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quarta-feira, 25 de maio de 2011

A importância da oração

"Orar é derramar o coração diante de Deus".
(Friedrich Heiler)

É muito interessante notar que, em todas as religiões e culturas, a oração é milenarmente praticada ainda que sob diferentes maneiras, expressando os variados sentimentos humanos como a gratidão, a culpa, a alegria, a tristeza, o amor, a raiva e a solidão. Pela oração louvamos, adoramos, desabafamos os nossos problemas, reconhecemos as coisas boas proporcionadas pela vida e também apresentamos as nossas necessidades através de pedidos. Aliás, diga-se de passagem que pedir coisas a Deus é uma das coisas que as pessoas mais costumam fazer nos dias de hoje.

Segundo a Torah, teria sido Enós (ou Enosh), o terceiro patriarca pré-diluviano, quem teria começado a invocar o nome de Deus (Gênesis 4.26), muito embora o nome Iahweh, geralmente grafado como SENHOR na maioria das traduções bíblicas, parece ter sido conhecido somente a partir da época do êxodo dos israelitas (Ex 3.13-14).

Todavia, não importa como o Eterno foi originalmente chamado pela errante humanidade (enoshut) ou se o "neto" de Adão, que viveu apenas 905 anos (Gn 5.11), teria sido um personagem histórico. O que se mostra mesmo relevante em tal passagem bíblica é o fato de que, num determinado momento do passado remoto, o homem mortal (consciente de sua vulnerabilidade e necessidade) começou a procurar Deus. E isto se deu, provavelmente, numa época quando não havia ainda igrejas, templos, escrituras sagradas, terços, rosários, seminários teológicos, cantores de música evangélica, nem padres, pastores, rabinos, mulás ou qualquer tipo de cargo sacerdotal. Inclusive, nem havia reis ou classes sociais, mas apenas clãs espalhados pela face da Terra, vivendo ainda como nômades ou tentando se sedentarizar às margens de algum rio e tentando sobreviver no meio de uma natureza ainda selvagem.

Enquanto em algum momento da pré-história surgiu a tendência de orar, muitos dizem que, hoje em dia, tem-se configurado um comportamento contrário e apático. É uma constatação de que, nas atuais sociedades do Ocidente, as pessoas oram muito pouco e até mesmo os que frequentam alguma igreja têm relaxado quanto a esta prática que, de acordo com os evangelhos, jamais foi negligenciada por Jesus.

Mas será que a tendência de invocar a Deus não teria sempre convivido com as dificuldades do homem em orar?

Penso que sim. Pois é daí é que deve ter vindo a figura do sacerdote. Alguém ostentando poderes xamânicos e que se coloca como um intercessor do povo, fazendo contatos com o além. Logo, desde os primórdios, ao tentar invocar a Divindade, o homem cometeu o equívoco de delegar para uma outra pessoa a tarefa de ser o seu mediador, deixando ele mesmo de orar diretamente a Deus, uma profanação do relacionamento de maior intimidade que Adão e seus filhos chegaram a estabelecer numa comunicação que parecia ser um diálogo bem natural e espontâneo, mesmo depois da queda.

Segundo o terceiro Evangelho, os próprios seguidores de Jesus pediram ao Mestre que lhes ensinasse a orar da mesma maneira que João Batista havia feito com os seus discípulos (Lucas 11.1). Assim, o Messias nos deu um modelo de oração que ficou popularmente conhecido como o "Pai-Nosso" (Lc 11.2-4) que costuma ser repetido dominicalmente nas missas católicas conforme a versão mais completa contida no Sermão da Montanha (Mateus 6.9-13).

Recitar o Pai-Nosso, os salmos de Davi ou as orações redigidas por alguém, nunca seria demais e até ajuda nos momentos quando nos faltam palavras. Só que não podemos esquecer que Jesus apenas ensinou um modelo, na certa exemplificando e enfatizando os temas nos quais devemos nos basear. E aí, sem tentar fazer um detalhamento prolongado do Pai-Nosso, parece-me que o Senhor desejava que entendêssemos melhor estes pontos: a santidade do caráter divino; o propósito de construção do reino celestial nos corações humanos que é confirmado pela vontade de Deus através de um paralelismo no texto de Mateus; que as petições devem se voltar para o suprimento de necessidades relacionadas a um cotidiano real; o momento em que busco retornar ao caminho certo relembrando os erros praticados (coisa que os judeus fazem com a prática do Teshuvá) precisa incluir a minha compreensão acerca do comportamento do próximo aceitando as pessoas como elas são; e contar com Deus para perseverarmos no propósito benigno de submissão à sua vontade e construção do reino celestial.

Eu poderia me aprofundar mais no Pai-Nosso e sei que existem vários livros já escritos a respeito da oração ensinada por Jesus. Prefiro, porém, deixar isto para uma outra ocasião porque considero no momento mais relevante relacionar a oração com a fé. Isto porque se trata de um ato em que o homem desafia e vence aquele tipo de dúvida que, no fundo, quase todos têm e só poucos são corajosos para admitir:

Será que a minha oração foi ouvida por Deus ou estou esquizofrenicamente apenas falando comigo mesmo?

Tenho pra mim que esta angustiosa dúvida será sempre um grande mistério na oração e pode fazer a nossa fé evoluir quando optamos por um comportamento determinado em continuar esperando em Deus e buscando compreender a pedagogia dos acontecimentos da vida. Pois, mesmo que uma tragédia ocorra após eu ter feito as minhas orações, mostro que estou crendo ao continuar nutrindo minhas esperanças através da perseverança e de ações condizentes, coisa que uns fazem com entusiasmo enquanto outros quase desfalecendo em seus ânimos mas que também expressa fé.

Por outro lado, a oração não atendida pode ser motivo para que venhamos a refletir melhor se as petições que fazemos não estão indo contra a orientação do Pai-Nosso, sendo que, neste sentido, tornam-se bem pertinentes as palavras escritas na sua epístola de Tiago: "pedis e não recebeis, porque pedis mal para esbanjardes em prazeres" (Tg 4.3; ARA) ou "(...) gastar para vossos prazeres" (TEB).

Com exceção dos casos em que as pessoas fazem da prática devocional uma desculpa para não enfrentarem os problemas do cotidiano, deixando de assumir as consequências do próprio ato, orar torna-se uma maneira muito saudável de viver um dia de cada vez. Principalmente se a oração estiver em consonância com as ações praticadas em prol de um resultado positivo, como pode ser lido nesta parábola contada pelo padre jesuíta Anthony de Melo (1931-1987) cuja obra foi postumamente condenada pelo então cardeal reacionário Joseph Ratzinger (o atual para Bento XVI):


"Certo homem, ao passear pela floresta, viu, admirado, uma raposa sem as patas traseiras. Perguntava-se, em sua mente, como o pobre animal faria para sobreviver, quando um fortíssimo tigre apareceu repentinamente, trazendo entre os dentes, caça nova. A fera comeu o quanto quis, deixando o restante do lado da raposa. Assim o homem compreendeu como a raposinha lograva sobreviver na selva hostil: 'Maravilha! A providência divina nutre a raposa por meio do tigre. Permanecerei também eu, deitado em um caminho da floresta, confiando na bondade do Senhor, o qual há de me enviar o necessário!' Passaram-se vários dias, quando uma equipe de socorro finalmente encontrou o homem desacordado no meio da floresta. Após reanimá-lo, o chefe da equipe quis ouvir dele porque não conseguira voltar para casa, e o homem lhe contou o ocorrido. O outro então lhe respondeu: 'Você é idiota? Não percebe que deveria imitar o tigre, animal autônomo, e não a raposa aleijada?'" (extraído do livro "Onde a religião termina?" do ex-frei Marcelo da Luz, pág. 91)


Que Deus nos dê forças para que possamos ao mesmo tempo orar e agirmos com a valentia de um tigre lutador! Afinal, tanto a raposa aleijada quanto uma fera do campo dependem igualmente da Divina Providência. Contudo, algo me diz no íntimo que o Criador alegra-se em contemplar o despertamento do tigre em cada um de seus filhos. É quando o Espírito de Deus age com o nosso espírito.


OBS: A ilustração acima refere-se à obra Mãos em oração do pintor e desenhista alemão Albrecht Dürer (1471–1528) e que se encontra na Galeria Albertina, em Viena (Áustria).

4 comentários:

  1. Complementando o texto publicado hoje no blogue, recomendo a leitura do livro "Oração: ela faz alguma diferença?" do escritor norte-americano Philip Yancey que é publicado no Brasil pela Editora Vida. É nesta obra que ele enfrenta certas questões do tipo: "Deus está me ouvindo? Por que Deus se interessaria por mim?"

    Mais informações em: http://www.editoravida.com.br/loja/product_info.php?products_id=496

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  2. Rodrigo, conto com sua compreensão para usar um espaço tão grande e postar aqui um comentário do que já escrevi anteriormente sobre oração:

    Parte 01

    Como é intrigante observar a relação que pessoas de determinados currículos religiosos evangélicos desenvolvem com a oração.

    É incrível, como algo que deveria ser leve e prazeroso e que foi estabelecido pelo Eterno como um meio de interação de amizade e amor entre o Criador e a criatura, independente do gueto religioso à que pertence o indivíduo, se tornou em metodologias maçantes, massificadas e pragmáticas de manipulação e “amansamento” do Divino.

    Não é difícil você entrar em uma livraria de cunho religioso evangélica, e se deparar com títulos tais como (qualquer semelhança é mera coincidência): “Sete passos para uma oração respondida” / “A oração do justo e seus efeitos” / “Aprendendo a orar da forma correta” / “Como ter suas orações respondidas?” / “Movendo o invisível através da oração”, etc., temas esses com tamanha criatividade e imaginação de causar inveja em Dostoievski e reduzir sua obra Os Irmãos Karamazov a um simples comentário.

    Aliás, recorrendo ainda a Dostoievski, certo dia uma pessoa me interrompeu em uma conversa e citou um trecho de sua obra dizendo o seguinte: “Se Deus sabe tudo e sabe do que eu preciso, pra que eu preciso rezar ?”.

    Minha resposta de pronto foi: “Não rezamos para informar Deus sobre nossas necessidades, e sim para ter amizade e relacionamento em amor com Ele”.

    A oração que deveria ser uma conversa despretensiosa, livre de argumentações teológicas, projeções egocêntricas, terrorismos psicológicos com o nosso “Pai Celestial”, transformou-se em técnicas e metodologias de voz de comando das realidades espirituais.

    Campanhas marketeiras com a intenção de promover e produzir “adeptos de um clube religioso”, alastram-se como câncer numa cultura onde não se sabe discernir o certo do correto, pois, pode dar certo, mas minha pergunta é: “Está Correto?”, “É Honesto?”.

    Essa histeria em querer traduzir a oração em uma prática tangível e perceptível pelas dogmatizações de uma espiritualidade produtiva e funcional, só revela que “ISSO É COISA DE QUEM NÃO ORA, ORA BOLAS...”.

    Não quero menosprezar nem mesmo desmotivar a fala verbalizada com Deus, pois estaria contradizendo as Escrituras e a própria relação explícita nos Evangelhos do “Filho de Deus com o Pai”, nem tampouco me eximir não da responsabilidade, e sim do privilégio de tal prática, mas o fato é que a oração vai além dessas percepções paganizadas.

    Não tenho a intenção de defender aqui também com unhas e dentes o que se chama de “oração contemplativa” ou “yoga evangélico”, mas para mim, orar é submeter todo meu ser a revelação da “Verdade” intrínseca em mim, de maneira que não venha gerar nem fobia, nem utopia, nem histeria, mas alegria de saber que sou fruto da Graça de Deus!

    A maior leitura que se pode fazer de uma vida de oração, é uma existência que converge na prática da revelação do Evangelho que está escrito em si mesmo pelas “Penas do Eterno”, e isso torna-se tão evidente no dia a dia que me transformo então no que disse Paulo: “Vós sois a nossa carta, escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens: Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” 2ª Coríntios cap. 3 vs. 2,3.

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  3. Parte 02

    A oração em algumas consciências perdeu a sua essência e transformou-se em:

    Controle Remoto: Com ela as pessoas determinam, decretam, exigem, proíbem, manipulando assim o que transcende, pois o “faça-se a Sua vontade assim na terra como no céu”, não faz parte de suas frases prediletas.

    Disque Denúncia: Uma lamúria sem fim, uma eterna “santa entrega” daqueles que nos feriram e vivem nos caluniando, um choramingar irritante das tribulações terrenas.

    Despacho Gospel: Com ela as pessoas amansam e aplacam o “chilique” de um Deus iracundo, inacessível, e fundamentalmente terrorista que gosta de azucrinar o mísero e deplorável verme humano.

    Título de Capitalização: Através dela abrem-se as portas da prosperidade, pessoas são informadas do mercado financeiro, no que investir, no que trabalhar, o que não comprar, e se a crise que não é coisa de crente se instalar é só dizer: “Abre-te Sésamo” em nome de Jesus!!!

    Produto de Polishop: Rendem fortunas aos marketeiros e mercenários inescrupulosos, que sem conteúdo e compromisso com o Reino, vendem a fórmula que abre os céus em milhares de exemplares, para alavancar seus “Business Gospel”.

    Sucesso de Rita Lee: Ôh! Ôh! Ôh! Lança! Lança Perfume!... Desbaratina... Me aqueça! Me vira de ponta cabeça... Me faz de gato e sapato, Me deixa de quatro no ato...

    O barato é ficar doidão e curtir uma onda em oração.

    É ter a sensorialidade anestesiada, para uma alucinada e narcotizada experiência que me projete para fora da realidade, e me liberte momentaneamente das crises existenciais.

    Neurose Devocional: Patologia espiritual que necessita de tratamento com drágeas da Graça.

    Com a intenção de se estabelecer um relacionamento profícuo com Deus, alguns apelam para as neuróticas dinâmicas oratórias de uma espiritualidade que não descansa nunca enquanto não cumpre a obrigação do dia.

    Nada contra a devocionalidade e tudo a favor, desde que não seja resultado da tentativa de convencer Deus ou se auto convencer, tranqüilizando a consciência com a possibilidade de uma falsa e insustentável espiritualidade que se apóia em obras.

    Se a oração tem causado inquietação, é porque “Isso é coisa de quem não ora, ora bolas...”

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  4. Olá, Franflin!

    Valeu pela contribuição! O que você colocou vem complementar a minha mensagem. Concordo com muita coisa.

    Abração!

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