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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Se os nossos valores fossem outros...




Na semana passada, quando fui ao Rio de Janeiro fazer a sustentação oral de um processo que atuo contra o INSS, comparecendo à sessão de julgamento da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais, arranjei umas horinhas depois para conhecer melhor como ficou a região da Praça Mauá após aquelas obras que antecederam os jogos olímpicos. Aproveitei para conhecer o Museu de Arte do Rio (MAR) e pretendia visitar o famoso Museu do Amanhã, porém não deu tempo por causa da fila e do horário de entrada que vai até às 17 horas (de terça à domingo).

Na saída, preferi iniciar o meu longo trajeto de retorno para Muriqui embarcando no recém inaugurado VLT Carioca (Veículo Leve sobre Trilhos) que vai da Rodoviária Novo Rio ao Aeroporto Santos Dumont. Eu ainda não havia experimentado essa nova modalidade de transporte, embora já tivesse utilizado a linha do BRT que faz ligação entre os bairros cariocas de Santa Cruz e Barra da Tijuca, ambos na Zona Oeste da cidade.

Pode-se dizer que o VLT não guarda muita diferença para o BRT, exceto pelo fato de locomover-se sobre trilhos enquanto o outro não passa de um grande ônibus com faixa exclusiva e estações. Porém, o que mais chamou a minha atenção foi o fato de não haver cobrador e nem roleta naquele bonde moderno. O acesso do usuário à plataforma de embarque/desembarque é livre, cabendo a cada um pagar a sua passagem aproximando o cartão "Bilhete Único" de um sensor eletrônico existente no interior do próprio veículo.

Observei que nem todos os passageiros se deram ao trabalho de pagar pelo serviço. Muitos ali, infelizmente, não agiram como deveriam ter feito pois reparei que, dentre as pessoas que embarcaram comigo na Praça Mauá, várias delas saltaram antes de mim sem adimplir a obrigação tarifária com a Concessionária do VLTCarioca S/A. Uma vergonha!

Apesar dessa confiança depositada no consumidor, a empresa conta com a atuação de fiscais que, ao entrarem repentinamente no veículo, escolhem de maneira aleatória alguns passageiros para a verificação do pagamento. Tais funcionários portam uma maquininha que faz a leitura de cada cartão sendo capaz de identificar os registros sobre a utilização, inclusive a data, o horário e o sentido (se rumo à rodoviária ou ao aeroporto).

Sinceramente, acho lamentável uma significativa parcela da população proceder de maneira desonesta. Reclamamos dos maus políticos, porém agimos com semelhança nas pequenas coisas de modo que tais indivíduos jamais podem dizer que os réus condenados na Operação Lava Jato não os representam. Aliás, já não me surpreendo com o fato de diversos candidatos a prefeito, sem enquadramento nos requisitos da Lei da Ficha Limpa, terem sido os mais votados nas eleições de 2016 em diversas cidades do país, inclusive aqui no Município de Mangaratiba onde moro.

O fato é que, se houvesse maior honestidade do consumidor, o transporte no Brasil teria um menor custo, podendo ser prestado com mais dignidade. Por exemplo, os ônibus não precisariam de roletas para restringir o acesso ao interior do veículo de maneira que as gestantes e pessoas obesas não mais sofreriam o constrangimento de passar por um espaço muitas das vezes estreito para elas ou ter de pedir para entrar pela porta de desembarque. Além do mais, o tempo de parada nos pontos seria menor sem a necessidade do condutor (ou do trocador) liberar o ingresso do usuário mediante a antecipação do pagamento, o que refletiria positivamente tanto na rapidez da viagem como na fluidez do trânsito nas vias públicas que são compartilhadas com automóveis, caminhões, motocicletas e bicicletas.

Lembro que certa vez um pastor amigo meu compartilhou no sítio de relacionamentos Facebook sobre a sua bem sucedida experiência no Canadá, país que podemos chamar de primeiríssimo mundo sendo, talvez, o mais civilizado das Américas. Segundo ele, lá existe um grande respeito pelo transporte público onde os ônibus são confortáveis, seguros (ninguém é levado em pé) e não trafegam lotados. Pois o empregador deposita tamanha confiança no motorista que lhe dá o direito de até negociar o preço da passagem como também permite que o dinheiro seja posteriormente recebido na hipótese de falta de troco ou esquecimento do usuário. Ou seja, lá você pode viajar fiado como nos antigos tempos em que se costumava fazer compras na mercearia do bairro mediante a anotação do consumo na velha cadernetinha de controle.

Contudo, também recordo que, em setembro de 1997, na primeira e única vez em que estive em Vitória (ES), fiquei perplexo quando o restaurante de um shopping pediu para reter o meu documento de identidade a fim de que a comida e a bebida fossem servidas na mesa antes do pagamento. Achei aquilo um tremendo desrespeito do estabelecimento, porém o garçom explicou-me educadamente que se tratava de um procedimento padrão adotado por várias casas na cidade por causa dos maus clientes que costumavam sair do local sem pagar a conta mesmo estando num ambiente fechado com seguranças e câmeras de vídeo por todos os lados.

Ora, será que nesse país as coisas não poderiam ser diferentes?! 

Por que o nosso povo não começa a cultivar uma outra mentalidade que envolva a cumplicidade pela justiça e o respeito mútuo pelos bens de uso comum?

Espero que, apesar dos comportamentos desviantes presenciados no VLT, a concessionária continue com o seu sistema de cobrança atual até o consumidor se educar. Sei que isso pode motivar o ajuizamento de uma futura ação da empresa em face da Prefeitura a fim de se ressarcir dos prejuízos ou a má conduta das pessoas ser levado em conta para novos reajustes tarifários visando o equilíbrio econômico do contrato de concessão, porém entendo ser uma oportunidade para a conscientização coletiva quanto à nossa responsabilidade cidadã.

Que o povo brasileiro tome vergonha na cara!




OBS: Fotos acima feitas por mim na tarde de 27/10/2016 na estação do VLT da Praça Mauá.

2 comentários:

  1. Meu caro, o teu desejo é o meu e de boa parte da população, povo honesto e respeitador da lei e dos direitos dos outros, entretanto não é assim que funciona, o honesto é tachado de babaca, e o direito é quase sempre daquele que tem mais dinheiro. Creio que tudo vem da educação, uma boa educação seja na escola seja em casa. Tenho uma teoria de que o ensino publico vem sendo deliberadamente destruído pelos diversos governos desde o tempo dos generais, naquele tempo com as prisões dos professores ditos de esquerda, e agora para que não haja entendimento sobre a conjuntura interna, seja política ou economica ou social, criando gerações de dependentes de bolsa família. Não creio que exista solução a curto prazo, apenas com educação de qualidade poderá este quadro ser revertido. É a minha opinião

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    1. Olá!

      Com certeza a educação é fundamental. Não apenas em conteúdo ou preparação para o exercício profissional, mas, sim para a vida, incluindo aí a consciência cidadã.

      Os militares fizeram mal à cultura e à política, mas há que se reconhecer a importância das disciplinas como OSPB e EMC, retiradas pela LDB, o que prejudicou muito o exercício da cidadania. Pois mesmo que a escola de antes formasse alunos mais dóceis, não podemos esquecer de que o conhecimento é uma faca de dois gumes. Hoje, no entanto, muitos nem ao menos conseguem receber a informação.

      Sou um social-democrata e acredito que o Brasil pode melhorar através de um trabalho eficiente nas escolas que conte com investimento, mais entusiasmo dos docentes e um tempo maior do aluno no estabelecimento de ensino. Seria não só a educação em tempo integral como a escola integral.

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