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sábado, 17 de março de 2012

Querendo compreender Deus

Nestes dias, enquanto estive acompanhando minha avó na clínica médica do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla (Rio de Janeiro), antes de sua transferência para o CTI, encontrei uma vizinha dela com a filha na cantina. Ambas estavam visitando uma outra pessoa também internada lá cuja saúde também não parecia nada animadora. Ali conversamos por uns minutos e ela compartilhou comigo sua decepção em relação a Deus.

“Não consigo compreender Deus!”, disse ela. E prosseguiu em seus questionamentos indagando “como Deus permite alguém chegar a um torturante estado terminal de vida ao invés de levar a pessoa logo de uma vez sem maiores sofrimentos?”

Acho que, nestas horas, qualquer tentativa de explicar doutrinariamente o sofrimento alheio torna-se uma atitude inadequada. Afirmar que a dor do outro é um “carma”, um “tratamento divino para o pecado”, ou ainda uma “oportunidade de conversão a Cristo” seria um tremendo desrespeito, um falível julgamento por meio de uma argumentação generalizadora, reducionista e que reprime o direito de reflexão de cada ser humano concedido pelo Criador. Aí talvez a resposta mais honesta nestas situações seria o ouvinte concordar que também é incapaz de entender na totalidade aquilo que se passa.

Ora, como pode o homem compreender o Deus que enche todo o Universo sem limites de espaço e de tempo?

Onde está o “céu” quando muitos pacientes em seus leitos hospitalares vivem um tormentoso inferno ainda na Terra sem nem ao menos saberem quando que tudo aquilo terminará?

Até que ponto o CTI de um hospital não tem um pouco de uma sala de tortura policial da época da ditadura militar e de inúmeros regimes totalitaristas da história recente?

Creio que, na nossa impossibilidade de compreendermos o Eterno, devemos ao menos prestar a atenção nas coisas visíveis e na obra prima de sua criação (o homem), o qual é a “imagem” do Deus invisível, conforme nos ensina o verso 27 do primeiro capítulo de Gênesis. E aí não podemos também ignorar a visão do panteísmo quando os orientais dizem que “tudo é Deus”, considerando que o Criador utiliza corpos e elementos materiais para explicar à humanidade as coisas mais evidentes da existência.

Sem dúvida que é surpreendente vermos como o Onipresente e o Onipotente deixa a sua glória para se manifestar a nós através das situações mais simples, despindo-se também da sua onisciência. É o que podemos compreender tanto nas tradições bíblicas sobre a criação, quando Deus vinha visitar o homem no jardim (Gn 3.8) como na crença cristã da encarnação do Verbo divino. Ou seja, são dois acontecimentos que nos transmitem a ideia do desejo divino de desenvolver uma intimidade conosco.

Em sua epístola aos filipenses, Paulo escreveu sobre a kenose de Cristo (Fp 2.6-11). O texto nos diz que o Messias entregou o seu estado original que o igualava a Deus e entrou humildemente no mundo, na semelhança com os homens, tornando-se um servo sofredor e foi obediente até à humilhante crucificação. Logo, podemos dizer que o filho do homem manifesta o Deus que também escolhe ser terrivelmente torturado e experimentar a vergonhosa morte que, na visão da época, seria uma punição pelo pecado como se lê em alguns livros apócrifos tipo Henoc, 4 Esdras, 2 Baruc e Sabedoria de Salomão (este existe no cânon católico).

“Deus criou o homem para a incorruptibilidade
e o fez imagem de sua própria natureza;
foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo:
experimenta-na aqueles que lhe pertencem.”
(Sb 2.23-24; BJ)

Embora o autor possa ter se referido à morte em seu duplo aspecto (espiritual e física), penso que sua visão de mundo dualista tornou-se segregadora ao dividir a existência entre bem e mal, vida e morte, trevas e luz, um Deus santo e os homens pecadores. Pois é certo que a morte física sempre existiu, mas o homem só tomou consciência dela quando se tornou um dualista, passando criar um conflito dramático que antes não havia, inventando para o si o mal e o fim existencial.

Mas é interessante perceber que a ideia sobre a entrada de Cristo no mundo foi justamente para romper a separação que a sociedade antes impunha a ela mesma. Já que todos sofremos e morremos, o messiado de Jesus apresentou-se para o mesmo fim, mostrando ser tudo bem natural. Aliás, até as piores dores ele experimentou na cruz igualando-se a um enfermo em seu estado terminal com dieta zero no CTI, achando-se sedento por molhar a boca com água, mas recebendo soro (ou aquele vinagre dado pelos soldados romanos) para manter-se vivo por mais tempo. Com a diferença, é claro, que, num hospital, os enfermeiros estão ali para diminuir o sofrimento do paciente.

Verdade é que jamais compreendemos a infinita extensão tanto do sofrimento quanto da alegria. Tão pouco conseguimos saber qual o motivo desta alternância entre os dois polos, coisa que Deus não respondeu a Jó quando lhe apareceu no redomoinho (capítulos 38 e seguintes). Porém, acho satisfatório e consolador saber que o amor divino é imenso nos momentos mais difíceis sendo que Jesus, nas palavras de Helmut Richard Niebuhr (1894-1962), possibilita-nos “reconstruir nossa fé”. Ou, como conclui Philip Yancey comentando sobre este valioso teólogo norte-americano:

“Podemos confiar em Deus porque confiamos em Jesus. Se duvidarmos de Deus, ou se o julgamos incompreensível, o melhor remédio é olharmos fixamente para Jesus, a Pedra de Roseta da fé”.

Sabemos o quanto é duro estar num CTI, mas será que a cruz dos romanos suportada por Jesus não pode nos dizer algo?

E o altruísmo daqueles que, depois dele, também tomaram parte nesta cruz e foram injustamente presos, espancados, torturados, exilados e mortos? Por acaso os mártires recentes como Martin Luther King, Nelson Mandela, Benigno Aquino, Aleksandr Isayevich Solzhenitsyn, Václav Havel, Chico Mendes e tantos outros não apresentaram para nós em repetidos exemplos a opção de Deus pelo sofrimento como parte integrante da exisência humana?

É dentro desta visão que Jesus em seu messiado na Terra nos faz conhecer o Pai em sua pessoa, tornando-se o caminho que conduz ao Pai. Sem prestarmos a atenção no limitado filho do homem, como poderemos compreender o grandioso Deus invisível?

Compartilho a seguir este belíssimo vídeo encontrado no Youtube com uma música belíssima (Bem mais que tudo) na voz deliciosa de Aline Barros e que nos fala bem forte do amor de Deus na histórica que conhecemos acerca de Jesus:



Uma boa semana a todos!

6 comentários:

  1. Rodrigo,

    refletir sobre vida e morte, dor e alegria, é sempre difícil para nós. Achamos que deveríamos viver sempre em estado pleno de alegria, satisfação e saúde - isso viria de Deus, logo, a dor, a tristeza a doença e a morte devem ser coisas que Deus apenas permite acontecer. Mas por que permite??

    Gostei da abordagem espiritual que você deu ao tema. Se o próprio Deus "sofre" na pele do seu Filho, por que também não sofreria a minha e a nossa dor? vida(alegria, saúde, satisfação) e morte(dor, doenças, sofrimentos) são os dois lados de uma mesma realidade.

    tô sentindo sua falta nos debates com o Ivani lá na confraria.

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  2. Prezado Eduardo,

    Obrigado por sua participação!

    Concordo plenamente contigo que Deus também sofre a minha dor e se alegra com minha satisfação.

    A teologia sobre o sacrifício liberta-nos mais da visão equivocada a respeito da morte, mostrando-nos que tememos nada mais do que um acontecimento bem natural chamado desencarnação. Posso dizer poeticamente que Jesus tomou de Satanás as "chaves da morte e do inferno", o que significa o seu sacrifício ter destruído a sujeição que os homens impuseram a si próprios acerca de morrerem e serem condenados a um castigo eterno. Logo, não seria equivocado afirmar que a morte deixou de existir para quem encontrou a fé pela cruz porque a nossa dessoma deixa de ser morte para se tornar um fato natural do ciclo de todos os seres vivos. Por isso, com base em Isaías 53, posso crer que ele levou sobre si os nossos pecados, nossas dores e nossas doenças porque todos os acontecimentos que reputamos ser pecaminosos, dolorosos e doentios passam a ser integrados numa mesma realidade da vital. É a árvore da vida substituindo a dualidade segregadora decorrente da árvore do conhecimento do bem e do mal. Com isto, o mitológico Satanás perde todo o seu poder. Aleluia!

    Realmente não estou podendo participar dos debates na internet. Confesso que estou sem "clima" pra teologizar nas confrarias, no Facebook e até mesmo em outros sites. Minha avó materna encontra-se no CTI de um hospital em estado grave, fui nomeado seu curador pela Justiça e, além de estar indo lá praticamente todos os dias (somente ontem é que descansei), acho que não convém me entreter com debates no momento e nem com banquetes. É o meu momento de luto por ela a exemplo do que fez Davi enquanto seu primeiro filho com Bete Seba estava para morrer, pelo que tenho usado a internet mais para coisas básicas e expor minha dor aqui no blogue. Tanto é que as minhas últimas mensagens aqui estão relacionadas ao momento que tenho vivido, conforme pode compreender melhor lendo este texto:

    http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2012/03/diante-da-cruz.html

    Assim, peço que não levem a mal a minha ausência. Numa outra oportunidade que Deus me der, acredito que ficarei feliz em debater na confraria com mentes tão brilhantes quanto o irmão, o Ivani e muitos outros que participam conosco.

    Abração!

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  3. "Ora, como pode o homem compreender o Deus que enche todo o Universo sem limites de espaço e de tempo?" - pergunta difícil de responder essa Rodrigão!

    Poderia citar versículos bíblicos ou então frases filosóficas e/ou de efeito, mas a verdade é que nunca poderemos compreendê-lo de fato.

    Cada qual faz sua própria leitura particularizada conforme o contexto que está experimentando.

    SAÚDE E PAZ pra sua avó e GARRA pra vc e seus familiares meu IRMAOZÃO!!!

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  4. Caro Franklin,

    Esta é uma pergunta com a qual sempre nos confrontaremos.

    Quem conheceu a mente do SENHOR? Ou quem foi o seu conselheiro?

    Mas tenho pra mim que os questionadores de Deus muitas das vezes chegam mais perto Dele do que aqueles que jamais ousam refletir com medo de transgredir pelo pensamento os dogmas da ortodoxia religiosa. E por isto que gosto do Philip Yancey. Ele é um escitor ousado para os padrões de uma cristandade ainda bastante engessada. Considero ser muito melhor cada qual fazer a sua leitura particularizada do que tentar se enquadrar contra seus próprios questionamentos numa bitolada visão doutrinariamente estabelecida sobre Deus. E aí prefiro a aparente descrença da vizinha da vovó do que a crença forjada de muitos que se entitulam "pregadores de fé", os quais parecem se desviar do sentimento de abandono sofrido pelo próprio Jesus na cruz quando bradou em aramaico ao recitar o Salmo 22:

    "Deus meu! Deus meu! Por que me desamparaste?"

    Agradeço pelo seu encorajamento pois, nestas horas, preciso de muita garra para não me desanimar e ao mesmo tempo de compreensão com as pessoas e com meus parentes para amá-los com conforto ao invés de julgá-los ou agredi-los por ter estado à frente das coisas.

    Grande abraço.

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  5. Rodrigo, de fato é angustiante, a poucos dias passei por um trauma com a perca de um amigo muito querido, nestas horas ficamos sem palavras, mas queria deixar esta reflexão do pr Elienai Junior qnd na perca de meu amigo ele, gentilmente enviou-me este texto para que eu postasse em meu blog:

    DEUS É SÓ O ABRAÇO



    A morte não é fim. Não é estática. Ela é um vento. E ouso dizer que se move a nosso favor. Que nos salva.

    Pulveriza nossas medidas e espalha nossas palavras. Sentir-se por ela envolvido é sugestão de silêncio e temor. Condenam-se ao ridículo os que ousam falar da vida na morte.
    Com a morte, só ela sabe da vida.

    Por isso descobri no ofício do pastor o lugar de sua mais baixa miséria e mais elevada virtude: a beira de um caixão. É ali que o oficiante experimenta sua redentora contradição: a missão de falar quando nada diz. Reunir as palavras quando são inconciliáveis. Ensinar quando nada se sabe. Falar quando até as palavras silenciam.

    Mas, desconcertante, a morte que espalha nossas palavras junta-nos em abraços. Quanto menos na morte conseguimos dizer, mais apertado aos vivos precisamos abraçar. Menos esperança, mais amor.
    Ali, nunca deixei de ouvir com tanto alívio qualquer palavra. Ali, nunca vi com igual intensidade tantos abraços. A morte que me cala une mais irmãos que qualquer sermão que já preguei.

    A morte que, ao lançar longe toda e qualquer palavra, nos ensina que nada da vida sabemos, agora joga-nos aos braços do que chora para ensinar-nos o que é amor.

    O evangelho diz que no princípio Deus era o verbo.

    A morte completa: no fim Deus é só o abraço.

    Elienai Jr.

    Abraços amigo,

    paz

    Anja

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  6. Olá, Anja.

    Muito bonita a mensagem do pastor Elienai!

    Também aprendi e cresci bastante nos velórios e enterros pelos quais passei. Sobretudo na época em que meu avô paterno faleceu em maio de 2005, quando não consegui reprimir meu choro, recebendo o consolo de muitos junto com o repúdio de alguns que me olhavam com raiva visto que fui um mal neto durante a juventude trazendo inúmeros aborrecimentos aos familiares. E, ainda sem ganhar de todos o abraço, o consolo recebido já foi suficiente para ne fazer sentir mais conectado à vida.

    É certo que a mote nos aproxima da realidade e, com isto, nos faz sentir Deus. Ela nos acorda das fantasias que inventamos e das ilusões e ídolos que tentamos inutilmente colocar no lugar de Deus.

    "Melhor é ir à casa onde há luto do que ir a casa onde há banquete; porque naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração." (Eclesiastes 7:2)

    Felizmente minha avó materna está viva e vou lutar para que ela não morra desta vez.

    Que ela viva, mas que seja feita a vontade de Deus.

    Abraços.

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