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domingo, 29 de agosto de 2010

Os cristãos e a prevenção contra a AIDS

Por muitos anos, principalmente na década de 80, a AIDS esteve relacionada aos chamados “grupos de risco”, dentre os quais costumavam incluir os homossexuais, as profissionais do sexo, os usuários de drogas injetáveis e até mesmo os homofílicos. Era comum ouvir religiosos discursando que o aparecimento da doença seria uma espécie de castigo de Deus para quem tivesse relação sexual com pessoas do mesmo sexo, numa preconceituosa associação com a destruição das cidades Sodoma e Gomorra relatada no livro de Gênesis.

Entretanto, nos anos 90, essa ideia foi se tornando ultrapassada e casais começaram a ser diagnosticados como portadores do vírus HIV. Mulheres que estavam casadas há décadas com seus maridos, sem jamais terem praticado atos de infidelidade conjugal, tornaram-se vítimas inocentes dessa terrível enfermidade que passou a se manifestar não apenas entre os jovens mas também no meio de pessoas de meia idade e até entre idosos.

A partir daí, pode-se dizer que a sociedade brasileira foi tomando uma maior consciência dos riscos aos quais os heterossexuais estavam expostos tal como os homossexuais. Porém, verdade seja dita que, mesmo as pessoas casadas terem conhecido os mecanismos de transmissão do HIV, a maioria delas parece que não mudou suas atitudes de vulnerabilidade à doença e poucas adotaram aquilo que se considera um “comportamento de saúde sexual”.

Pois bem, derrubada a crença de que pessoas casadas não poderiam ser infectadas pelo HIV, coloco aqui a questão sobre como os casais devem ser orientados a luz da Bíblia para lidarem com esta questão.

Sem dúvida que quando falamos em fidelidade conjugal parece que a resposta para o problema seria óbvia. Porém, não quero que o assunto se esgote neste ponto como se bastasse um pastor pregar em frente ao púlpito que basta o marido e a esposa serem fiéis um ao outro para viverem imunes à AIDS. O ponto a ser trabalhado talvez seja como manter o comportamento de fidelidade conjugal e qual a ética mínima que as pessoas precisam ter para um relacionamento aceitável dentro da sociedade.

Certamente que devemos aqui traçar duas diferenças básicas entre um cristão praticante e quem não vivencia os valores bíblicos, o que exige a adoção de dois discursos: um para o crente e outro para o incrédulo ou infiel. Isto porque um cristão realmente fiel à Palavra de Deus não admitirá a hipótese de trair seu cônjuge, seja em que situação for. Só que esta visão de moral mais elevada não pode ser imposta a todos. A uma porque nem todas as pessoas na sociedade são cristãs ou seguem a fidelidade conjugal e, mesmo dentre os que se dizem cristãos, há um número bem expressivo de homens e mulheres que não obedecem a Palavra de Deus. Hoje quem está frequentando uma Igreja e observando os mandamentos tem todo o livre arbítrio de se afastar dos princípios de sua comunidade e começar a viver do jeito que lhe interessa, inclusive de negar a fé.

Algumas questões certamente causam polêmicas para cristãos e uma delas diz respeito ao uso de preservativos. Embora o sexo entre os casais seguidores da Palavra já não seja feito apenas com fins reprodutivos (a maioria de evangélicos e católicos já não vêem como pecado transar por prazer), a relação sexual habitual não costuma ir muito além do que se considera lícito (o coito vaginal) e há sérias divergências sobre métodos preventivos.

Por outro lado, mesmo dentre aqueles que não consideram pecado o uso da camisinha, esta prática ainda é mal vista como sendo a quebra da fidelidade conjugal entre os cônjuges. Mesmo com tanta informação, uma pergunta ainda fica no ar (geralmente nas mentes das esposas): será que, em condições normais, se eu propuser ao meu cônjuge o uso de preservativos nas nossas relações ele (ela) vai achar que estou com algum tipo de desconfiança? E ainda existe o medo de que se o cônjuge tomar a iniciativa do uso do preservativo, estará levantando suspeitas de infidelidade contra si mesmo.

Outro aspecto infeliz é que muitas esposas cristãs preferem correr o risco de serem infectadas pelo HIV para não se tornarem mulheres divorciadas de seus maridos infiéis. Cultiva-se ainda hoje nas igrejas uma cultura machista de que a mulher deve lutar a todo custo para restabelecer o seu casamento, mesmo em caso de flagrante adultério do marido. E, por causa disso, há inúmeros comportamentos errados que vão se perpetuando e trazendo riscos para a saúde do casal. Um deles seria a negação sistemática da infidelidade do marido apenar porque a esposa não quer acreditar na verdade.

Minha compreensão a respeito das Escrituras é que se torna um verdadeiro pecado se a esposa, ou o marido, descobre que seu cônjuge infiel mantém relações extraconjugais e ainda assim insiste em continuar praticando sexo mesmo de camisinha. Pois, se uma mulher permite que seu esposo, simultaneamente, relacione-se com outra mulher (ou com outro homem), já não há mais um matrimônio puro e sim a tolerância de um comportamento imoral que pode trazer indiscutíveis danos para toda a família. Inclusive, a infidelidade conjugal, no Evangelho segundo Mateus, foi declarada por Jesus como uma hipótese que fundamenta o divórcio, quando o Senhor deu a correta interpretação acerca da lei mosaica:

Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério” (Mt 5.31-32; versão de Almeira Revista e Atualizada - ARA)

É evidente que a regra que serve para homens, também se aplica às mulheres e vice-versa. Mas, nesta hipótese, quando há infidelidade conjugal, não poderia a esposa, ou o marido, lutar para ter de volta o seu cônjuge?

Na minha limitada compreensão acerca das Escrituras, parece-me que se trata de uma faculdade do cônjuge traído aceitar de volta sua esposa, ou seu marido infiel, o que, logicamente, independe do perdão. Não pretendo aqui discutir se há ou não possibilidade do cônjuge traído casar-se com outra pessoa com a aprovação de Deus. Porém, quero frisar que, conforme a Bíblia, a esposa traída tem não só o direito, mas o dever cristão, de suspender o relacionamento sexual com o marido que vive infielmente, bastando que tenha certeza da infidelidade, não um mero ciúme.

Apesar de tudo, não deixa de ser uma questão difícil de ser trabalhada na prática, pois algumas mulheres vivem dentro de uma ciumeira irreal enquanto outras ficam mentindo para si mesmas que a traição por ela descoberta nunca aconteceu mesmo negando todas as evidências. E, como diz a Bíblia, contraria a Palavra de Deus um cônjuge negar-se a ter relações sexuais com o outro sem que haja justificativa, segundo nos orienta o apóstolo Paulo:

O marido conceda à esposa o que lhe é devido, e também, semelhantemente, a esposa, ao seu marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o marido; e também, semelhantemente, o marido não tem o poder sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher. Não vos priveis um ao outro, salvo talvez por mútuo consentimento, por algum tempo, para vos dedicardes à oração e, novamente, vos ajuntardes, para que Satanás não vos tente por causa da incontinência” (Primeira epístola de Paulo aos coríntios 7.3-5; ARA)

Outro ponto importante é que, se há dúvidas acerca da infidelidade de um dos cônjuges, considero fundamental a manutenção do diálogo e do acordo entre o marido e a esposa, dois ingredientes que, felizmente, costumam ser muito bem trabalhados nos ministérios voltados para casais dentro das igrejas. E, sendo assim, é recomendável que o homem e a mulher sejam sempre transparentes um com o outro sem terem nada a esconder. Então, caso a suspeita de ciúme não fique de vez resolvida, que os dois transem de camisinha, sendo que, enquanto houver dúvidas acerca da infidelidade conjugal, o cônjuge inocente não estará pecando por manter relações sexuais por motivo de consciência e, ao mesmo tempo, estaria protegendo a sua saúde.

Ressalto que o estilo de vida dos cristãos praticantes não pode ser imposto a todos a ponto de um pai não falar sobre métodos preventivos com a sua filha apenas porque ele é a favor da abstinência sexual até o casamento. O cirurgião presbiteriano Dr. Charles Everett Koop, quando esteve a frente do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, durante a maior parte da era Reagan, conseguiu manter seus elevados princípios morais quando determinou a distribuição de preservativos no seu país e, mesmo com suas posições conservadoras, angariou respeito e admiração das comunidades homossexuais numa época em que a ignorância ainda imperava na sociedade. Assim, penso que as igrejas não podem deixar de falar sobre a camisinha (dentro e fora do casamento), abordando o aspecto teológico juntamente coma a análise científica.

Independentemente daquilo que acreditamos (ou queremos acreditar), a AIDS é um fato que não pode ser jamais negado. Por isso, nós, cristãos, não podemos continuar levando a indevida fama de que seríamos sexualmente “aculturados”. E o fato de considerarmos determinados comportamentos como sendo pecado não significa que a cristandade deva ignorar a Medicina, a Psicologia ou a Ciência de um modo geral. Logo, as igrejas podem ter excelentes programas de educação sexual que conciliem a submissão à Palavra de Deus com o saber científico e o fato social, orientando tanto os cristãos praticantes quanto os demais dentro de uma visão ampla.

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