complexo do Alemão deve ter durado pouco mais de uma hora e consumimos apenas dois picolés da Kibon, a empresa patrocinadora dos teleféricos. Lá, infelizmente, ainda não existem restaurantes e a compra do bilhete unitário não dá direito ao desembarque nas demais estações atendidas pelo transporte da SuperVia. Por isto, assim que regressamos, acabamos indo almoçar numa churrascaria em Bonsucesso. E já eram mais de três da tarde, sendo que parte do comércio local estava fechando as portas.
Com vontade de conhecer mais lugares, eu ainda pensava em dar uma chegada até o Piscinão de Ramos. Só que, infelizmente, Núbia já estava se sentindo exausta e querendo voltar para casa de táxi. Pegamos uma vã até o Meier e depois realizei o desejo dela, deixando pra ir em Ramos numa outra oportunidade.
Assim encerrei meu passeio com gratidão pelo dia que Deus nos proporcionou. E Núbia também gostou muito dali, principalmente da vista da Igreja da Penha onde ela pretende retornar levando lá sua mãe, irmã e as amigas de Nova Friburgo quando vierem ao Rio nos visitar.
OBS: A foto ilustrativa deste artigo foi extraída do site da empresa SuperVia, responsável pelo transporte de trem de passageiros na região metropolitana do Rio de Janeiro e também pelo teleférico do Alemão. Para chegar na Igreja Nossa Senhora da Penha de trem, basta embarcar no ramal que vai da Central para Saracuruna e Gramacho, descendo na estação da Penha. Depois é só seguir a Rua dos Romeiros até o Largo da Penha. Placas indicarão o acesso ao templo. Já o teleférico do Alemão fica na própria estação de Bonsucesso, no mesmo ramal de Saracuruna e Gramacho. Contudo, é preciso ter paciência para aguardar o trem nos finais de semana. Segundo informações passadas pela funcionária da bilheteria, a SuperVia só disponibiliza um trem de hora em hora aos sábados no referido ramal ferroviário.
Warum haben wir die derzeitige gefährliche Situation erreicht?
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Leonardo Boff Es ist eine Binsenweisheit, dass
wir uns im Zentrum einer großen Zivilisationskrise befinden. Sie ist nicht
region...
Há 15 horas
Programão, hein, Rodrigo?? rss
ResponderExcluirsabe que moro no Rio há mais de...deixa eu ver...desde 1980, acho, lá se vão mais de 30 anos e tem lugares populares e outros nem tanto, que nunca fui conhecer, como é o caso da igreja da Penha e do Cristo Redentor!! Nunca fui em nenhum piscinão mas já fui uma vez ao Complexo do Alemão antes da "pacificação" participar de um evento social da Cufa(Central única das favelas) e aquilo alí é realmente uma cidade dentro da cidade.
Já morei na Zona Norte, em Piedade, bairro próximo a Cascadura, em Nilópolis, cidade da Baixada Fluminense, na Praça Seca e agora, moro na zona oeste da cidade no bairro de Campo Grande, que aliás, tem uma grande área verde no parque do Mendanha que também ainda não fui conhecer...
Meu problema é que eu adoro ficar em casa...mas um tuor pela Europa eu iria feliz da vida...rssssss
abração.
Fala, Edu!
ResponderExcluirHoje, na região da Penha, notei que muita gente que trabalha e/ou reside ali nem conhece a igreja...
Confesso que, se hoje minha grana sobrasse e eu pudesse sair viajando pelo mundo, talvez daria preferência a lugares novos e distantes. E acho que isto seria escolhido para fugir mesmo da rotina porque, no fundo, temos uma necessidade psicológica de mudanças.
Todavia, desde 1999, quando fui morar em Nova Friburgo e passei uns meses "duro" aprendi a gostar de passeios perto de casa. Comecei a explorar os diversos recantos daquele município e descobri lugares magníficos. E posso dizer que uma exploração semelhante aprendi a fazer com a vida religiosa lendo e relendo as mesmas passagens da Bíblia que já havia lido antes. Porém com novos significados.
Da mesma maneira, quando olho para o Pão de Açúcar, pro Corcovado e outros lugares do Rio de novos ângulos, estou dando significado à mesma paisagem que já conheço e ampliando o significado daquilo que já conheço.
Se pudesse hoje dispor de uns 50 contos, iria fazer um tur de três meses pelo Mediterrâneo. Visitaria Itália, Grécia, Turquia, Líbano, Israel e Egito. Ou seja, todo o mundo antigo e que corresponde à geografia das narrativas bíblicas. Mas acho que, se demorasse demais por lá, acabaria percebendo que a minha "terra prometida" pode ser por aqui no RJ, bem perto de minha família e do meu próximo.
Semans atrás andei por Piedade. Eu tinha saído do HMRG, após ter visitado minha avó no CTI. Aí peguei um ônibus em Acari com direção a Cascadura. Desci no ponto final, caminhei e embarquei num outro busão em Piedade rumo à Sans Peña que passou pelo Grajaú, deixando-me na rua Gurupi, umas quadras perto de casa.
Praça Seca e Campo Grande também conheço. Porém, ainda não fui a Nilópolis. Mas oportunidade ainda não faltará para conhecer a terra da escola de samba Beija Flor.
Ficar em casa sem ter internet ou um bom livro não dá. Acabo saindo pra caminhar... (rsrsrs).
Abração!
heeeeeeee, pois é Rodrigo, eu gosto de ficar em casa exatamente por ter internet e um montão de livros esperando para serem lidos...rss
ResponderExcluirMas é claro que isso não me impede de gostar de viajar, aliás, gosto muito de viajar. É assim: gosto de ficar em casa, mas quando saio, vejo como é prazeroso passear! coisa de doido...kkkkkk
valeu, abraço
Edu, sei o quanto esta coisa chamada internet acaba prendendo agente. Ou melhor, como que nos nos prendemos a ela e, nisto, tenho avaliado o quanto ainda sou compulsivo pelas coisas. Sem falar quando começamos a criar compromissos que jamais deveriam existir tipo responder recados do Facebook, fazer visitas periódicas a determinados blogues que seguimos, ter a caixa de email sempre em dia, bater papo no MSN e até justificarmos a nossa ausência com um pedido de desculpas por eventual demora.
ResponderExcluirQuanta loucura da era tecnológica, não?!
Caminhadas e passeios pra mim são ótimas maneiras de me desestressar. É quando eu de fato medito sem ficar em posições específicas. É nas caminhadas que eu contemplo a beleza da vida e converso comigo mesmo, sendo que, às vezes, surgem interessantes momentos de convívio com outras pessoas que Deus permite cruzar meu trajeto.
Viajar pra longe é ótimo. Mas como eu não tenho nem tempo e nem dinheiro suficiente para percorrer o mundo todo, aprendi a fazer turismo para lugares perto de casa. Vale a pena excursionar internamente dentro de nosso próprio município. Lembro que Kant, salvo engano, jamais teria saído de sua cidade...
Abraços.