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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Lavando os pés uns dos outros

“Um pouco antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que havia chegado o tempo em que deixaria este mundo e iria para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Estava sendo servido o jantar, e o Diabo já havia induzido Judas Iscariotes, filho de Simão, a trair Jesus. Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus; assim, levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou uma toalha em volta da cintura. Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em sua cintura. Chegou-se a Simão Pedro, que lhe disse: “Senhor, vais lavar os meus pés?” Respondeu Jesus: “Você não compreende agora o que estou lhe fazendo; mais tarde, porém, entenderá”. Disse Pedro: “Não; nunca lavarás os meus pés!”. Jesus respondeu: “Se eu não os lavar, você não terá parte comigo”. Respondeu Simão Pedro: “Então, Senhor, não apenas os meus pés, mas também as minhas mãos e a minha cabeça!” Respondeu Jesus: “Quem já se banhou precisa apenas lavar os pés; todo o seu corpo está limpo. Vocês estão limpos, mas nem todos”. Pois ele sabia quem iria traí-lo, e por isso disse que nem todos estavam limpos. Quando terminou de lavar-lhes os pés, Jesus tornou a vestir sua capa e voltou ao seu lugar. Então lhes perguntou: “Vocês entendem o que lhes fiz? Vocês me chamam 'Mestre' e 'Senhor', e com razão, pois eu o sou. Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz. Digo-lhes verdadeiramente que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem.” (Evangelho segundo João 13.1-17; Nova Versão Internacional – NVI)

Inúmeros ensinamentos podem ser extraídos desta bela e comovente passagem bíblica. Na ocasião da Última Ceia, Jesus deu um grande exemplo de humildade lavando os pés de seus discípulos, numa perfeita demonstração de amor.

Naquela época, as pessoas andavam vários quilômetros pelas poeirentas estradas da região palestina calçando suas sandálias. Às vezes, era comum que os andarilhos se ferissem pelo caminho topando em alguma pedra, pisando num espinho, ou mesmo por causa do contato entre as tiras do calçado e a pele. Então, quando um convidado chegava na casa de alguém, geralmente o anfitrião mandava que um escravo lavasse os pés de seu visitante.

Muitos já escreveram a respeito do princípio cristão de liderança com base nesta e em outras citações dos Evangelhos. Porém, quero neste texto focar justamente na humildade que precisamos ter para com Deus e em relação aos nossos irmãos, no sentido de admitirmos as nossas necessidades perante os outros e, ao mesmo tempo, estarmos dispostos a satisfazer as necessidades dos demais.

Como se pode ler no texto acima citado, a princípio Pedro não queria que Jesus lavasse os seus pés. A sua impulsiva objeção é explicada pelo fato de que ele ainda não tinha compreendido aquela atitude de Cristo, a qual foi bem diferente do que faziam os governantes, os sacerdotes e os rabinos da época.

Entretanto, Jesus quer que lavemos os pés uns dos outros, o que me parece uma prática fundamental para que os cristãos experimentem a verdadeira comunhão. Jesus disse a Pedro que, se ele insistisse naquela objeção, “não terás parte comigo”.

Há momentos em que devemos servir, mas também precisamos aceitar que outros nos sirvam. Não fomos chamados para viver em isolamento e muito menos numa situação de auto-suficiência. Precisamos uns dos outros e não podemos deixar de compartilhar com o nosso irmão os dramas que sofremos. Temos que aceitar abertamente o apoio que a nossa comunidade quer nos oferecer.

O pastor Rick Warren em seu livro “Juntos somos melhores”, da Editora Vida, trás um relato surpreendente sobre a falta de amor que existe nos dias atuais a ponto de uma pessoa falecer em sua residência e ficar esquecida por amigos, vizinhos ou parentes:

“Em 2004, foram divulgadas notícias sobre Jim Sulkers, um morador de Winnipeg, Manitoba (Canadá), que morreu em sua cama e ficou lá durante dois anos antes de algum vizinho descobrir seu corpo. O homem morou ali durante vinte anos, mas ninguém sentiu sua falta. Por que relutamos tanto em admitir nossas necessidades uns para os outros? Há pelo menos duas fortes razões: Primeira: nossa cultura exalta o individualismo. Admiramos os independentes, autossuficientes, que parecem viver bem por si sós. Mas a triste verdade é que, apesar dessa confiança aparente, normalmente a pessoa é insegura, com um coração cheio de dor. A solidão é a doença mais comum neste mundo, e, ainda assim, continuamos a construir muros em vez de pontes entre nós. Segunda: somos orgulhosos. Muitas pessoas, especialmente os homens, sentem que pedir ajuda ou expressar uma necessidade é sinal de fraqueza. Mas não há nada de vergonhoso no fato de precisarmos dos outros. Deus nos formou assim! Ele quer que seus filhos dependam uns dos outros.”

Os ensinamentos do apóstolo Paulo nos mostram que fazemos parte do corpo de Cristo. Somos membros uns dos outros de maneira que há entre nós uma interdependência de modo que precisamos amar e deixar que sejamos amados, servir e sermos servidos.

No meio evangélico é comum o uso da expressão “aceitar a Cristo”. Porém, num país de cultura cristã, como é o caso do Brasil ou dos Estados Unidos, quase todo mundo confessa com a boca sem reservas que aceita Jesus como o seu Senhor e Salvador. Uns dizem que já aceitaram Cristo desde a infância porque foram batizados numa igreja ou levantaram as mãos durante algum “apelo”. Porém, o que significa verdadeiramente aceitarmos Jesus nas nossas vidas?

Verdadeiramente aceitar Jesus é um ato de humildade em que reconhecemos nossa completa impossibilidade de merecermos a vida eterna pela prática de boas obras e que somos pecadores. E, quando isto ocorre, renunciamos à nossa autossuficiência espiritual aceitando que Cristo foi capaz de pagar o preço dos nossos erros e falhas através de seu sacrifício na cruz. Ou seja, precisamos aceitar o serviço que Jesus fez por nós recebendo com humildade o perdão oferecido por Deus.

Em seu livro Ágape, publicado pela Editora Globo, Marcelo Rossi, padre católico, ao comentar sobre a atitude de Jesus na ocasião da última Ceia, compartilha seu pensamento sobre a humildade:

“Antes da Última Ceia, Jesus resolve dar uma lição de humildade aos seus discípulos (…) Jesus nos ensina a reconhecer a nossa condição de seres limitados. Não há filho de Deus de primeira categoria e de segunda categoria. Não há viajante, na estrada da vida, de classe executiva ou econômica. Somos todos feitos do mesmo barro, da mesma condição humana, dos mesmos riscos de pecado e das mesmas possibilidades de santidade.”

Quantas vezes impedimos que Deus nos sirva através de irmãos que têm uma condição mais humilde do que nós! Há momentos em que, quando ouvirmos o sermão de um pregador de pouca instrução, ficamos julgando seus erros de português, ou deficiências teológicas, ao invés de prestarmos a atenção no recado que o Espírito Santo está querendo transmitir para os nossos corações. Pessoas deixam de se congregar numa igreja apresentando como desculpa o fato de encontrar pecadores que têm tantas falhas quanto elas.

Durante doze anos vivi afastado da Igreja. Neste período isolei-me e resolvi viver do meu próprio jeito. Em 2005, quando decidi retornar, resolvi colocar de lado minhas diferenças culturais, econômicas e teológicas. Percebi que precisava estar em comunhão com os meus irmãos e que deveria aceitar as pessoas como elas são com todas as suas deficiências reconhecendo que também sou deficiente em várias áreas de minha vida.

A Igreja deve ser a comunidade onde precisamos aprender a ter comunhão com todo tipo de gente. Jamais a Igreja poderá se tornar um grupinho fechado de pessoas que se identificam entre si por faixa etária, posição social, sexo, etnia ou nacionalidade. É onde um jovem estudante de classe média estará celebrando a Deus junto de um pai de família fracassado que luta para vencer o vício da bebida, bem como junto de uma senhora idosa com problemas de saúde que se torna repetitiva e carente de atenção e junto de uma mãe cujo filho hiperativo fala insistentemente durante as pregações.

Num mundo onde as pessoas são frequentemente descartadas porque não mais se encaixam no mercado, ou não conseguem ser úteis dentro dos padrões mesquinhos da sociedade, os ensinamentos de Jesus fazem diferença. Na Igreja, devemos acolher e integrar qualquer pessoa que vem a Cristo, buscando desenvolver o potencial de cada um e suprindo suas debilidades, servindo-as permitindo que elas também nos sirvam.

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