Grande parte do mundo cristão ainda tem uma visão deturpada a respeito da sexualidade, algo que interfere na qualidade de vida de muita gente pode até limitar o crescimento espiritual.
Dentro das igrejas, o pecado sexual costuma ser visto como a maior de todas as transgressões, algo escandaloso e desmoralizador. Algumas comunidades chegam a banir do convívio entre os irmãos, e até da celebração nos cultos, pessoas que cometem adultério, jovens que mantêm relações sexuais sem estarem casados e os homossexuais, muito embora tolerem fofocas, mentiras, falsidades e a abominável manipulação do povo de Deus por lideranças que só visam o poder.
É possível que a raiz desse comportamento de falsa pureza tenha a ver com a invenção acerca da virgindade eterna de Maria e também com a imposição do celibato aos padres católicos, duas aberrações teológicas que negam a vida.
Ao contrário do que prega o catolicismo, os Evangelhos não afirmam que Maria tenha permanecido virgem até morrer. Os livros que homenageiam Mateus e Lucas relatam que de fato Jesus nasceu de uma virgem, mas também mencionam que o Senhor teve também irmãos e irmãs, dentre os quais dois escritores das epístolas universais do Novo Testamento (Tiago e Judas), o que dá a entender que Maria e seu esposo José fizeram sexo.
Neste sentido, pode-se dizer que o texto bíblico de Mateus diz claramente que a abstinência de relações sexuais de Maria só durou mesmo até o nascimento de Jesus, inexistindo ali qualquer afirmação capaz de confirmar o dogma católico de virgindade eterna:
“Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa. Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus.” (Mt 1.24-25 - Nova Versão Internacional – NVI)
A explicação para o nascimento virginal de Jesus em nada tem a ver com a ideia de que o sexo seja algo impuro. Além disso, pelo texto hebraico da profecia de Isaías 7.14, que é diferente da tradução grega da Septuaginta, usada pelo escritor de Mateus, nem haveria necessidade de que o Messias precisasse nascer de uma virgem. Isto porque o termo usado pelo profeta foi
´almah que designa jovem em idade de casamento, enquanto que bethulah sim é que seria a palavra específica para virgem. Contudo, é óbvio que as jovens hebraicas costumavam ser entregues pelo pai ao marido quando ainda virgens ou do contrário o matrimônio poderia ser anulado e a moça apedrejada.
Mas então por que Jesus não era filho de José e foi gerado pelo Espírito Santo de Deus no ventre de Maria?
Embora uma convincente explicação teológica afirme que se Jesus fosse filho de José com Maria, teria sido portador do gene do pecado, pra mim suficiente o entendimento de que, apenas pela concepção sobrenatural, o Messias poderia ser chamado de Filho de Deus o que, por sua vez, significa a encarnação da própria divindade – o Emanuel (“Deus conosco”):
“Por isso o Senhor mesmo lhes dará um sinal: a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel”. (Is 7.14)
Quanto ao celibato, inexiste qualquer fundamento bíblico que obrigue os ministros do Evangelho a se abster do casamento e do sexo. O apóstolo Paulo que é tido como um celibatário por opção, segundo consta no verso sete do sétimo capítulo da primeira carta aos coríntios, também escreveu estas instruções a seu discípulo Timóteo:
“O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada e proíbem o casamento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças pelos que crêem e conhecem a verdade. Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração.” (1Tm 4.1-4)
Na visão das Escrituras hebraicas, isto é, do nosso Antigo Testamento bíblico, o casamento e a fertilidade sempre foram honrados no meio dos israelitas. Ao contrário do clero católico, o sacerdócio no templo judaico, no que diz respeito à apresentação das ofertas, jamais poderia ser exercido por um homem que fosse portador de determinados defeitos físicos, dentre os quais a incapacidade de gerar descendentes, o que, na versão de João Ferreira de Almeida, é traduzido com o termo “testículo quebrado” (ver Levítico 21.17-20).
No
Shir Hashirim, livro clássico da poesia lírica hebraica que também se apresenta nas nossas bíblias como Cântico dos Cânticos, a sexualidade (tanto do homem quanto da mulher) é enaltecida de modo que a obra chega a conter alguns versos que poderíamos de certa maneira considerar como “picantes”, senão vejamos algumas passagens:
"Ah, se ele me beijasse, se a sua boca me cobrisse de beijos...
Sim, as suas carícias são mais agradáveis que o vinho" (1.2)
“Leve-me com você! Vamos depressa!
Leve-me o rei para os seus aposentos! (1.4)
“O meu amado é para mim como uma pequenina bolsa de mirra
que passa a noite entre os meus seios” (1.13)
"Você é um jardim fechado, minha irmã, minha noiva;
você é uma nascente fechada, uma fonte selada.” (4.12)
"Acorde, vento norte!
Venha, vento sul!
Soprem em meu jardim,
para que a sua fragrância se espalhe em meu redor.
Que o meu amado entre em seu jardim
e saboreie os seus deliciosos frutos." (4.16)
"Entrei no meu jardim, minha irmã, minha noiva;
ajuntei a minha mirra com as minhas especiarias.
Comi o meu favo e o meu mel;
bebi o meu vinho e o meu leite." (5.1)
Na parte que fala sobre o "jardim", o texto refere-se à relação sexual do casal. Reparem no texto que a esposa até um certo momento era um "jardim selado" (virgem). Quando, então, o rei entra no jardim, a relação sexual é consumada.
Embora os preceitos da
Torah fossem bastante rígidos quanto ao adultério, o homossexualismo e as relações incestuosas, seria um equívoco achar que a sociedade israelita, na época em que teria sido escrito o
Shir Hashirim (século X a.C.), vivesse debaixo de uma angustiosa repressão moral a ponto de inibir as expressões da sexualidade tal como passou a fazer a Igreja na Idade Média.
Outra passagem que se encontra em Gênesis dá a entender que o sexo na cultura hebraica podia ser experimentado de forma plena entre um casal. A narrativa conta que Isaque, o filho prometido de Abraão, encontrava-se na região de Gerar já fazia muito tempo. Certo dia, Abimeleque, rei dos filisteus, estava olhando do alto de uma janela quando viu Isaque
acariciando Rebeca, sua mulher (Gênesis 26.8).
Bem, o verbo hebraico que corresponde à palavra "acariciava" escolhida pelos tradutores da Bíblia para o português seria
brincar e que vem da mesma raiz do nome do patriarca Isaque (Riso). Ora, isto pode significar que Isaque e Rebeca estavam fazendo uma brincadeira de conteúdo sexual, coisa que gera perplexidade para o moralismo equivocado dos tradutores da Bíblia e até mesmo para boa parcela do público de leitores dos livros sagrados.
Como se vê, uma vida sexual apimentada e intensa entre um homem e sua mulher é benção de Deus. Trata-se de uma dádiva que deve ser mesmo recebida com orações e ações de graças, conforme escreveu Paulo a Timóteo no texto citado, de maneira que a união do macho com a fêmea celebra um verdadeiro culto ao Criador.
Para terminar, faço menção desta citação do livro de Provérbios em que o autor, depois de fazer uma séria advertência contra o adultério, inventiva o homem a se alegrar no relacionamento com a sua mulher:
"Seja bendita a sua fonte!
Alegre-se com a esposa da sua juventude.
Gazela amorosa, corça graciosa;
que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer,
e sempre o embriaguem os carinhos dela." (Pv 5.18-19)
OBS: A ilustração acima refere-se a uma obra do pintor alemão Albrecht Altdorfer que viveu entre os anos de 1480 a 1538.
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