“E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, a orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo mesmo desta maneira: Ó Deus, graças de dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos aos céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.” (Lucas 18:9-14)
Sempre que falho reincidentemente nas coisas que mais detesto, sou levado a reconhecer a minha própria indignidade, da qual, por diversas vezes, ainda acabo esquecendo, pensando que sou um super cristão.
A conversão exige uma sincera e permanente avaliação de si mesmo, o que, por sua vez, não ocorre sem nos reconhecermos como pecadores a exemplo do publicano citado na célebre parábola de Jesus em que, com o arrependimento, busca o convertido justificar-se tão somente na misericórdia de Deus, não nas suas ações.
Quando criança, meu pai chegou a me colocar o apelido de fariseu. Na época, eu nem sabia o que significava ser um fariseu e acho que nem ele deveria conhecer tão profundamente acerca daquele partido do judaísmo da época de Jesus, exceto pelas impressões superficiais que foram extraídas dos Evangelhos pela nossa cultura ocidental. Porém, mesmo dentro desta visão limitada, percebo que papai, um ateu que tinha uma mente altamente crítica, certamente já deveria estar observando atentamente os detalhes de meu comportamento desde os primeiros anos de minha infância.
Aproximadamente sete anos depois do seu falecimento (setembro/1983), aceitei publicamente a Cristo, batizando-me por imersão e me tornando um frequentador de igreja evangélica. Comecei a me abster de praticar determinadas condutas que passei a considerar como pecado e então, esquecendo-me que a conversão se processa diariamente nas nossas vidas, por diversas vezes cheguei a me sentir melhor do que as outras pessoas. Olhava atravessado para os demais adolescentes que estavam iniciando no sexo, tendo suas primeiras relações sexuais, lendo revistas pornográficas, experimentando álcool e fumando cigarro, de modo que os considerava imundos aos meus olhos. Achava repugnante escutar um palavrão na rua ou ouvir piadas de humor no ambiente da escola que tivessem conteúdo sexual. Queria estar sempre ofertando na igreja, supondo ser um pecado grave não dar o dízimo, o que, na minha cabecinha pequena, não só poderia trazer maldições de pobreza como me separar de Deus.
Nos tempos de Jesus, os fariseus eram homens de respeitável reputação dentro da sociedade judaica. Não podemos cometer o engano de pensar que eles vivessem apenas de aparências, pois de fato eram zelosos na guarda dos mandamentos da Torá, preservando com dedicação a correta ortodoxia das Escrituras hebraicas. Davam esmolas, jejuavam várias vezes ao ano (pela lei mosaica o jejum só era obrigatório no dia do Yom Kippur de Levítico 16), oravam com frequência durante o dia, dizimavam até nas pequenas coisas, transavam somente com suas esposas e não cometiam crime algum que pudesse ser julgado pelos homens. Há quem diga que José, esposo de Maria, teria sido um fariseu e, embora a Bíblia nada diga a este respeito, não descarto a tese. No próprio Sermão da Montanha, Jesus chegou a dizer para os seus ouvintes que, se a justiça deles não excedesse em muito aos escribas e fariseus, jamais entrariam no reino dos céus (Mateus 5:20).
Devemos lembrar que, até a conclusão da obra de Jesus, os fariseus cumpriram o papel de serem os verdadeiros guardiões das tradições judaicas. Foram usados por Deus para aquele propósito e, através deles, o judaísmo conseguiu se manter após a destruição do templo de Jerusalém na guerra romano-judaica do ano 70 d.C. E, enquanto os sacerdotes saduceus diziam com ceticismo que nem o espírito e nem a ressurreição existiam, os fariseus tinham a melhor interpretação teológica das Escrituras, a qual, sob certo aspecto, seria condizente com a linha de pensamento adotada pela Igreja a respeito do Antigo Testamento bíblico.
Não quero nesta oportunidade empreender nenhum estudo aprofundado a respeito da seita dos fariseus para não perder o foco na oração do publicano e em sua aplicação prática para nós. Porém, quando resolvi falar sobre o lado positivo do farisaísmo, foi justamente para mostrar o quanto nós cristãos religiosos corremos o risco de nos assemelharmos a eles também no aspecto negativo que tanto foi denunciado publicamente pelo Senhor em seus três anos de ministério pelas terras palestinas.
Agindo com falsa humildade, mesmo confessando que sou salvo pela graça mediante a fé, já cometi o mesmo pecado do fariseu da parábola de Jesus, quando deixei de reconhecer a minha indignidade, esquecendo-me da misericórdia divina em minha vida. Foram várias as ocasiões em que me julguei superior aos meus irmãos em Cristo. Confessava que era pecador, mas me sentia justificado pelo que fazia e deixava de fazer a ponto de não lembrar que algum dia entrei na igreja com o mesmo sentimento que o publicano teve quando decidiu corajosamente ir ao templo judaico fazer a sua oração.
Situando-se longe (provavelmente distante do Lugar Santo onde somente os sacerdotes podiam entrar), o publicano mantinha curvada sua cabeça, reconhecendo o seu pecado e clamando por misericórdia. Sua postura corporal demonstrava profunda vergonha pelos seus atos, num sinal de profunda tristeza quando batia no peito, segundo o costume oriental, sabendo que nada mais lhe restava senão implorar a Deus por compaixão.
Posso dizer que meus tropeços durante a vida cristã foram sempre muito dolorosos, mas se tornaram excelentes oportunidades para afastar-me do Lugar Santo e me por de joelhos junto à entrada do templo, ao lado do publicano.
Recordo-me que, quando desviei-me exteriormente aos 17 anos (acho que no meu coração encontrava-me afastado de Deus há mais tempo), eu já auxiliava o professor da escola bíblica dominical da Primeira Igreja Batista de Juiz de Fora. Era muito bem visto pelo pastor titular da congregação que, durante o culto, pedia que eu orasse com voz alta no meio de todos. Uma vez por semana, acompanhava a equipe de visitas aos novos convertidos que tinham ido à frente fazer a declaração de fé. E foi neste momento que voltei à vida mundana, cometendo pecados que, antes de minha conversão, nem ao menos tive a oportunidade de praticar.
Não estou afim de listar aqui todos os meus desvios e tropeços da vida cristã. Deus os conhece e não sou hipócrita em dizer que minhas falhas ficaram para trás porque a cada dia reconheço o quanto ainda preciso aprender a amar ao Senhor e ao meu próximo. Quando peco nas mesmas coisas, sinto-me profundamente abalado, decepcionado comigo mesmo e entristecido. Lembro que a velha natureza carnal ainda opera nos membros do meu corpo, atuando na minha lascívia, minha agressividade e nos meus pensamentos corruptos.
Entretanto, ao lado do reconhecimento da minha condição de homem pecador, não abandono o sentimento de depender a cada dia da misericórdia de Deus. Apesar de ficar decepcionado com minha conduta, não quero ficar distante de Deus a ponto de deixar novamente a igreja e me auto-excluir da vida cristã, mas fixo minha atenção no exemplo do publicano que, corajosamente, entrou humilhado no templo judaico, num lugar onde convém uma vida de santidade.
Mas será que a igreja é lugar de pessoas santas e perfeitas? Sem dúvida que não! E o Messias veio justamente salvar os pecadores, dentre os quais eu me incluo, de modo que ninguém nesta vida tem legitimidade para excluir do convívio comunitário cristão pessoas que sofrem constantes recaídas por causa de drogas, uso excessivo de álcool, relações homossexuais ou problemas com a violência. Quem sou eu para pensar que estou numa condição melhor do que um travesti de programas portador do vírus HIV? Posso me considerar melhor do que um filho que assassina os próprios pais?
Tendo sido encerrado debaixo do pecado (o mesmo pecado capaz de matar até o mais íntegro dos profetas da Bíblia), resta-me a opção de ficar ao lado dos homens e das mulheres que estão se socorrendo da misericórdia de Deus. Cabe a mim oferecer-lhes o pão da comunhão que simboliza o corpo de Cristo partido por todos nós, dando-lhes a beber do cálice da nova aliança feita não com o sangue de animais, mas com a vida do Filho de Deus. Devo anunciar às pessoas que em Jesus há cura, perdão, reconciliação com o Pai e vida eterna, não importando quantas vezes tenham elas caído, pois Deus não aprova o que fazemos de errado e nos ama por aquilo que somos, de modo que todos aqueles que têm esta consciência são bem vindos na santa congregação.
Concluindo, posso dizer que o que eu quero é permanecer sempre servindo a Jesus na Igreja e desejo que esta oração jamais se aparte de meus lábios, mas esteja sempre no meu coração, sem fazer aqui o uso de aspas: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!
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*Obras de contenção de encostas na Estrada da Cachoeira. Foto Leonardo
Simplicio..*
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Há 6 horas
Irmão Rodrigo, a paz de Cristo!
ResponderExcluirExcelente texto! É o reconhecimento de nossa pecaminosidade que faz com que dependamos cada vez mais da misericórdia do Senhor em nossas vidas! Quantas vezes somos fariseus ao julgarmos aqueles que, por algum motivo, deslizam na fé! Às vezes queremos tirar o argueiro do olho de nosso irmão, quando há uma trave em nosso próprio!
Que Deus continue te abençoando!
Amém! Graça e paz, meu irmão! Seja bem vindo a este blogue! Muitas vezes, nós que já aceitamos Jesus ainda estamos sujeitos a padecer da "síndrome do irmão mais velho", conforme dizia o Pe. Henri Nouwen citado por Philip Yancey em seu livro "Alma sobrevivente", publicado no Brasil pela Editora Mundo Cristão. Nouwen, meditando na célebre parábola do Filho Pródigo, criou uma identificação com aquele irmão que, embora estivesse a vida inteira ao lado do Pai, ainda precisava mergulhar na graça. Agradeço muito pelo incentivo do irmão. Que Deus o abençoe!
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