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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Um manual de vida para o brasileiro do século XXI

O século XX foi um tempo marcado por grandes conquistas científicas e pela desconstrução de importantes valores que sustentaram a sociedade ocidental por mais de um milênio. Houve sangrentas guerras, revoluções, regimes autoritários e diversos conflitos violentos, mas não podemos deixar de considerar que todos estes acontecimentos vieram acompanhados dialeticamente da promoção dos direitos individuais, sociais e políticos, solidificando os ideais sonhados pelos filósofos iluministas do século XVIII.

Por outro lado, todo este processo de desconstrução levou o Ocidente a uma perda de raízes, fragilizando a sociedade para lidar com maturidade quanto aos assuntos do seu cotidiano. O afastamento da religião do poder secular e do sistema educacional moderno fez com que os ensinamentos de vida baseados na Bíblia ficassem restritos às esferas do lar e eclesiástica, quando uma família segue a orientação religiosa, de modo que a escola de hoje tem suas atividades absorvidas pelo despejo de um conteúdo informativo nas mentes dos alunos, incapaz de formar cidadãos. Principalmente no nosso tão desmantelado Brasil.

Enquanto isto, no Oriente, os livros sagrados e as práticas religiosas não se acham separados da vida em sociedade, mas influenciam toda a cultura desses povos onde jamais ocorre uma compartimentação da realidade (o sagrado e o secular formam uma unidade). Em muitos desses muitos desses países, as crianças aprendem desde cedo a lidarem com as suas emoções e desejos através da meditação, das artes marciais e da aplicação do ensino sapiençal. Mitos, metáforas, enigmas, narrativas, pensamento imagístico e provérbios integram o dia a dia do homem oriental, mantendo presente as suas tradições herdadas dos antepassados. E isto se vê mesmo nas sociedades modernas como Japão e Israel onde o povo busca integrar vida e conhecimento.

Contudo, livros sagrados estão se tornando cada vez mais estranhos para os ambientes cultos do homem ocidental que faz uma separação entre o espiritual e o secular. Mesmo a Bíblia cristã é até hoje mal compreendida. E aí o que as pessoas comuns acabam absorvendo dela muitas das vezes é a interpretação dada pelos seus líderes, visto que há passagens que requerem um senso poético e um grau de conhecimento mais elevado, envolvendo mais compreensão da história. Então, aquilo que padres e pastores falam na igreja vira lei. Sem falar que, por ser considerada uma obra de cunho religioso, a Bíblia não é aceita como fonte de autoridade pela sociedade inteira.

Foi refletindo sobre estas questões que tenho pensado em propor o projeto de um livro cujo texto seja escrito numa linguagem atual e se aplique aos problemas do nosso cotidiano, tornando-se um manual de consulta para toda a vida. Algo que seria apresentado à criança antes da alfabetização, ensinado em todas as séries escolares, reverenciado pelas instituições públicas como um símbolo da pátria e serviria para toda a vida adulta do indivíduo até sua morte.

Assim, nos momentos de sofrimento e de dificuldades, o leitor encontraria consolo nas páginas deste livro. Casais contariam com ensinamentos para manter a aperfeiçoar o relacionamento conjugal. Pais achariam ali um apoio para a educação dos filhos. E, afim de trabalhar as tensões emocionais das pessoas, estas seguiriam os exercícios de relaxamento, reflexão e auto-conhecimento.

Por sua vez, a cosmoética seria trabalhada constantemente no livro, instigando a racionalidade, o remodelamento do self sem incutir culpas, do incentivo à responsabilidade pessoal e coletiva, bem como da reverência pela vida como valor elevado que deve ser contemplado nas dimensões social e ambiental. Ao invés de basear-se em dogmas ou afirmações que tentam absolutizar a verdade, o livro estaria permanentemente aberto à mudanças através da refutação, do estímulo à pesquisa e ao debate entre os leitores.

Outras coisas que o livro também trabalharia seriam a consciência política e cidadã, o amadurecimento da democracia, o respeito pelo meio ambiente dentro da visão de reverência pela vida, a inclusão social, a construção de uma economia cooperativista e o combate à pobreza. A vida comunitária iria ser tratada como um precioso fato social e que requer a participação atuante e consciente das pessoas afim de que a coletividade humana possa desfrutar de uma melhor qualidade de vida. E aí a pluralidade seria sempre bem vinda e instigada.

Sem nenhuma pretensão de compor um livro sagrado que venha tomar o lugar das tradições já existentes, proponho algo que possa também ser manejado tanto pelas religiões como pelas escolas. Aliás, a minha ideia é buscar em passagens bíblicas capazes de enriquecer também o conteúdo junto com frases de filósofos, poemas da literatura de língua portuguesa, vários ditos proverbiais da cultura popular, letras de músicas, narrativas romanceadas sobre a história da humanidade e do Brasil capazes de transmitir ensinamentos de vida, além de trechos escritos por outros autores. Tudo numa linguagem bem didática e acessível.

Certamente que esta ideia ainda é um projeto aberto e que requer a contribuição e a participação de várias pessoas para ser executado. Colaboradores com diferentes aptidões iriam se unir para escrever uma carta de amor ao povo brasileiro, com o comando de que uma geração vá transmitir o conhecimento para outra. Assim, os tutores esboçariam o cânon desta “bíblia secular”, definindo os temas, a bibliografia que será consultada e a seleção de passagens das escrituras sagradas que não tornem o livro místico. Depois é só criar uma sociedade sem fins lucrativos para compor a obra, publicá-la, divulgá-la, atualizá-la e trabalhar para que, dentro de algumas décadas, ela venha a ser oficializada pelo Estado brasileiro.

11 comentários:

  1. Interessante sua proposta Rodrigo.

    Pensando hoje sobre vários assuntos ligados a vida comunitária, me lembrei do enredo composto pelo Gianfrancesco Guarnieri "Eles não usam Black-Tie".

    O conflito entre o idealismo revolucionário do interesse coletivo e os apelos egoístas da realidade individual, é o que norteia a estória que reflete o drama urbano.

    Trocando em miúdos, uns pensam em si próprio enquanto outros são mais nobres e doam sua vida num contexto mais amplo para o benefício de todos.

    Precisamos sim de idéias boas como essa que vc propôs para o progresso e bem geral da sociedade como um todo.

    Aguardo ansioso! Um ABRAÇÃO meu mano!

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  2. Rodrigão, faz bem poucos anos que a SBB lançou uma gande idéia, e não sei até aonde funcionou. Ela mobilizou intituições evangélicas e outros órgãos, para convidarem seus membros e pessoas das proximidades, para escreverem uma bíblia manual.
    A idéia era que essas bíblias fossem deixadas em biblotecas escolares e públicas e em outros locais de acesso ao público, tendo como maior interesse que os leitores fossem motivados por seu próprio trabalho, a ler a Bíblia. Cada um encontraria a sua própria letra ali.

    Eu mesma cooperei com a SBB entrevistando através de uma TV, o secretário geral da SSB. Infelizmente os mais desinteressados foram os pastores, pelo menos aqui em Aracaju. Parece que se alguém não tem olofotes em cima, a divulgação, mesmo da Bíblia, não lhe empolga.

    Sonhe e tente realizar. Beijos.

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  3. Olá FRANKLIN e GUIOMAR,

    Obrigado pelos incentivos vindos de vocês!

    Embora não me sinta apto para executar um projeto desses, penso em idealizá-lo e desde já resolvi compartilhar a ideia e apresentá-la através dos poucos canais de comunicação que tenho à disposição.

    Em outras palavras, quero chamar a atenção para a necessidade que temos na nossa sociedade de fincar as raízes do povo brasileiro. Raízes estas que não poderão germinar sobre a terra batida de uma estrada, nem sobre o punhadinho de terra de um pedregulho e nem ainda entre platas espinhosas, mas sim em terra fértil. E quanto a esta boa terra, eu consideraria uma futura geração ainda sem os vícios das atuais e que se torne educada para ouvir, pensar e meditar. E aí a companhia de um livro escrito pelos tutores de um novo Brasil poderá servir de farol para o futuro e ser ao mesmo tempo algo aberto, nunca dado em si mesmo, mas em permanente construção.

    Abraços.

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  4. Em tempo!

    GUIOMAR,

    A ideia de uma "bíblia manual" também é excelente! Mas uma nobre iniciativa desta certamente não deixaria de enfrentar o preconceito anti-religioso da sociedade, principalmente dos secularistas, ateus, agnósticos e pessoas de outras religiões contrárias as Escrituras (ou que reivindiquem o status de sagrado aos seus livros).

    Sendo assim, adoto como estratégia colocar a Palavra de Deus implícita no trabalho, dando sentido a este, mas respeitando a ideia de laicismo estatal para que amanhã a tal "bíblia" possa ser adotada como um símbolo nacional, o que seria uma maneira mais criativa de transmitirmos a vivificante mensagem evangelística na qual cremos. Por exemplo, podemos escrever sobre os 10 mandamentos usando esta linguagem onde falo das 10 tragédias da vida:

    "É trágico alguém passar a vida preso dentro de si e de suas variadas cobiças.
    É trágico alguém passar a vida na mentira, precisar de máscaras para relacionar-se com o próximo.
    É trágico alguém passar a vida consumindo a energia alheia e não desenvolver a capacidade de se tornar um doador.
    É trágico alguém passar a vida colocando os prazeres sexuais como alvo da felicidade a ponto de se tornar escravo do sexo.
    É trágico alguém passar a vida cultivando inimizades e maldades em relação ao próximo.
    É trágico alguém passar a vida sem vencer traumas de infância em relação aos seus pais.
    É trágico alguém passar a vida sem nunca descansar de seus desejos e delírios. Nunca parar para apreciar um por do sol, pássaros brincando ou uma música tocando.
    É trágico alguém passar a vida fazendo uma rotina sem sentido suas atividades, a ponto de lidar com o caráter essencial das coisas como se fosse algo vão.
    É trágico alguém passar a vida construindo castelos de areia em seus corações, achando, por exemplo, que o dinheiro é tudo e não mais ouvir a voz de Deus.
    É trágico alguém passar a vida sem reverenciar a fonte da sua existência e alienar-se quanto ao mistério que nos cerca."

    Abraços.

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  5. "faz bem poucos anos que a SBB lançou uma gande idéia, e não sei até aonde funcionou. Ela mobilizou intituições evangélicas e outros órgãos, para convidarem seus membros e pessoas das proximidades, para escreverem uma bíblia manual (...) Infelizmente os mais desinteressados foram os pastores, pelo menos aqui em Aracaju. Parece que se alguém não tem olofotes em cima, a divulgação, mesmo da Bíblia, não lhe empolga"


    Em tempo 2!

    Importante observação, GUIOMAR!

    Pra mim, a maneira como a SBB iniciou é que pode não ter sido correta.

    Acho que um projeto precisa começar com gente interessada. Pessoas capazes de doar aquilo que têm e ainca captar recursos para investir.

    Infelizmente, muitas instituições quando querem iniciar algo já vão direto aos cobrões e pessoas que eles julgam ser catedráticos e que pelo conhecimento que têm poderão contribuir.

    No entanto, parece que Deus veio contar justamente com gente muito simples para que as narrativas bíblicas fossem criadas. A Torá, por exemplo, não foi escrita pelos melhores contadores de história. Os profetas que suceeram Moisés não eram grandes experts e nem faziam parte do sacerdócio judaico (Jeremias, por exemplo, fazia parte do ramo rejeitado de Abiatar). E também os primeiros evangelistas, que entregaram uma mensagem oral e não escrita, foram os humildes pescadores que andaram com Jesus e suas tradições apostólicas foram décadas depois registradas pelas letras gregas.

    Assim, acredito que uma escola de escritores pode surgir através de gente entusiasmada e que verdadeiramente ama aquilo que faz. Gente que quer escrever uma carta de amor ao povo brasileiro e dar raízes a esta nação preparando-a para sobreviver ao século XXI e encarar evolutivamente o terceiro milênio.

    Bem, minha ideia está lançada e não faço questão de que os autores sejam destacados membros da Academia Brasileira de Letras...

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  6. Aprecio muito os mitos contidos no Livro Sagrado Ocidental. São eles que revelam o funcionamento das instâncias psíquicas do Homem ocidental.

    As mitologias da Criação falam de seres antropomorfizados. Todas as facetas que herdamos da tradição hebraica e cristã, advém desse fascinante livro - responsável pelas marcas que carregamos até hoje.

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  7. Caro Levi,

    Obrigado pelo seu comentário!

    Também sou um grande apreciador da Bíblia, Levi, embora não a chamaria de "Livro Sagrado Ocidental". Exceto o Novo Testamento. Isto porque as Escrituras Hebraicas são para mim um importantíssimo livro sagrado do Oriente ain da que os judeus tenham se envolvido posteriormente com a racionalização grega como se vê, por exemplo, no pensamento do sábio medievalista Maimônides.

    No entanto, entendo que o mundo evolui e que a revelação divina não terminou com o Apocalipse e nem com o profeta Malaquias. E aí considero que precisamos escrever livros nascidos dentro da nossa cultura brasileira, de língua portuguesa, com tradições portuguesa, espanhola, italiana, alemã, judaica, siro-libanesa, afro e indígena. Temos já 5 séculos de história e quase dois de independência, o que nos servem de base para começarmos a caminhar com raízes neste mundo. E isto independe de sermos um Estado derivado, plantado pelos portugueses. Pois, mesmo o Brasil não sendo originário, ele já conta com várias gerações nascidas após o mitológico Grito do Ipiranga (me sobrenome Ancora da Luz é genuinamente brasileiro e decorreu de dois casamentos entre a família Ancora vinda em 1808 com D. João VI e os Luz de Florianópolis cuja origem era de imigração açoriana no século XVIII).

    Certamente que a Bíblia é de enorme importância para a nossa cultura, mas o seu manejo em escolas está se tornando cada vez mais difícil. Mesmo nas aulas de religião, fica difícil ministrá-la com profundidade aos alunos e acho que, nas escolas bíblicas das igrejas, o professor sente muitos obstáculos em explicar conceitos encontrados nas narrativas que não são de nossa cultura e nem do nosso tempo. Há pontos que nem os exegetas judeus e cristãos conseguem explicar!

    Minha ideia é jamais descartar a Bíblia Sagrada. Antes aproveitar preciosas passagens dela na organização desta "bíblia brasileira", a qual nem quero que se torne um livro sagrado, mas sim um manual de vida para formar a nossa população, dando a ela ensinamentos sábios, identidade cultural, respeito pelo patrimõnio coletivo, sensibilidade ambiental, noções dde cidadania e amor pela Vida.

    Obrigado mais uma vez por participar de meu blogue, Levi.

    Abração!

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  8. Rodrigão, vou ler com calma o que você me disse. Coloquei para você apenas o exemplo, como este aqui: Pobreza e Justiça será lançada pela sociedade Bíblica do Brasil em setembro no Encontro Nacional da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS). A publicação traz versículos em destaque e cinquenta tópicos com temas ligados à pobreza e justiça, organizados em um roteiro que estimula a pesquisa, a imaginação e a meditação.
    Nos textos introdutórios, os editores incentivam o leitor a encontrar também outros textos relacionados ao assunto.
    Ainda na introdução lemos que: "Deus tem um interesse apaixonado pela justiça, a fim de combater a pobreza. A preocupação com os pobres e a ênfase na conduta honesta e justa fluem pela Bíblia como um rio.

    Abraço.

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  9. Oi, Guiomar!

    Que trabalho excelente, este! Muito bom!

    Quem diria que há 30 anos atrás os evangélicos seriam capazes de algo assim?! Pois, naquela época, eram os padres seguidores da Teologia da Libertação que se preocupavam com o social e eram combatidos pelo clero conservador do catolicismo. Já os evangélicos não estavam nem aí.

    Hoje a coisa mudou. A própria Teologia da Libertação evoluiu e precisou considerar outros aspectos como a questão ambiental e passou a se desvincular do catolicismo, caminhando mais em direção á cosmoética. Por sua vez, passou a predominar no catolicismo romano a imitação de práticas fundamentalistas dos neopentecostais afim de competir com este grupo.

    Assim, recebo com alegria esta sua notícia e espero que, no futuro, as igrejas evangélicas possam promover debates no país inteiro, em cada comunidade, afim de que os problemas locais e nacionais sejam debatidos e o estudo da Bíblia ganhe uma aplicação mais prática e as preocupações dos crentes não fiquem apenas restritas a determinados pecados como as relações sexuais ilícitas, embriaguez, uso de drogas, consumo do tabaco, idolatria e cultos de outras religiões.

    Abraços.

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  10. Rodrigão, seus comentários são verdadeiros compêndios carregados de detalhes e sutilezas típicos de um amante do saber.

    Vou fazer do seu comentário a Guiomar um post para publicar no conexão da graça.

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  11. Valeu pelo incentivo, Franklin!

    Fique a vontade para divulgar.

    Abração.

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