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sábado, 1 de outubro de 2011

Adeus, vovó!

"Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão" (Eclesiastes 3.20; ARA)

Essa última semana de setembro foi muito difícil. Precisei interromper minhas atividades laborais meus estudos e o cursinho preparatório para a prova do Tribunal de Justiça bem como ausentar-me num convite confirmado para comemorar as "Festas das Primícias" do Ano Novo Judaico numa comunidade judaico-messiânica aqui em Nova Friburgo.

Fui pego de surpresa na noite desta segunda-feira (26/09), ao saber que minha avó paterna tinha passado mal na sua casa de veraneio em Muriqui (RJ) e se encontrava lá sozinha precisando de socorro. Liguei para o seu celular. Ela atendeu. Só que eu mal conseguia compreender o que ela estava tentando me dizer. Imaginei logo que tivesse sido um derrame.

Sem ter carro e morando no outro lado do Estado do Rio de Janeiro, há mais de 200 quilômetros, precisei ter sangue frio para administrar a situação. Entrei em contato com minha tia e descobrimos uma pessoa da localidade que pôde ir até sua residência e levá-la ao posto de saúde. Fiquei até de madrugada comunicando-me por telefone com minha tia até saber que vovó tinha sido removida para o hospital público que fica na sede do município (Muriqui é distrito de Mangaratiba). Disseram-me que a situação parecia encaminhada e menos preocupante.

No dia seguinte (27/09), após ter dormido por pouco mais de uma hora, saí cedo de Nova Friburgo em direção ao Rio onde embarquei em outro ônibus com destino a Angra dos Reis. Isto para não depender dos poucos horários disponíveis da linha da viação Costa Verde para Mangaratiba que faz paradas em três localidades até lá, demorando cerca de três horas. Viajei preparado para dormir durante vários dias em Muriqui e separei algum dinheiro para que minha esposa se mantivesse em casa.

Cheguei ao hospital pouco depois do meio dia, após ter almoçado e realizado algumas coisas necessárias na internet. No nosocômio, demorei a localizá-la, sendo que a recepção da unidade não tinha as informações onde minha avó pudesse ser encontrada até que eu a encontrei na emergência. Estava muito agitada, não conseguia falar direito e o lugar mal tinha estrutura para prestar um atendimento adequado aos pacientes.

Telefonei para minha tia afim de que ela entrasse em contato com o Bradesco Saúde e tentei verificar com os médicos sobre o diagnóstico e a possibilidade de remoção, sem ter conseguido falar até então com o profissional que estivera cuidando diretamente de seu caso desde o início do plantão. Seu quadro era de insuficiência cardíaca descompensada e também de insuficiência renal.

Contudo, eu mal poderia imaginar que havia chegado ao hospital na última hora de vida da minha avó. E, tão logo retornei ao leito onde estava, não demorou muito para que ela viesse a sofrer um infarto, um processo que eu duvidava que estivesse acontecendo. Vovó chegou a dizer que estava morrendo, mas eu não acreditei que fosse verdade e pensava ser uma reação emocional da parte dela até que, notando umas reações estranhas, chamei a enfermeira, a qual fechou a enfermaria, retirando de lá os acompanhantes e pacientes menos graves afim de que fosse tentada uma reanimação. No corredor do hospital, restou-me apenas a alternativa de orar e recitar uns versos dos salmos da Bíblia que trouxera na mochila.

Com a notícia de seu falecimento, iniciou outra batalha. Além de avisar minha tia, que ainda estava no Rio fazendo contatos, precisei comparecer ao cartório de registro civil para a certificação do óbito e contratar os serviços de uma funerária. Nestas horas ter uma faculdade de Direito adianta um pouco, mas a atenção nem sempre funciona bem quando estamos agindo em causa própria. Ainda mais debaixo de fortes emoções.

Confesso que aquele dia foi marcante pra mim, sendo que jamais tinha acompanhado uma pessoa em seus últimos instantes de vida. Quando minha tia chegou, senti a necessidade de desabafar sem lhe esconder as coisas ruins que passavam em minha mente, capazes de gerar terríveis sentimentos de culpa.

Recordo que, quando meu sogro veio a falecer nos braços de minha esposa, eu banalizava os sentimentos de culpa que Núbia alimentava dentro do seu coração. Considerava ilógico ela responsabilizar a si mesma pela morte do pai quando ele havia infartado dentro de sua casa às cinco da madrugada. Só que eu jamais tinha enfrentado uma situação semelhante para conseguir compreender como é complicado alguém lidar com o trauma da impotência pela perda de uma pessoa sob seus cuidados.

Em casos de saúde, jamais os familiares e acompanhantes podem se considerar o motivo do falecimento do ente querido. Pois somente poderemos nos tornar responsáveis por um evento se formos a sua causa direta. Do contrário, deve-se levar em conta as inúmeras variáveis que concorrem para um acontecimento ruim. E aí o que podemos indagar seria um tipo de fatalismo, aceitando que chegou a hora da pessoa partir.

Vovó viveu 89 anos. Faltava praticamente um mês em meio para que ela completasse os 90. Teve dois filhos e enterrou meu pai em 1983 quando ele tinha seus 36 anos. Morava sozinha em seu apartamento no Grajaú, Rio de Janeiro, e sempre teve uma saúde razoavelmente boa. Conviver com ela não era fácil e, por ser muito geniosa, dificultava a aproximação tanto dos familiares quanto dos vizinhos. Eu mesmo não costumava ser bem sucedido nas visitas que lhe fazia e precisava ser bem cauteloso tanto nas palavras quanto nas atitudes para evitar algum atrito.


Entretanto, vovó tinha boas qualidades. Era trabalhadeira, atuou como professora na rede pública municipal do Rio de Janeiro por muitos anos, formou-se em Biologia aos 50 anos e gostava de ajudar pessoas. Aliás, devo dizer que ela contribuiu bastante para o meu sustento econômico, assim como prestava auxílios financeiros a pessoas que nem eram parentes de sangue como minha outra avó (por parte de mãe), minha sogra e outros que nem pertenciam à família. Vivia com honestidade e disto todos os que lidavam com ela podiam testemunhar. E mais do que eu, que sou neto, reconheço que minha esposa, cunhada e sogra demonstraram mais empatia por ela.

Nestes dias finais de luto, agradeço a Deus pela vida da vovó e também por ter conseguido chegar a tempo no hospital de Mangaratiba para uma despedida final. E talvez a minha fraca presença ali tenha sido pra ela uma das coisas mais significativas. Não imaginava que sua partida iria ocorrer antes de seus 90 anos, porém o tempo de cada um é algo que somente o Soberano e Altíssimo conhece.

Com o falecimento da vovó, não resta mais ninguém na minha linha ascendente paterna (cheguei a ter meus quatro avós e cinco bisavós quando nasci). Prossigo agora com minha esposa, mãe, os avós maternos, dois irmãos uterinos, tios, primos, sogra, cunhada e mais a imensa família de Deus espalhada pelos quatro cantos da Terra.


OBS: A segunda foto acima refere-se aos dias em que eu e Núbia passamos na casa de minha avó em Muriqui na ocasião do ano novo de 2003.
Darcília Ferreira da Silva Pinhão nasceu em 14 de novembro de 1921 na cidade do Rio de Janeiro e faleceu em 27 de setembro de 2011, às 13:30 horas, no Hospital Municipal Victor de Souza Breves, em Mangaratiba (RJ). Era filha de Domingos Ferreira da Silva Pinhão e Margarida da Rocha Pinhão.

7 comentários:

  1. Ao invés de cultos religiosos ou mandar rezar missa de sétimo dia, achei mais significativo prestar minha última homenagem escrevendo um artigo.

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  2. V. parece com ela!
    Força aí

    Juão

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  3. Obrigado pelo apoio, Juão!

    Realmente eu, meu pai e minha tia puxamos bem a ela.

    Comprei teu livro, mas os Correios ainda não entregaram.

    Grande abraço!

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  4. Linda homenagem Rodrigão!

    Graças a Deus ainda tenho minhas duas avós que já são bisavós vivas. Um privilégio!

    Uma com 93 e a outra com 82, as duas lúcidas pra caramba. A de 82 ainda viaja sozinha pra todo canto, a de 92 já tem um pouco mais de dificuldade de locomoção.

    Sei que a frase é viciada e mecânica, mais ainda assim desejo meus sentimentos de identificação na dor pra vc e sua família!

    Um ABRAÇÃO AMIGÃO!

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  5. Amigo, que bênção você ter estas duas velhinhas vivas!

    Graças a Deus pela existência delas!

    Em minha família, quem mais viveu foi a mãe de meu avô paterno, a qual chegou aos 99.

    Seus três últimos anos foram em cima de uma cama por ter ela quebrado o fêmur e perdido também a lucidez depois da cirurgia. Porém, até os 85 ela saía às ruas para comprar alimento na feira e subia as escadas na casa onde morava na rua Ibituruna, Tijuca, Rio de Janeiro.

    Nascida ainda no século XIX, no município de Cantagalo (RJ), dona Nadina era filha de um pai suíço da família Dietrich (provavelmente oriunda da parte alemã da Suíça). Teve cinco filhos, sendo três homens e duas mulheres.

    Mais tempo do que esta bisa, acho que nenhum outro parente na linha ascendente direta e nenhum de seus filhos chegou aos 90 e todos, exceto meu avô, faleceram de câncer.

    Já a família de minha avó paterna durou bastante. As tias dela chegaram bem perto dos 100.

    Obrigado aí pelos seus sentimentos, meu mano.

    Grande abraço e vida que segue.

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  6. Concordo plenamente que essa homenagem foi milhões de vezes mais significativa, e que privilégio poder se despedir de uma avó já tão adulto. Quando é chegada a hora, não tem jeito a dar, infelizmente. Dona Darcília teve mesmo uma expressão de força e austeridade, e pelo visto ainda aos quase 90 anos dava conta de sua vida, que ela siga a Eternidade com todo seu aprendizado terreno e esteja em Paz. E aproveite o privilégio de ainda ter mãe e avós já tão adulto, apesar de nem sempre ser fácil conviver, eles nos são importantes!!!

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  7. Olá, amiga!

    Como vai? Você andava sumida daqui! Quanto tempo!

    Obrigado por sua carinhosa mensagem de apoio.

    Concordo que tenho sido privilegiado com a longevidade de meus avós, apesar da perda prematura de meu pai quando ele tinha seus 36 anos.

    O tempo em que minha avó paterna viveu sobre a Terra foi aquilo a Vida lhe permitiu e aí creio na existência de propósitos individuais e coletivos da Inteligência Superior que governa magistralmente o Universo.

    Cada dia dela aqui, mesmo com as dificuldades de convivência, foram importantes para existência de todos e da realização do misterioso propósito divino.

    Igualmente penso que seja a nossa morte. Um dia partimos para dar lugar a outros e permitirmos que a Vida promova a necessária renovação de tudo, iniciando-se novos ciclos.

    E assim caminhamos, pensando agora no bem daqueles que estão vivos e que ainda estão conosco, além dos que virão para dar continuidade. Ou seja, nossos filhos e netos ou as gerações deles, caso não venhamos a tê-los.

    Grande abraço e volte sempre!

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