O Novo Testamento da Bíblia conta sobre a história de dois discípulos de Jesus chamados Filipe. Geralmente nós associamos o nome Filipe à pessoa do apóstolo de Jesus, nascido em Betsaida, o qual havia certa vez chamado Natanael para que viesse conhecer o Messias (João 1:43-45) e que depois, na noite da Ceia, pediu ao Senhor Jesus que mostrasse o Pai (João 14:8).
Porém, no Livro de Atos dos Apóstolos, fala-se de um outro discípulo com o mesmo nome que foi um dos sete cristãos escolhidos para fazer as obras sociais da Igreja de Jerusalém junto com mártir Estêvão (At 6:5) e que, mais tarde, veio a se radicar na cidade de Cesareia, tornando-se pai de quatro filhas profetizas, sendo ele identificado como Filipe, “o Evangelista” (At 21:8-9).
O capítulo 8 de Atos conta que, após o assassinato de Estêvão, os perseguidores da Igreja, a partir de então, fizeram novas vítimas em Jerusalém, de modo que os cristãos daquela comunidade, menos os apóstolos, dispersaram-se pela Judeia e por Samaria (At 8:1) que são regiões próximas da cidade santa.
Porém, esta fuga dos discípulos não significou nenhum acovardamento desses nossos irmãos, os quais prosseguiam com fé anunciando a Palavra de Deus por todo canto (At 8:4). E, dentre os irmãos dispersos pela perseguição promovida por Saulo, estava Filipe, o Evangelista, a respeito de quem o autor de Atos fala na maior parte do capítulo 8, dando-nos uma verdadeira aula sobre o que é fazer um evangelismo que agrade a Deus.
Assim, ao ser disperso pela perseguição de Saulo, Filipe seguiu para Samaria, região situada ao norte de Jerusalém, ocasião em que anunciou as Boas Novas de Jesus aos samaritanos estando revestido de todo poder e autoridade concedida pelo Espírito Santo e atraindo multidões para o Reino de Deus:
“Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava.” (At 8:5-6)
Além dos sinais de cura que ocorreram em Samaria, houve também o maior dos milagres – a conversão dos ouvintes, os quais foram batizados (imersos na água), confirmando, desta forma, a decisão de fé que estavam escolhendo:
“Quando, porém, deram crédito a Filipe, que os evangelizava a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, iam sendo batizados, assim homens como mulheres” (At 8:12).
Para que a obra iniciada por intermédio de Filipe fosse consolidada, os apóstolos enviaram Pedro e João de Jerusalém para Samaria, quando então foi concedido o dom do Espírito Santo aos novos convertidos pelo ato de imposição de mãos. Isto porque era necessário que os irmãos recém nascidos na fé fossem também revestidos com o poder de Deus.
Contudo, a missão de Filipe em Samaria, naquele momento, ao que parece, já estava concluída e um anjo então lhe apareceu dando uma nova direção. Obediente, este nosso exemplar irmão do passado deixou aquela terra dos samaritanos e retornou para o sul, prosseguindo por um caminho deserto que ia de Jerusalém até Gaza (At 8:26).
Fico a indagar se, em alguns momentos, Filipe não ficou intrigado quando andou por aquele caminho deserto. O discípulo que antes falou para multidões multidões em Samaria agora seguia numa outra direção, andando aparentemente sozinho por um caminho deserto na expectativa de fazer alguma nova obra para Deus, embora sem ter nenhuma evidência no mundo físico sobre como seria o seu trabalho.
Num certo momento, Filipe viu um carro (de tração animal é claro) e recebeu uma ordem clara e direta do Espírito Santo para aproximar-se e acompanhar o veículo (At 8:29). Como que o Espírito lhe falou (se foi uma voz audível ou um sentimento despertado no seu coração), não faço nenhuma ideia. Porém, sensível à voz do Espírito, Filipe correu para alcançar aquela carroça e ouviu o seu passageiro lendo a passagem de uma profecia contida no capítulo 53 do Livro de Isaías.
O leitor daquele pergaminho (na época ainda não existia a imprensa) tratava-se de um homem culto proveniente da Etiópia e que exercia a função de superintendente das finanças da rainha de seu país. Fazendo parte de uma minoria do mundo antigo, ele era um dos poucos que sabia ler, mas que, certamente, não compreendia o sentido de todas aquelas palavras a respeito de quem o profeta se referia no texto.
Devido à função de confiança que exercia no seu país, aquele homem tinha sido vítima de uma imensurável atrocidade, provavelmente ocorrida em sua adolescência. Com frequência, em muitas regiões da Antiguidade, tais funcionários da realeza tinham os órgãos genitais operados antes de servirem na corte. Eram os eunucos, os quais, em muitas das vezes, tornavam-se responsáveis pelos haréns dos imperadores. E, por serem estéreis, os reis não corriam o risco de que os filhos nascidos de suas esposas pudessem ser de outro pai, sendo que, naqueles tempos, qualquer dúvida sobre a linhagem real poderia influenciar seriamente na sucessão do trono, comprometendo uma dinastia.
É possível que aquele eunuco, embora proveniente da Etiópia, fosse descendente de alguma família israelita que, em épocas passadas tivesse migrado para lá e, na ocasião, teria visitado Jerusalém para adorar a Deus, onde então adquiriu o Livro de Isaías e agora estava regressando para sua casa. Mas para a lei mosaica, os eunucos não poderiam jamais fazer parte da assembleia do povo israelita, provavelmente por ser a castração uma prática associada aos cultos pagãos.
Cumprindo as ordens do Espírito de Deus, Filipe aproximou-se daquele viajante no momento certo quando este estava lendo justamente a passagem da profecia que anuncia o sacrifício do Messias cumprido em Jesus. E, pelo que se compreende do texto em Atos, aquele etíope estava verdadeiramente sedento para conhecer a Palavra de Deus e saber de quem o profeta falava nos versos 7 e 8 do capítulo 53 do Livro de Isaías.
Daí por diante, deve ter sido fácil para Filipe anunciar Jesus, cumprindo fielmente com o seu dever de evangelizar aquela mente tão aberta e inteligente para as coisas de Deus. Um homem que, embora tivesse os seus órgãos genitais mutilados, não tinha amputada a sua sensibilidade pois, desejando receber a salvação, pediu logo para ser batizado nas águas antes mesmo de Filipe perguntar se ele queria aceitar a Jesus como seu Senhor e Salvador.
Apesar de ter sido breve o contato com Filipe, aqueles momentos foram suficientes para o viajante entender o plano da salvação de Deus. O Livro de Atos conta que, após ser batizado nas águas, o homem prossegui alegremente em seu caminho, podendo-se dizer que agora ele estava com o seu nome inscrito no rol daqueles que viverão eternamente com Deus e receberão um novo corpo verdadeiramente perfeito na ressurreição dos justos.
Certamente, por não ser mais necessário que Filipe permanecesse ali, a narrativa de Atos fala a respeito do arrebatamento sobrenatural daquele amado pregador do Evangelho de Cristo que, depois deste fato, veio a se encontrar numa cidade chamada Azoto, situada a uns 4 quilômetros do Mar Mediterrâneo. E, a partir dali, Filipe prosseguiu em direção ao norte, acompanhando o litoral e andando de cidade em cidade até chegar em Cesareia (At 8:40), onde acredita-se que ele tenha se estabelecido.
Após estes acontecimentos, nunca mais se lê notícias em Atos a respeito do viajante eunuco, o qual nem sabemos por fontes bíblicas se chegou mesmo ao seu destino, mas tão somente que prosseguiu em seu caminho cheio de júbilo (At 8:39). Teria ele recebido a visita de novos discípulos na Etiópia? Será que ele foi instruído diretamente pelo Espírito Santo lendo apenas o Livro de Isaías e depois formado uma congregação de seguidores de Jesus em seu país? Como que um recém nascido espiritual deve ter mantido a sua fé se em sua terra de origem não tinha nenhuma igreja onde pudesse frequentar alguma escola bíblica dominical? Só Deus pode dizer.
Já em relação a Filipe, o Livro de Atos conta que Paulo encontrou-o em Cesareia (possivelmente umas duas décadas depois), quando então o discípulo já tinha uma família estabelecida naquela cidade, com quatro filhas que tinham o dom de profecia (At 21:8-9).
Analisando o texto, pode-se dizer que Filipe viveu uma breve e emocionante aventura em que Deus o transformou em um verdadeiro ganhador de almas, aprendendo a pregar tanto para multidões quanto individualmente para uma só pessoa, curando a muitos e depois assistindo apenas o milagre da conversão de uma só vida. Pois, tal como Jesus em seu ministério discursou para um número praticamente infinito de gente nas suas andanças por Israel, também surpreendeu a seus discípulos quando foi visto por eles conversando com uma só mulher, sendo esta de origem samaritana e não judia (João 4:27), o mesmo experimentou Filipe.
Outras conclusões que podemos tirar da leitura dessa passagem de Atos é que Filipe ministrou o Evangelho ao viajante com grande espontaneidade, total confiança na direção de Deus e sem ficar ansioso com a finalização daquela obra que é de Deus e não dos homens. Tanto é que, no momento certo, Filipe veio a ser arrebatado pelo Espírito, pois não seria o discípulo quem iria dar continuidade com à consolidação daquela alma.
Descansar quanto às suas preocupações e saber que a obra é de Deus e não nossa foi algo que demorei bastante para aprender em minha trajetória de vida cristã. Pois não sou eu quem converto uma pessoa, mas é a ação do Espírito Santo sobre um coração que se abre que transformará o interior de alguém (comigo também foi assim quando aceitei a Cristo), de maneira que devemos nos contentar em sermos meros porta vozes de Jesus, fazendo a nossa parte e deixando que Ele faça a dele. E, confirmando esta observação, vejo que em nenhum momento o eunuco foi pressionado por Filipe para ser batizado, mas este explicou suficientemente que tal ato requer uma fé de coração no Senhor Jesus.
O próprio arrebatamento de Filipe ensina-me também que anunciar o Evangelho não pode ser sinônimo de convite para chamarmos pessoas para reuniões de nossas igrejas, tendo em vista que o eunuco etíope não se tornou membro de nenhuma instituição religiosa). Embora seja costume de várias comunidades da atualidade carimbar os folhetos da Sociedade Bíblica com o nome, endereço e horários do culto de suas respectivas congregações, precisamos manter o foco do evangelismo que é falar a respeito das coisas do Reino de Deus. Pois será que estamos de fato evangelizando ou apenas convidando nossas pessoas para irem numa reunião de nossas igrejas? Será que não estamos criando em nossas mentes ilusões de que algo mágico vai acontecer apenas pelo fato de um incrédulo entrar dentro de nossos templos e participar de um culto?
Evangelizar significa pregar as boas novas de Jesus, o que precisa ser feito de um modo espontâneo, sem aquelas velhas técnicas sufocantes ou a repetição de versículos que decoramos, pois só posso pregar aquilo que de fato eu vivencio no meu cotidiano. Isto porque é preciso ter uma experiência real de relacionamento do Deus no dia a dia para podermos transmitir uma mensagem que brote lá dos nossos corações.
Além disso, não podemos nos esquecer que evangelizar também é falar sobre a esperança de uma vida eterna, o perdão dos nossos pecados, a restauração de relacionamentos quebrados e o verdadeiro sentido de viver que só encontramos quando seguimos a Jesus. E, deste modo, a mensagem evangélica deve promover a cura e não a doença, a libertação e não a opressão, a vida e não a morte, a paz e não a guerra, o amor e não o ódio. E não pode jamais ser uma mensagem de ameaça do tipo “se você não virar crente e ir para a igreja vai para o inferno”, o que não é nada condizente com o significado da palavra Evangelho que quer dizer boas novas e não más notícias.
Acredito que meditando no exemplo de Filipe, poderemos aprender melhor sobre como falar para alguém a respeito das boas novas do Senhor Jesus, pois é isto que Ele quer que os seus discípulos façam em relação a todas as criaturas.
OBS: Ilustração acima referente ao quadro O Batismo do Eunuco, pintado por Rembrandt em 1626, conforme extraído do acervo virtual da Wikipédia em https://en.wikipedia.org/wiki/Philip_the_Evangelist#/media/File:Rembrandt,_The_Baptism_of_the_Eunuch,_1626,_Museum_Catharijneconvent,_Utrecht.jpg
DEUS ABENÇOE
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