O acórdão do Tribunal gaúcho, prolatado, por unanimidade, nesta terça-feira (06/03/2012), foi uma resposta ao requerimento formulado pela ONG Liga Brasileira de Lésbicas. Os desembargadores consideraram que a presença destes objetos nos fóruns e na sede do Judiciário pode ir contra princípios constitucionais de um estado laico, que não sofre influência de igrejas. O magistrado Cláudio Baldino Maciel, relator do processo, defendeu, em seu voto, que julgamentos feitos em uma sala de tribunal "sob um expressivo símbolo de uma igreja ou de sua doutrina" não parece a melhor forma de mostrar "um Estado-juiz equidistante dos valores em conflito".
Na oportunidade, o presidente da OAB do Rio de Janeiro Wadih Damous também criticou o fato de o STF ter um crucifixo exibido em seu plenário por considerar que o símbolo "deixa de expressar a separação entre igreja e Estado que é um princípio republicano básico", o que seria, a seu ver, "inconstitucional".
Não demorou muito para que surgissem críticas reacionárias ao TJ-RS e ao presidente da OAB fluminense argumentando a existência de coisas muito mais importantes para serem discutidas pelos operadores do Direito. Já outros têm sustentado que o laicismo estatal não significa "um Estado sem fé" ou que não impediria o uso de símbolos religiosos nas dependências dos prédios públicos. Porém, também existem muitas pessoas favoráveis à retirada dos crucifixos dos prédios de todos os Poderes, com base no que diz o inciso I do artigo 19 da nossa Constituição. E o raciocínio valeria tanto para o Judiciário quanto para o Legislativo e o Executivo.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Mas, afinal, existe ou não algo de errado o Judiciário brasileiro ter crucifixos em sua dependências?
Entendo primeiramente que, apesar de existirem outras questões mais relevantes, isto não deve ser impedimento para opinarmos acerca do assunto, sendo que a preocupação ideológica quanto à teocratização do Brasil é tema de enorme relevância. Algo que está entrando na pauta devido à presença cada vez maior de políticos da bancada evangélica tentando manipular decisões em favor de seus interesses institucionais, proselitistas e de controle da mídia.
Por sua vez, jamais poderemos nos esquecer que, mesmo na história republicana, a Igreja Católica sempre tentou influenciar as decisões políticas com seus interesses ideológicos afim de manter o povo brasileiro debaixo das mais absurdas repressões morais. Lembremos, pois, como foi demorada a aprovação da lei do divórcio no Brasil.
Assim, penso que, numa sala coletiva de audiências, fica complicado haver símbolos de uma determinada religião ou de uma seita específica como é o catolicismo (a maior seita cristã existente). Faço apenas a ressalva de que não teria nada contra um juiz ou qualquer outro servidor estatal colocar na sua mesa pessoal de trabalho um crucifixo, uma imagem de Maria, um versículo da Bíblia, do Corão, uma estátua do Buda, uma pirâmide, etc. Pois aí entendo que a mesa de trabalho, ainda que se trate de um bem público, acaba compondo a esfera de individualidade do funcionário mesmo que transitoriamente.
Enfim, lembremos que religião hoje é algo muito pessoal. Há quem não tenha religião alguma e quem nem queira acreditar em Deus ou na concepção da maioria sobre a divindade. Independentemente do ateísmo ou de qualquer ceticismo, cada vez tem sido mais comum pessoas dizerem que buscam a espiritualidade e não a religião, querendo ser livres do aprisionador institucionalismo. E ainda tem gente que desenvolve sua atividade espiritual ou metafísica sem nenhuma simbologia.
Quando falamos de Jesus e sua crucificação, devemos considerar as discordâncias acerca da existência histórica deste personagem dos evangelhos e das dúvidas que pairam quanto às versões oficializadas pela ortodoxia cristã a respeito de como foi a vida deste homem, como é meu caso. Para o islamismo, por exemplo, Jesus não foi crucificado. E, no ponto de vista de inúmeros judeus, seriam inverídicas as narrativas dos evangelhos de que o sinédrio reuniu-se no dia sagrado da Pessach para julgar e condenar Jesus a morte. E, no meu ponto de vista, muita coisa que está no Novo Testamento foi mesmo acrescentada pelos padres gregos do século II, motivo pelo qual sempre recomendo uma leitura cautelosa da Bíblia e livre da literalidade.
Por estas e outras, tenho que admitir o quanto o crucifixo torna-se ofensivo para muita gente neste país que não segue a mesma fé heterodoxa que a minha ou a crença sincrética e popular da grande maioria de brasileiros de cultura ainda cristã.
OBS: A ilustração acima foi extraída do site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Agora os vampiros vão atacar o Tribunal!
ResponderExcluirUma grande idiotice isso!!! Tantos problemas sérios como a resolução sobre a honra e o carater do Judicario brasileiro, para se preocuparem com coisas de fé. Alem disso, se é para se fazer a verdade, nenhum membro de igrejas poderiam ser candidatos a cargos publicos, pois sempre efendem antes de tudo suas igrejas e sua fé, colocando os anceios do povo em ultimo plano!!!
ResponderExcluirRodrigo, não preciso acrescentar nada!
ResponderExcluirvocê disse tudo!!!
Bem, nesse caso, vou ter que dar uma de "reacionário" pois quero olhar o caso por um outro viés.
ResponderExcluirA questão é que a cada dia, vemos no ar uma certa intolerância com o cristianismo em vários países. Qual seria "outro símbolo religioso" que foi retirado do Tribunal? Ora, todo mundo sabe que existe no Brasil a separação entre Estado e religião e duvido muito que um crucifixo seja ofensivo para um budista ou seguidor de alguma religião afro-brasileira.
Acho totalmente inofensivo o crucifixo em Tribunais; ele é um símbolo que nos remete a um evento que ficou marcado pela "injustiça". - a morte de Jesus de Nazaré crucificado.
E quantos suas observações históricas sobre Jesus, Rodrigo, elas não veem ao caso; tais temas está restrito ao academicismo teológico e quase não atinge a grande massa de fiéis que não está interessado em saber qual pai grego alterou ou acrescentou o que seja, pois para eles, o que tem importância é a fé.
Bem, você conhece meu pensamento sobre muitas questões desse tipo, mas quando sinto cheiro no ar de intolerância religiosa minhas antenas ficam ligadas; o movimento gay já quer impor a mordaça a cristãos que não concordam com sua prática e ainda querem meter na cadeia como bandido quem tenha uma opinião diferente deles, o que para mim, também é absurdo.
Com toda certeza, o Tribunal teria muitas outras coisas para melhorar, inclusive na vigilância ética dos seus magistrados, do que ficar criando caso com o símbolo religioso da maioria cristã do Brasil.
Olá, amigos.
ResponderExcluirInicialmente, compartilho que não podemos considerar como "idiotice" este posicionamento dos desembargadores gaúchos apenas porque exist am questões maiores de ordem interna para se preocuparem.
Deve-se observar que a questão foi trazida por uma entidade da sociedade civil ao órgão colegiado do TJ-RJ e os desembargadores não poderiam deixar a parte requerente sem resposta com a simples alegação de que teriam outras cosias mais importantes para serem decididas. E aí o Tribunal jamais poderia deixar de enfrentar o caso posto para análise porque seria negar a prestação da atividade de seu órgão.
Sendo assim, não procede afirmar que "o Tribunal teria muitas outras coisas para melhorar, inclusive na vigilância ética dos seus magistrados". E, se a ética fosse impedimento de julgar a questão se o crucifixo pode ou não estar fixado nas salas de audiência do Poder Judiciário, certamente que tal raciocínio deveria valer para todo e qualquer processo. Ou seja, todos os magistrados então estariam sob suspeita e deveriam ser impedidos de decidir qualquer questão.
Logo, não acredito que seja este o caso. Ainda mais tratando-se do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, um dos mais avançados em termos de jurisprudência no país. Uma verdadeira referência em termos de ética e de aplicação do chamado "direito alternativo". Um Tribunal que diferencia-se em juito dos demais.
Continuando, passo a enfrentar as demais considerações exclusivamente colocadas pelo Eduardo:
ResponderExcluirEduardo: "A questão é que a cada dia, vemos no ar uma certa intolerância com o cristianismo em vários países. Qual seria "outro símbolo religioso" que foi retirado do Tribunal?"
Prezado Edu. Não acho que haja tanta intolerância assim com o cristianismo. Exceto nos países onde haja religião oficial, eis que o cristianismo consegue tranquilamente exercer a sua atividade proselitista em nações do Ocidente e da África. As igrejas só estão fechando as portas na Europa porque o povo está se tornando mais esclarecido. Nas Américas, porém, os evangélicos continuam crescendo.
Eduardo: "Ora, todo mundo sabe que existe no Brasil a separação entre Estado e religião e duvido muito que um crucifixo seja ofensivo para um budista ou seguidor de alguma religião afro-brasileira."
Para budistas e praticantes de religiões afro talvez não seja ofensivo um crucifixo pendurado na frente de uma catedral católica. Porém, estando na sala de um prédio público, inclusive no local onde ocorrem as audiências de julgamento, tem-se ali o sentimento de que ali também é um tribunal católico de um Estado cujas autoridades identificam-se com uma determinada seita do cristianismo.
Eduardo: "Acho totalmente inofensivo o crucifixo em Tribunais; ele é um símbolo que nos remete a um evento que ficou marcado pela "injustiça". - a morte de Jesus de Nazaré crucificado."
Pelas mesmas razões já expostas, considero que o crucifixo seja de fato ofensivo. A remissão a um evento supostamente marcado pela injustiça significa também a reiteração de um fato tido para muitos judeus como inverídico. E aí, se olharmos para os fatos do ponto de vista de um judeu cujos ascendentes foram perseguidos e injuriados pela acusação de serem os assassinos de Jesus, não será muito difícil compreender a ofensa. Pois seria como se o Estado estivesse apoiando aquilo que para algumas minorias é a mais pura mentira. E aí falo de minorias que não estão restritas ao academicismo teológico!
Prosseguindo...
ResponderExcluirEduardo: "e quase não atinge a grande massa de fiéis que não está interessado em saber qual pai grego alterou ou acrescentou o que seja, pois para eles, o que tem importância é a fé."
Aí eu te digo, Edu, que se a proposta constitucional é criarmos uma sociedade pluralista e não monocultural, não podemos permitir que a religiosidade da maioria chegue ao ponto de sufocar as minorias dentro de órgãos públicos. Neste sentido, uma amiga minha opinou de maneira bem colocada em seus comentários no Facebook. Ela escreveu que:
"Concordo com o Tribunal. É fato que o Estado é laico, porém, o povo é religioso, então, que manifestem sua fé dentro dos templos, da forma apropriada. Em órgãos públicos, sou a favor da neutralidade, sempre; é bom para todos. E não é por causa disso que a fé será abalada, com certeza." (Andrea Horto Martins)
Embora eu entenda que a manifestação religiosa não deva se dar apenas "dentro dos templo", mas também em praças e lugares de uso público ao ar livre, penso que, quando se tratar de órgãos públicos, torna-se inapropriada a colocação de um símbolo de uma determinada religião. Pois significa dividir um espaço onde deve também estar, por exemplo, a bandeira nacional. Pois trata-se da parede de um prédio usado pelo poder estatal.
Edu: "quando sinto cheiro no ar de intolerância religiosa minhas antenas ficam ligadas; o movimento gay já quer impor a mordaça a cristãos que não concordam com sua prática e ainda querem meter na cadeia como bandido quem tenha uma opinião diferente deles, o que para mim, também é absurdo."
Aqui, amigo, acho que você acabou viajando. Tudo bem que o requerimento foi formulado ao TJ-RS por uma ONG de lésbicas. Se existe por parte de grupos de defesa homossexual uma intolerância quanto ao cristianismo ou as religiões de um modo geral, cabe ao Estado tomar suas decisões com equilíbrio e sensatez avaliando o seu laicismo junto com a liberdade religiosa e com a liberdade de expressão, as quais são também valores constitucionais. Portanto, não deve ser a motivação do outro que deve me preocupar, mas sim a decisão tomada pelos agentes estatais. E aí penso que os desembargadores gaúchos posicionaram-se livres da tão falada "mordaça gay".
Abraços.
Pra mim é indiferente Rodrigão, com ou sem Crucifixo, embora reconheça uma possível rejeição por parte de outras expressões religiosas.
ResponderExcluirPois é, Franklin.
ResponderExcluirMas se pensarmos nas demais expressões religiosas, como bem colocou, principalmente naquelas que discordam do crucifixo, este parece-me inadequado para ser colocado numa sala de audiência.
Abraços.