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sábado, 2 de julho de 2011

Por que nós temos medo?

Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”. (Platão)

Mais difícil do que alguém dizer quais são os seus temores é tentar responder (ou entender) por que sente medo. Contudo, pode-se propor também a seguinte indagação:

Será que o nosso medo é algo real ou se trata de mais uma desculpa para permanecermos na situação na qual nos encontramos?

A frase do filósofo grego Platão (séculos V e IV a.E.C.), citada acima, fala sobre o “medo da luz”. E, quanto a isto, no Evangelho de João, há uma interessante passagem que diz o seguinte:


O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras. Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus.” (Jo 3.19-21; ARA)


Creio que este é o inevitável julgamento que a vida nos impõe: admitirmos para nós mesmos qual a exata natureza de nossas ações, deixando de lado o auto-engano (aproximar-se da “luz”). E, inegavelmente que tal clareamento vai produzir em nós uma transformação em essência. Isto porque o confronto com quem realmente somos mostra onde se encontram as fragilidade de cada um, aquelas feridas ainda não cicatrizadas e que estão bem lá no banco de dados da memória, mas que nós ainda recusamos a tratar.

Pode-se dizer que, neste sentido, a palavra transformação (trans-formação) significa ir além de uma forma (ou de uma fôrma). E para tanto é preciso estar disposto a não ser mais o mesmo sujeito travado, preso no seu comportamento vicioso e que não se importa com os maus hábitos e as compulsões.

A isto respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” (João 3.3; ARA)

Comparar a transformação da essência de nossas vidas com um “novo nascimento” traduz-se para mim como uma metáfora formidável quanto ao processo de mudança, o qual poderá ser tão impactante quanto um parto na vida de um bebê, capaz de provocar-lhe o choro característico em decorrência da entrada do ar nos seus pulmões. Porém, é uma condição necessária para vermos o “Reino de Deus” na nossa vida e assim desfrutarmos, aqui mesmo na Terra, uma experiência autêntica lidando melhor com o nosso eu.

Outrossim, o processo de transformação requer tempo através de um contínuo esforço pessoal afim de superarmos os nossos maus hábitos, os sentimentos doentios e os relacionamentos disfuncionais. Assim, se alguém sofre de compulsão alimentar, por exemplo, não vai ser de uma hora para outra que a pessoa tomará consciência de que o seu vício pode decorrer de uma tentativa errada de suprir carências emocionais e mais ainda sobre como ela vai aprender a lidar com as suas necessidades afetivas causadoras da sua compulsão.

Cabe aí um parênteses. Devemos compreender que cada um tem o seu próprio momento para o despertamento da consciência. Logo, é impossível a estipulação de um prazo para A, B ou C, bem como um indivíduo conseguir mudar o outro, fato que deve servir de impedimento para julgarmos o nosso semelhante conforme as experiências do próprio aprendizado.

Entretanto, é muito melhor quando podemos encarar o nosso drama com o apoio das outras pessoas sem gerar uma co-dependência patológica. E daí a importância de se procurar um grupo ou até mesmo um profissional durante a nossa caminhada. Então, fazer parte de uma comunidade realmente interessada em desenvolver a espiritualidade, sem alimentar ilusões ou fugas emocionais, pode contribuir em muito através de um ambiente amoroso e de compreensão mútua onde se torne possível compartilhar com segurança as nossas fraquezas recebendo do irmão o devido encorajamento.

Deve-se ressaltar que um grupo de apoio não se confunde com as falidas instituições religiosas. O espaço de uma igreja pode até servir para que pessoas comecem a se encontrar com um propósito verdadeiro de espiritualidade assim como o local das nossas casas e as reuniões do AA. E o ambiente necessário para que cada um possa falar de si mesmo em nada tem a ver com os “cultos” e “missas” que são celebrados por aí.

Finalmente, algo que não pode deixar de ser trabalhado em nossos corações é a confiança em Deus. Junto com o esforço pessoal, torna-se fundamental colocar a fé em ação, pedindo força ao Poder Superior pela via da oração sincera. Pois é o Eterno quem nos capacita a vencer todos os desafios que surgem pela frente.

O SENHOR é quem vai adiante de ti; ele será contigo, não te deixará, nem te desamparará; não temas e nem te atemorizes.” (Deuteronômio 31.8; ARA)

Portanto, não tenha medo. Descubra as reais motivações do seu temor e enfrente-as decisivamente!


OBS: A ilustração acima refere-se à obra de Maria Yakunchikova, "Fear" ("Medo"), feita entre os anos de 1893-1895.

6 comentários:

  1. Paz irmão!

    Venho contribuir com outra perspectiva no que tange ao MEDO.
    Creio que o medo é uma porta aberta para o diabo atuar na vida tanto do cristão quanto do incrédulo.

    Mas se estivermos firmados na Palavra que é o próprio Senhor Jesus, estaremos alicerçados no Perfeito Amor.

    "No amor não existe medo; antes o perfeito amor lança fora todo medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor."
    I João 4. 18

    Gostaria de receber a sua visita no meu blog, se gostar faça parte da árvore!

    Ósculo Santo!

    ***Shalom***

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  2. Oi Rodrigo, caso sério esse tema!

    Nossos medos na grande maioria das vezes, são válvulas de escape contra o enfrentamento de realidades latentes e pulsantes na alma.

    Enfrentá-los requer desistir de si mesmo, como produção de auto-justificação seja em que nível e formato for.

    Entendo que possa ser um processo vencê-los, a medida que vou abrindo mão de me proteger para deliberadamente vulnerabilizar-me frente a verdade que dói mas liberta.

    Como bem citou nossou irmão acima:"No amor não existe medo; antes o perfeito amor lança fora todo medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor 1ª João 4:18".

    Amor é a base: amor a verdade e consequentemente a si mesmo e a todas as interações e interagentes da vida.

    Um ABRAÇÃO e uma boa semana!

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  3. "o medo é uma porta aberta para o diabo atuar na vida tanto do cristão quanto do incrédulo."


    Olá, Lucy.

    Inicialmente, obrigado por sua visita em meu blogue.

    Com outras palavras, eu concordaria que aquilo que é diabólico (o que desagrega, desconcentra, desune, separa e afasta o homem sem direção) encontra um campo fértil nos medos.

    E aí, sem dúvida, que a Palavra de Deus, que é a Verdade com v maiúsculo (aquilo que Deus diz acerca do homem) pode nos libertar de todo e qualquer medo. Inclusive porque a Verdade une realidades, aproxima, congrega e converge os homens em direção a Deus num único feixe.

    Certamente que o perfeito amor de Deus leva-nos a sentir em paz diante da Suprema Realidade, sem nenhum temer diante Dele, exceto no sentido de ter a devida reverência pelo nosso Criador, o qual é bendito eternamente.

    Obrigado pelo convite sobre seu site.

    Abraços e fique na paz.

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  4. Olá, Franklin!

    Concordo com você de que realmente os medos são estas "válvulas de escape" e que o abandono da auto-justificação nos permite partir para um enfrentamento vitorioso.

    Em termos práticos, o que posso compreender é que, se não me preocupo mais em me proteger atrás de uma reputação moral, ou ser merecido por aquilo que faço, torna-se mais fácil admitir os erros e, debaixo da graça, tentar corrigi-los.

    Sem dúvida que, por ser um processo, lutamos a cada dia debaixo dessa graça tratando-nos com a Verdade. Pois, sabendo que somos amados por Deus pelo que somos, não pelo que temos ou fazemos, já não nos sentimos desvalorizados, ameaçados. Então, viver passa a ser um contínuo aprendizado.

    O versículo bíblico que os irmãos citaram foi ótimo e tem sua aplicação tanto na nossa relação com Deus como no que diz respeito a nós mesmos, nesta luta que travamos entre o querer fazer o bem contra o mal.

    Grande abraço e uma excelente semana pra você também.

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  5. Em todos os medos a uma essência básica que aponta a nossa dependência do outro, evidenciando que não somos autosuficientes e onipotentes.

    Enquanto houver o desconhecido ou o não familiar, o medo será sempre uma peça do nosso arsenal para enfrentar o mundo.

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  6. Pois é, Levi. Você "exorcisou" o medo (rsrs), mostrando o quanto é uma expressão natural do ser humano. E aí, ao invés de demonizá-lo, talvez seja melhor aprendermos a lidar com este sentimento, invesigando-o e o transformando numa leitura de nós mesmos, fazendo esta indagação: "Por que estou sentindo este medo?"

    Boas reflexões.

    Abraços.

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