"Juízes e oficiais porás em todas as tuas cidades que o SENHOR teu Deus te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça." (Deuteronômio 16.18; versão bíblica de Almeida Corrigida e Revisada Fiel)
Neste mês de agosto (25/08/2011), o Tribunal do Júri absolveu a agricultora Severina Maria da Silva, uma sofrida mulher pernambucana de 44 anos que foi acusada de ter mandado matar o próprio "pai".
Mãe de 12 filhos (dos quais sete já morreram) e abusada pelo seu genitor desde seus 9 anos de idade, Severina não teve outra opção para defender a si mesma e sua família quando o Sr. Severino Pedro de Andrade (o "pai") tentou estuprar uma das suas filhas (também sua neta) que, na época, tinha 11 anos. E, para tanto, ele ameaçou Severina. Ou ela deixaria levar a filha para a cama com o "avô", ou seria assassinada pelo próprio "pai".
Durante o julgamento, ocorrido na cidade de Recife, nem a Promotoria pediu a condenação de Severina, muito embora os executores do crime, Edílson Francisco de Amorim e Denisar dos Santos, contratados por Maria Severina para matar o "pai", vieram a ser condenados no ano de 2007 às penas de 17 e 18 anos de prisão, respectivamente.
O principal motivo de sua absolvição foi aquilo que a doutrina jurídica chama de "inexigibilidade de conduta diversa", o que ocorre quando a pessoa, estando coagida de tal forma pelas circunstâncias fáticas, não tem outra opção de agir senão através de uma conduta tipificada como crime. Então, uma vez constatada esta situação excepcional, o fato praticado não pode ser penalmente punido.
Anos atrás, aqui em Nova Friburgo (RJ), houve um homem que, após ser vítima de três tentativas de homicídio, tendo sido até baleado, não lhe restou outra alternativa senão buscar a morte do seu agressor. E, ao ser levado para julgamento, conseguiu a absolvição graças ao depoimento do filho do seu desafeto, em que o rapaz confessou em Juízo que, se o seu pai não tivesse morrido, mataria o réu.
Ainda quando era estudante de Direito, assisti um júri na cidade em que uma mulher moradora da zona rural, após ter sido diversas vezes ameaçada de morte pelo marido, precisou matá-lo com um golpe de enxada. Lembro que, na ocasião do julgamento, foi também o próprio Ministério Público quem pediu a absolvição.
Tais episódios me fazem pensar sobre a situação dos inúmero Severinos e Severinas deste país. Pessoas que, sendo vítimas da violência reinante na sociedade, nem ao menos encontram o devido apoio do Estado, isto é, da Justiça e da Polícia.
De acordo com a citação bíblica do começo do texto, o povo de Israel foi orientado a designar para cada uma de suas cidades "juízes" (hebraico shofetim) e "policiais" (shoterim), os quais eram encarregados de cumprir as disposições e ordens dos tribunais da época.
Tal preocupação é bem relevante porque é através dos serviços jurisdicionais e de segurança que o Estado (ou o interesse da coletividade numa anarquia) pode se fazer presente. E aí podemos observar que, numa lei de praticamente 3.000 anos, já era reconhecida a importância destas duas relevantes atividades públicas.
Todavia, aqui no Brasil, ainda estamos muito distantes deste ideal de justiça e de segurança. A proteção à vítima e à testemunha são coisas que, na maioria das vezes, ficam só no papel, tornando-se um eterno sonho que apenas se concretiza nas imagens do cinema hollywoodiano. E, na prática, os homicídios em geral nem são elucidados em sua grande parte de modo que aquelas técnicas típicas dos capítulos do CSI geralmente só chegam a ser utilizadas em casos de maior repercussão como os da Isabella Nardoni ou de Eliza Samudio.
Infelizmente, a ausência do Estado acaba sendo a principal responsável por aquilo que a humanidade tem lutado há milênios - a vingança privada. Pois, justamente para que houvesse a tão sonhada paz social, pondo fim à vingança da vítima, foi que surgiram as antigas legislações no Oriente Próximo, como na Mesopotâmia (Código de Hamurábi e outros) e em Israel (a Torá). Inclusive, mesmo na vigência dessas leis, os povos semitas ainda preservaram a figura do "vingador de sangue" em que uma pessoa da família poderia vingar a morte de alguém que foi vítima de um homicídio culposo. E então, para por limites nisto, a Torá criou as denominadas "cidades de refúgio" onde o responsável pela morte acidental pudesse ficar abrigado do vingador de sangue.
No nosso país, devido à falta de um programa social que proteja efetivamente as mulheres e crianças (nem todas as cidades dispõem de delegacias femininas), bem como as vítimas e testemunhas de crimes, parece que vingança privada ainda tem sido a única opção para o pobre. Assim como a Severina Maria da Silva (nome bem comum no Nordeste), temos inúmeras outras pessoas vivendo dramas semelhantes ou análogos. São agricultores, donas de casa, menores, trabalhadores urbanos que não têm como se proteger legitimamente diante de tanta violência que ameaça suas vidas.
Será que um funeral de indigente é a única parte que cabe aos Severinos e às Severinas deste latifúndio chamado Brasil?
Minha esperança é que, com o enriquecimento econômico da nação, possa haver uma satisfatória promoção dos serviços essenciais de Justiça e de Polícia, afim de que o Estado se faça presente em toda parte. Não apenas nas áreas centrais das cidades e bairros ricos, juntamente com melhorias na educação e distribuição da renda nacional.
OBS: A ilustração acima foi extraída do Portal Geledés Instituto da Mulher Negra, em http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/nossas-lutas/questoes-de-genero/265-generos-em-noticias/10854-minha-mae-me-levou-pra-ele-conta-mulher-abusada-pelo-pai-em-pe/.
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