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terça-feira, 6 de março de 2012

O diálogo do poeta consigo mesmo no Salmo 121

O Salmo 121 é um dos poemas bíblicos mais indicados para recitarmos nos momentos de aflição e buscarmos forças em Deus.

Por causa da mudança da primeira pessoa do singular (eu) para a segunda (tu), a partir do verso 3 do poema, é sugerido que ali o autor desenvolve um diálogo consigo mesmo afim de buscar paz interior. Algo que, de uns anos pra cá, descobri em minha experiência com Deus recordando-me de certas passagens bíblicas que me trazem força e esperança. Uma delas que procuro não esquecer é a segunda parte do versículo 33 do capítulo 16 do Evangelho de João.

No texto bíblico, ao indagar de onde viria o socorro, o salmista faz uma menção dos “montes” numa provável referência às montanhas da Judeia onde ficava o Templo de Jerusalém. Por este motivo, o poema é classificado como um cântico de subida, de ascensão ou de romagem – um shir lamaalot. Versos que os peregrinos entoavam quando se dirigiam para o monte santo de Sião afim de adorarem a Deus.

Pensando neste salmo, fico imaginando-me na figura de um andarilho caminhando com o seu cajado pela íngreme estrada que vai de Jericó até Jerusalém afim de participar de umas das principais festas do povo judeu. Ali, nas acidentadas encostas do Mar Morto, a geografia é bem seca. Totalmente o oposto da exuberante floresta atlântica da subida de Petrópolis ou das serras de Nova Friburgo (foto). Quase não se encontra nascentes naquelas montanhas de Israel. Chuvas são raridade e a vegetação torna-se bem escassa formando uma imagem dos difíceis problemas que enfrentamos nesta vida.

Contudo, a Divina Presença não se restringe a uma casa construída por mãos de homens situada numa colina específica de Israel. O Eterno é o Criador do céu e da terra (verso 2), estando acima de todos nós. Ele está mais elevado do que qualquer monte, do que as religiões dos povos, nossos pensamentos filosóficos, nossa limitada ciência e as nossas adversidades. Pois Deus é a Inteligência Superior que comanda o Universo e contém todos os corpos celestes, embora não seja contido por nada e por ninguém.

Apesar de sua onipotência, Deus é descrito pelo salmista como alguém que se importa conosco. Seu cuidado é compreendido pela figura de linguagem em que “Ele não permitirá que os teus pés vacilem”, indicando a proteção divina nos terrenos rochosos e escorregadios que compõem a nossa caminhada através dos desertos que atravessamos. Assim como são áridas as paisagens montanhosas da Judeia, o nosso trekking pela fisicalidade pode envolver a passagem por lugares traiçoeiros. Dentro da própria mente do peregrino existem muitos precipícios. Armadilhas a exemplo da autocomiseração podem levar uma pessoa a um estado improdutivo de prostração. Ou então quando alimentamos as mais irracionais preocupações acreditando que o pior ocorrerá a qualquer momento.

É nestas horas que não podemos nos esquecer de Deus!

O nosso Pai Eterno jamais nos desamparará. Quando tudo vai mal, precisamos dizer para nós mesmos que Deus não precisa dormir como fazem os homens que vigiam uma torre ou a portaria de um prédio (v. 4), ou muito menos age como a falsa divindade idolatrada pelos profetas de Baal, os quais Elias ridicularizou (1Reis 18.27). Logo, é o sentimento de segurança que deve ser alimentado porque, independentemente dos acontecimentos, estamos sempre nas mãos abençoadoras do Guardião de Israel.

Em sua epístola aos romanos, Paulo conforta os leitores de que nada poderá nos separar do amor de Deus. Admitindo a existência de tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo e guerra, o apóstolo assim conclui:

“Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou bem certo de quem nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8.37-39; ARA)

Prosseguindo na leitura do poema, podemos ver que a guarda e a proteção de Deus é então comparada com a nossa “sombra” pelo salmista (v. 5). Assim como a sombra de um homem sempre o acompanha, Deus também está sempre junto com seu povo. E a garantia de Sua Presença é mais forte até do que qualquer tratado celebrado entre os homens, sendo que nenhuma metáfora é suficiente para definir a fidelidade do Eterno. Nem mesmo a ideia de “aliança” mencionada por Moisés e pelos profetas.

Como consequência, podemos compreender que nada tem o poder de nos causar um mal verdadeiro. As intempéries do dia ou da noite (v. 6), ou qualquer acontecimento ruim deste mundo (v. 7), são incapazes de provocar dano à nossa alma. Pois esta é protegida unicamente por Deus que nos fez seres viventes, não sendo por menos que Jesus orientou os seus discípulos a não temerem os que podem “matar o corpo” (Mt 10.28a), pelo que o Senhor prossegue com o seu linguajar propositalmente hiperbólico:

“temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo. Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento do vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais.” (Mateus 10.28b-30; ARA)

Não creio que Jesus estivesse pregando acerca da existência literal de um inferno. Quando ele ensina que devêssemos temer a Deus, que pode destruir “tanto a alma como o corpo” seria justamente para afastar da mente de seus seguidores todo e qualquer temor. Pois é evidente que Deus não vai castigar eternamente e com tamanha crueldade a sua própria criação. Então, pelo que me parece, o sentido da mensagem é para que os ouvintes jamais temessem nada porque a alma de nós todos é eterna.

O último versículo, em que Deus guarda a nossa “saída” e a nossa “entrada”, estando conosco em todo momento (v. 8), temos a garantia de que o seu cuidado sempre nos acompanhou, antes mesmo de nascermos, sendo que jamais se apartará após a morte. Pois antes do dia do nosso nascimento, Ele já nos protegia. Até mesmo no momento anterior à concepção. E, quando enfim morrermos fisicamente, também estaremos para sempre com o nosso Pai Eterno.

Para concluir, gostaria de dizer que este Salmo não apenas consola as pessoas como nos fortalece para enfrentarmos melhor a vida. De modo nenhum a sua leitura serviria como um ópio para as dores do homem, visto que o poema cumpre a sua esclarecedora tarefa de nos mostrar a realidade que céticos e ateus recusam-se a aceitar. Ou seja, independentemente dos acontecimentos, mesmo sendo bons ou ruins, estamos e estaremos sempre salvos pela graça do nosso Criador.

Finalizando, compartilho a seguir um vídeo onde podemos apreciar este maravilhoso salmo cantado em seu idioma original – o hebraico.



Bendito seja Deus! O Pastor divino não se cansa de cuidar do seu lindo rebanho!


OBS: A primeira foto acima refere-se à Pedra da Catarina, no município de Nova Friburgo, tirada do Parque São Clemente (Country Clube). A segunda trata-se do mesmo local que, no passado, foi uma residência do poderoso Barão de Nova Friburgo, um dos homens mais ricos do Império.

4 comentários:

  1. Rodrigão, eu creio que Deus se importa com o ser humano e participa com sua criatura no sofrimento, no entanto não creio num Deus INTERVENCIONISTA e INTROMETIDO!

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  2. Franklin,

    Entendo que há uma forçação de barra entre muitos religiosos em querer idealizar uma divindade que se intromete e intervém a todo momento na história.

    Contudo, tenho aí meus pensamentos de queDeus pode intervir nas nossas vidas e na história, sim. Só que sua intervenção não seria como nós queremos e pode nos surpreender.

    Será que Deus tem um plano? Eu não descarto esta ideia. Mas o que acreditamos saber acerca dos planos divinos pode ser só uma leitura daquilo que tentamos fazer dos acontecimentos do Universo. E aí nem sempre temos a percepção da Hora.

    Há muito que se debater sobre este assunto e ressalto sobre a importância de não limitarmos Deus e nem ficarmos atribuindo tudo a uma intervenção Dele de maneira divorciada de nossas escolhas, isentando o homem da sua responsabilidade. Afinal, se nos foi dado o livre arbítrio, muita coisa que acontece foi imediatamente por causa do homem, das nossas ações e omissões.

    Minha posição nestas horas é permanecer sempre receptivo a Deus. Acordado e ao mesmo tempo não deixando de incluir o Eterno até nas pequenas coisas Tanto é que já orei até por uma simples agenda que tinha sumido...

    Abraços.

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  3. Bom dia, Franklin!

    Mesmo se você não cresse "da mesma forma" que eu, não haveria problema algum. Seria ótima contribuição para todos. Viva a pluralidade! (rsrsrs)

    Há uma canção judaica que, traduzida, assim diz:

    "Vem passear em Israel
    de mochila nas costas e cajado nas mãos.
    No caminho certamente reencontrarás
    a Terra de Israel."

    Penso que todos nos estamos aqui neste planeta caminhando com nossa mochila nas cosstas e cajado nas mãos. Nosso pensamento autêntico vai sendo formado pelas experiências que temos. Aí cada qual reencontra-se com a vida de seu jeito, o que considero muito belo, significativo e edificante para o coletivo.

    Vale lembrar que estamos todos ainda caminhando pela Érets Israel, em busca da nossa Ierushaláyim espiritual escondida dentro de nosso ser.

    Abração, meu mano.

    Paz!

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