Geralmente, quando nos lembramos da vida dos doze patriarcas israelitas, isto é, os filhos de Jacó (também chamado de Israel), pensamos logo na pessoa de José cuja história muitos já conhecem através dos filmes que costumam passar na época do Natal ou no feriado da Semana Santa.
Sem dúvida que, nos últimos capítulos do livro de Gênesis, José parece assumir um lugar de destaque nas narrativas que falam da vida de um homem justo que, sem o conhecimento do pai, foi vendido traiçoeiramente pelos irmãos como escravo vindo a se tornar, no final, o primeiro ministro do império egípcio. Quando sobrevém uma grande fome na região do Oriente Próximo, a família de Jacó passa a procurar alimento no Egito, quando então ocorre o re-encontro entre o pai e o filho tido até então como morto.
No entanto, o personagem centrar de toda história bíblica será sempre Deus e as narrativas de Gênesis conta-nos que Lia, a primeira esposa de Jacó, teve ao todo seis filhos e uma filha. O primogênito de todos eles chamou-se Rúben e o quarto Judá:
Quando o SENHOR viu que Lia era desprezada, concedeu-lhe filhos; Raquel, porém, era estéril. Lia engravidou, deu à luz um filho, e deu-lhe o nome de Rúben, pois dizia: “O SENHOR viu a minha infelicidade. Agora certamente o meu marido me amará”. Lia engravidou de novo e, quando deu à luz outro filho, disse: “Porque o SENHOR ouviu que sou desprezada, deu-me também este”. Pelo que o chamou Simeão. De novo engravidou e, quando deu à luz mais um filho, disse: “Agora, finalmente, meu marido se apegará a mim, porque já lhe dei três filhos”. Por isso deu-lhe o nome de Levi. Engravidou ainda outra vez e, quando deu à luz mais outro filho, disse: “Desta vez louvarei o SENHOR”. Assim deu-lhe o nome de Judá. Então parou de ter filhos (…) Deus ouviu Lia, e ela engravidou e deu a Jacó o quinto filho. Disse Lia: “Deus me recompensou por ter dado a minha serva ao meu marido ao meu marido”. Por isso deu-lhe o nome de Issacar. Lia engravidou de novo e deu a Jacó o sexto filho. Disse Lia: “Deus presenteou-me com uma dádiva preciosa. Agora meu marido me tratará melhor; afinal, já lhe dei seis filhos”. Por isso deu-lhe o nome de Zebulom. Algum tempo depois, ela deu à luz uma menina a quem chamou Diná. (Gn 29.31 e 35-30.17-21; Nova Versão Internacional - NVI) – original sem destaques
Na cultura hebraica, assim como entre outros povos orientais, a escolha do nome de um filho geralmente expressa um significado para os pais ou se presta a homenagear algum antepassado. Assim, os nomes de Rúben e de Judá refletiam o sentimento da mãe na luta que travava contra o desprezo e a infertilidade. No quarto nascimento, Lia louvou ao SENHOR, numa atitude de espontânea adoração, de modo que Judá significa “louvor” ou “louvado”.
Verdade é que a Bíblia não esconde as falhas humanas e, segundo o Livro de Gênesis, os dois irmãos em comento foram pecadores bem devassos. Diz o texto que o primogênito Rúben teve relações sexuais com a concubina do pai enquanto que Judá procurou uma prostituta cultual, sem saber que estava levando para cama a própria nora Tamar:
Na época em que Israel vivia naquela região, Rúben deitou-se com Bila, concubina de seu pai. E Israel ficou sabendo disso. (Gn 35.22)
Quando a viu, Judá pensou que fosse uma prostituta, porque ela havia encoberto o rosto. Não sabendo que era a sua nora, dirigiu-se a ela, à beira da estrada, e disse: “Venha cá, quero deitar-me com você”. (Gn 38.15-16a)
Numa outra ocasião, quando os irmãos de José pretenderam matá-lo por inveja, Rúben evitou que tal tragédia ocorresse e foi de Judá a ideia de vendê-lo como escravo aos mercadores de uma caravana:
Assim foi José em busca dos seus irmãos e os encontrou perto de Dotã. Mas eles o viram de longe e, antes que chegasse, planejaram matá-lo. Mas eles o viram de longe e, antes que chegasse, planejaram matá-lo. “Lá vem aquele sonhador”, diziam uns aos outros. “É agora” Vamos matá-lo e jogá-lo num destes poços, e diremos que um animal selvagem o devorou. Veremos então o que será dos seus sonhos.” Quando Rúben ouviu isso, tentou livrá-lo das mãos deles, dizendo: “Não lhe tiremos a vida!” E acrescentou: “Não derramem sangue. Joguem-no naquele poço no deserto, mas não toquem nele”. Rúben propôs isso com a intenção de livrá-lo e levá-lo de volta ao pai. Chegando José, seus irmãos lhe arrancaram a túnica longa, agarraram-no e o jogaram no poço, que estava vazio e sem água. Ao se sentarem para comer, viram ao longe uma caravana de ismaelitas que vinha de Gileade. Seus camelos estavam carregados de especiarias, bálsamo e mirra, que eles levavam para o Egito. Judá disse então a seus irmãos: “Que ganharemos se matarmos o nosso irmão e escondermos o seu sangue? Vamos vendê-lo aos ismaelitas. Não tocaremos nele, afinal é nosso irmão, é nosso próprio sangue”. E seus irmãos concordaram. Quando os mercadores ismaelitas de Midiã se aproximaram, seus irmãos tiraram José do poço e o venderam por vinte peças de prata aos ismaelitas, que o levaram para o Egito. Quando Rúben voltou ao poço e viu que José não estava lá, rasgou suas vestes e, voltando a seus irmãos, disse: “O jovem não está lá” Para onde ireis agora?” Então eles mataram um bode, mergulharam no sangue a túnica de José e a mandaram ao pai com este recado: “Achamos isto. Veja se é a túnica de teu filho”. (Gn 37. 17b-32)
Nesta passagem transcrita acima, a conduta de Rúben demonstrou que ele se sentia sobrecarregado de culpas e, provavelmente, buscava fazer algo positivo afim de reconquistar o prestígio perdido junto ao pai por causa do adultério praticado com Bila no capítulo 35. Quando soube que José não estava mais no poço, entrou em desespero a ponto de praticar o costume oriental de “rasgar as vestes” porque o fato certamente manchava a sua liderança diante de seus irmãos como primogênito visto que cabia ao filho mais velho zelar pela segurança dos demais na ausência do pai.
Anos mais tarde, quando José governava o Egito e dez dos seus irmãos foram juntos até lá comprar alimento, um novo episódio marcou aquela família. Nenhum deles sabia que o administrador daquele país era o mesmo José que havia sido vendido por eles aos mercadores como escravo. Isto porque o faraó tinha mudado o nome de José passando a chamá-lo de Zafenate-Panéia (Gn 41.45), além dos diferenciados trajes egípcios que ele agora vestia e que eram condizentes com sua nova posição (Gn 41.42b). Contudo, José reconheceu seus irmãos e logo colocou em prática um estratagema capaz inicialmente de prender seus irmãos por espionagem e mais tarde trazer até ele a família.
Quando interrogados por José, seus irmãos lhe disseram que não eram espiões, falando acerca do irmão mais novo que não estava na companhia do grupo:
E eles disseram: “Teus servos eram doze irmãos, todos filhos do mesmo pai, na terra de Canaã. O caçula está agora em casa com o pai, e o outro já morreu”. José tornou a afirmar: “É como lhes falei: Vocês são espiões! Vocês serão postos à prova. Juro pela vida do faraó que vocês não sairão daqui, enquanto o seu irmão caçula não vier para cá. Mandem algum de vocês buscar o seu irmão enquanto os demais aguardem presos. Assim ficará provado se as suas palavras são verdadeiras ou não. Se não forem, juro pela vida do faraó que ficará confirmado que vocês são espiões!” E os deixou presos três dias (Gn 42.13-17)
Colocados nesta complicada situação os dez irmãos de José passaram a ver aquele acontecimento como um castigo assim como Rúben, expressando seu pesado sentimento de culpa:
Rúben respondeu: “Eu não lhes disse que não maltratassem o menino? Mas vocês não quiseram me ouvir! Agora teremos que prestar contas do seu sangue”. (Gn 42.22)
Simeão, um dos irmãos, permaneceu preso no Egito como garantia de que os outros nove iriam retornar trazendo consigo o caçula. Quanto então regressaram a Canaã, relataram ao pai o que lhes tinha acontecido. Jacó a princípio não concordou que levassem Benjamim na próxima viagem, rejeitando a proposta de Rúben tida como tola:
E disse-lhes seu pai Jacó: “Vocês estão tirando meus filhos de mim! Já fiquei sem José, agora sem Simeão e ainda querem levar Benjamim. Tudo está contra mim!” Então Rúben disse ao pai: “Podes matar meus dois filhos se eu não o trouxer de volta. Deixa-o aos meus cuidados, e eu o trarei”. Mas o pai respondeu: “Meu filho não descerá com vocês; seu irmão está morto, e ele é o único que resta. Se qualquer mal lhe acontecer na viagem que estão por fazer, vocês farão estes meus cabelos brancos descerem à sepultura com tristeza”. (Gn 42.36-38)
Por causa da fome, todo o cereal adquirido no Egito foi consumido pela família de Jacó. O pai ordenou aos filhos que retornassem ao Egito para comprar mais alimento. Novamente é retomado o debate acerca de levarem Benjamim na viagem. Judá corajosamente entrou em cena, agindo como um verdadeiro líder no lugar de Rúben:
A fome continuava rigorosa na terra. Assim, quando acabou todo o trigo que os filhos de Jacó tinham trazido do Egito, seu pai lhes disse: “Voltem e comprem um pouco mais de comida para nós”. Mas Judá lhe disse: “O homem nos advertiu severamente: 'Não voltem à minha presença, a não ser que tragam o seu irmão'. Se enviares o nosso irmão conosco, desceremos e compraremos comida para ti. (…) “Deixa o jovem ir comigo e partiremos imediatamente, a fim de que tu, nós e nossas crianças sobrevivemos e não venhamos a morrer. Eu me comprometo pessoalmente pela segurança dele; podes me considerar responsável por ele. Se eu não o trouxer de volta e não o colocar bem aqui na tua presença, serei culpado diante de ti pelo resto da minha vida. (Gn 43.1- 4,8-9)
Ouvindo estas palavras e sabendo que outra alternativa não lhe restava, pois seria arriscar ou morrer de fome, Jacó autorizou que Benjamim fosse ao Egito na companhia de seus irmãos. Quando chegam à presença de José foram bem recebidos com uma satisfatória refeição. Porém, nenhum deles ainda sabia que era José.
Durante a partida de retorno dos irmãos para Canaã, José colocou em pratica a segunda parte de seu plano. Mandou que mordomo colocasse secretamente sua taça de prata junto com a bagagem do caçula e, quando o grupo já havia deixado a cidade, vieram a ser interceptados e levados novamente à presença de José para julgamento pelo furto do objeto. Corajosamente Judá defendeu Benjamim:
Quando Judá e seus irmãos chegaram à casa de José, ele ainda estava lá. Então eles se lançaram ao chão perante ele. E José lhes perguntou: “Que foi que vocês fizeram? Vocês não sabem que um homem como eu tem poder para adivinhar?” Respondeu Judá: “O que diremos a meu senhor? Que podemos falar? Como podemos provar nossa inocência? Deus trouxe à luz a culpa dos teus servos. Agora somos escravos do meu senhor, como também aquele que foi encontrado com a taça”. Disse, porém, José: “Longe de mim fazer tal coisa! Somente aquele que foi encontrado com a taça será meu escravo. Os demais podem voltar em paz para a casa do seu pai”. Então Judá dirigiu-se a ele, dizendo: “Por favor, meu senhor, permite-me dizer-te uma palavra. Não se acenda a tua ira contra o eu servo, embora sejas igual ao próprio faraó. Meu senhor perguntou a estes seus servos se ainda tínhamos pai e algum outro irmão. E nós respondemos: Temos um pai idoso, cujo filho caçula nasceu-lhe em sua velhice. O irmão deste já morreu, e ele é o único filho da mesma mãe que restou, e seu pai o ama muito (…) Além disso, teu servo garantiu a segurança do jovem a seu pai, dizendo-lhe: Se eu não o trouxer de volta, suportarei essa culpa diante de ti pelo resto da minha vida! Por isso agora te peço, por favor, deixa o teu servo ficar como escravo do meu senhor no lugar do jovem e permite que ele volte com os meus irmãos. Como poderei eu voltar a meu pai sem levar o jovem comigo? Não! Não posso ver o mal que sobreviria a meu pai”. (Gn 44.14-20,32-34)
Diferente do Judá que antes havia sugerido vender José como escravo aos mercadores, sua atitude desta vez provou a grande mudança de caráter experimentada pelo patriarca dos judeus, prefigurando também o sacrifício substitutivo de Jesus quando o Senhor se ofereceu para cumprir a pena de toda a humanidade por causa do pecado. Ao contrário de Rúben que, diante do pai, tinha jurado pela vida de seus filhos, Judá colocou a si próprio para sofrer a punição que poderia ser aplicada a Benjamim.
No livro Men of the Bible, publicado no Brasil com o título de Eles, pela editora Mundo Cristão, Ann Spangler e Robert Wolgemuth assim comentam a respeito da liderança exercida por Judá:
“Embora não fosse o primogênito, Judá era um líder entre os filhos rebeldes de Jacó. Sua liderança salvou a vida de José e provavelmente de sua família mais ampla, porque conseguiu persuadir Jacó de que Benjamim precisava ir com ele buscar mais mantimentos no Egito. Seu ato mais impressionante de liderança foi oferecer sua própria vida em penhor da liberdade de Benjamim, invertendo assim, de certa forma, seu ato anterior de traição a José.”
Finalmente José se deu a conhecer a seus irmãos, livrando-s de qualquer castigo e mandou trazer sua família para o Egito que foi apresentada ao faraó. Depois disso, Jacó ainda viveu alguns anos naquele país e, quando adoeceu e estava para morrer, chamou seus filhos abençoando a cada um, tendo dito o seguinte acerca de Rúben e de Judá:
“Rúben, você é meu primogênito,
minha força, o primeiro sinal do meu vigor,
superior em honra, superior em poder.
Turbulento como as águas, já não será superior,
porque você subiu à cama de seu pai,
ao meu leito, e o desonrou.
(…)
Judá, seus irmãos o louvarão,
sua mão estará sobre o pescoço dos seus inimigos;
os filhos de seu pai se curvarão diante de você.
Judá é um leão novo.
Você vem subindo, filho meu, depois de matar a presa.
Como um leão se assenta;
e deita-se como uma leoa; quem tem coragem de acordá-lo?
O cetro não se apartará de Judá,
nem o bastão do comando de seus descendentes,
até que venha aquele a quem pertence,
e a ele as nações obedecerão.
Ele amarrará seu jumento a uma videira
e o seu jumentinho, ao ramo mais seleto;
lavará no vinho as suas roupas,
no sangue das uvas, as suas vestimentas.
Seus olhos serão mais escuros que o vinho;
seus dentes, mais brancos que o leite.
(Gn 49.34,8-12)
Tal relato mostra que, enquanto Rúben perdeu sua porção dobrada de primogênito na herança paterna decorrente do pecado sexual contra a família, a descendência de Judá ficou com a melhor parte – a benção de ter trazido ao mundo o Messias Jesus, o Rei Ungido que governará os povos por toda a eternidade. Aqui, o outro sentido do nome de Judá (louvor ao SENHOR ou louvado) é aplicado a Jesus pela sua descendência, mostrando que o Cristo é digno de receber o mesmo louvor que deve ser ministrado a Deus.
Judá verdadeiramente ficou livre de sua culpa enquanto Rúben sofreu consequências pelo mal praticado. Judá produziu obras dignas de arrependimento, enquanto Rúben apenas tentou infrutiferamente mudar sua imagem perante ao pai. No final, Judá se torna um canal para a manifestação da graça divina que se cumpre em Jesus Cristo.
Todos nós, a semelhança de Rúben e de Judá cometemos pecado. Contudo, temos a oportunidade de alcançar perdão não pelos nossos méritos e sim pelo perdão oferecido por intermédio do sacrifício de Jesus. Jamais as nossas obras poderão encobrir erros do passado ou curar a nossa culpa, mas o que Deus espera de nós é que experimentemos uma mudança de caráter de maneira que nossos atos passem a refletir um verdadeiro arrependimento.
Libertos por Jesus da condenação do pecado, somos também incentivados por sua Palavra a darmos nossas vidas em favor de nossos irmãos da família espiritual. Tal exemplo foi seguido mais tare pelos apóstolos e por inúmeros cristãos verdadeiros durante a história, uma expressão autêntica de fé nas promessas de vida eterna.
Será que estaríamos prontos para seguirmos os passos de Jesus e dos apóstolos a ponto de entregarmos nossas vidas em favor de alguém? Posso dizer que eu ainda não me sinto preparado, mas fico incentivado quando observo que, anos depois de ter vendido José como escravo, Judá ofereceu a si mesmo para sofrer a pena de Benjamim.
Que Deus te abençoe e nos conceda uma excelente semana em sua presença!
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