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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Aprendendo a conviver com os defeitos

Aquele que efetivamente cura feridas é o ferido
(Henri Nouwen)

Por muitas vezes já desanimei e me decepcionei comigo mesmo por ter reincidido nos mesmos erros, os quais gostaria de nunca mais praticar. Após várias quedas constantes, cheguei a amargar um terrível sentimento de frustração com a minha vida religiosa, deparando-me com a dura realidade de continuar sendo o mesmo vacilão de sempre, mesmo depois de ter feito uma sincera confissão de fé, recebido o batismo, participado da celebração da Santa Ceia e dispensado uma parcela de meu tempo com orações, vigílias, cultos na igreja, leituras bíblicas, visitas a irmãos, atividades ministeriais, etc.

Certamente que, nos primeiros momentos de minha caminhada, eu costumava iludir-me pensando que, depois de pedir perdão deste ou daquele erro numa ocasião que julgasse especial (o utópico dia perfeito), tudo seria diferente e eu iria “aprender a ser gente” como diz um trecho da música de Roberto Carlos. Então, sem total consciência de que o orgulho moralista não valia nada, vestia a máscara de jovem religioso e espiritual de modo que, muitas vezes, agia com certa insensibilidade quanto às demais pessoas em dificuldades, deixando-me de relacionar melhor com elas e supondo presunçosamente que todos deveriam passar pelos mesmos métodos religiosos que eu. Só que,m quando tropeçava, já não sabia mais aonde enfiar acara até que, ao 17, deixei de congregar-me na Igreja, ficando uma dúzia de anos sem conviver com um grupo de irmãos.

No fundo a máscara religiosa foi apenas mais um disfarce que utilizei covardemente para encobrir meus dramas, os quais se traduziam numa necessidade de aceitação, amizade, reconciliação, segurança e amor. Em meu interior escondia um Rodrigo angustiado, ansioso, inseguro, hipersensível e que tinha muitas lágrimas represadas para chorar.

Hoje não nego que ainda sou aquilo que as minhas palavras bem ou mal tentam expressar (é muito difícil falar de si), mas o que posso compartilhar é que não deixo de receber graça da parte de Deus para conviver com os meus defeitos. Pois tenho aprendido que a realidade inclui a existência das incorrigíveis inclinações para o mal, o que deve coexistir com um processo de aperfeiçoamento diário em busca de uma convivência melhor com a vida.

Aceitar a mim mesmo com todos os erros e falhas acabou se tornando em bênção. Pois descobri que expondo os meus defeitos ajudo pessoais em situações semelhantes, sendo que mais teria a aprender com os de alma enferma do que com aquelas que se consideram boas. E, nas vezes em que me dispus a cuidar do fraco, paradoxalmente recebi força e uma revelação do amor divino em meio às dificuldades.

Curiosamente a ferida de Jesus na cruz serve-nos de símbolo para a cura humana e aponta o caminho a ser percorrido afim de entrarmos em acordo com a nossa natureza errante. Pois no seu martírio, Jesus não fez nenhum milagre e disse poucas palavras, portando-se como um cordeiro indefeso nas mãos dos seus tosquiadores, bem como deixando que o oprimissem e o envergonhassem publicamente. Ali, naquele momento de dor, não houve transfiguração, nem descida de anjos, tempestade acalmada, gente andando sobre as águas ou multiplicação de pães, mas tão somente um homem gemendo: “Deus meu! Deus meu! Por que me desamparaste?”

Atualmente procuro entender cada falha pessoal como uma oportunidade para o meu bem e de outros. Não que eu queira cultivar defeitos, mas apenas admito a impossibilidade de removê-los de modo que me contento em apenas passar por eles, o que significa buscar um diálogo pacificador com meus desejos, com meu próximo e com o universo em minha volta, descansando no incondicional amor de Deus.


OBS: A foto acima refere-se à "Cachoeira da Jornada" e pertence a três CDs foram cedidos pelo meu amigo Jorge Elpídio Medina, apelidado como Passarinho. Ele é autor de um projeto de inventário geográfico e hidrográfico do município de Cachoeiras de Macacu, feito em colaboração com os fotógrafos Denílson Siqueira, André Confort, Yuri Blacheire e Damião Arthur. A escolha da imagem tem a ver com o que um historiador amigo meu no Café História certa vez escreveu:

"A vida é como um rio, as águas passam, mas o leito muda pouco. Assim sendo, novas visões podem apreciar antigos fatos."
(Ivani de Araujo Medina)

9 comentários:

  1. rodrigo, também já passei por esse dramático processo. sabe, o pior é que muitas vezes, nós que fomos muitos jovens de igreja, nos penitenciávamos por "pecados" inventados pela religiosidade doentia de nossas igrejas.

    o cristianismo não larga essa ideia antiga e falsa de que deus é um pai moralista que se preocupa e fica chateado se eu me masturbasse ou se desse uns amassos mais picantes em minha namorada. sim, por que 98% dos dramas dos jovens crentes é em relação a assuntos desse tipo, de cunho sexual. o cristianismo ainda não aprendeu a lidar com o corpo e seus instintos naturais.
    como se gnóstico fosse, o cristianismo alçou o corpo/carne como algo mal em si mesmo que está em oposição com o espírito.

    hoje sei que a moral é invenção humana e não divina. sei que somos nós que temos que impor certos limites de comportamento para vivermos em sociedade e esses limites tem que ser aceitos por todos os membros de uma sociedade(ou pela maioria delas, sendo que os contrários tornam-se infratores). sei também que a moral não pode ser divina pois ela é mutável no tempo e nas circunstâncias.

    hoje, fala-se muito na construção de uma ética global onde alguns princípios de boa convivência seja possível entre os povos e entre os individuos de uma sociedade.

    com isso, não nego que a "ética do sinai" ou a "ética do sermão do monte"(ou da planície conforme queiram mateus ou lucas), perdeu o seu valor. muita coisa que era moral nos relatos bíblicos perderam totalmente seu valor para os dias de hoje. muita coisa! mas ainda permanece um "remanescente ético" nas páginas desse velho livro que parecem atemporais.

    abraços

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  2. Olá Eduardo,

    Interessante vc ter tocado na questão do sexo tratado pelo cristianismo.

    O padre Henri Nouwen, que citei no começo do texto, tinha desejos homossexuais, mas foi um grande homens pela sua caridade e pelas ideias expressas nos seus livros (acho que alguns foram publicados no Brasil por editoras católicas). Decidiu por jamais "sair do armário", isto é, não viver um relacionamento homossexual, ou se assumir gay, para levar adiante seu voto de castidade e preservar seu ministério com o qual podia ajudar muitas vidas. Sofreu muito por sua escolha, mas aprendeu bastante também com o sofrimento e o que se tornou interessante na sua trajetória foi que Nouwen não se tornou um cara amargo e moralista. Pois, na época em que a AIDS matava muita gente nos USA, ele disponibilizou-se a cudiar dos doentes e aconselhar rapazes homossexuais que, naqueles momentos tão difíceis, precisam de um apoio, um acolhimento. E mais, ele não se arrogava como um despenseiro da graça divina, como alguém investido de uma suposta autoridade espiritual falsificada pela batina que fosse capaz de dar as respostas. Mas era consciente de que tanto quanto as demais pessoas era só mais um receptor da graça.

    Lamentavelmente o cristianismo acabou deturpando a ideia de pecado como se este fosse atos isolados ao invés deuma ruptura da re-ligação universal. Muita gente chega a dizer que o "pecado original" de Adão e Eva foi o sexo! Outros cristãos, mesmo que não levem para este lado, acabam tendo uma visão reducionista da queda, encarando a narrativa mítica de Gênesis como uma descrição ocorrida na origem cronológica de nossa história sem atentar para o aspecto simbólico e metafórico do Adam, que foi tomado da terra e dela se desconectou, bem como de Deus e de sua comunidade humana.

    Certamente que a queda de Adam não deve ser entendida como um juízo moral, que seria o valor de uma ação, mas sim como um juízo ontológico (Natureza limitada, não divina de um ser e de uma ação). É o que expõe Leonardo Boff:

    "Há uma situação objetiva que torna possível a situação decadente do ser humano. É a defasagem natural entre o utópico e o histórico, entre o desejo ilimitado e seus objetos, sempre limitados. Numa palavra, não somos o Criador. Aqui nos defrontamos com uma decadência que é inocente e inevitável. Cada ação visa realizar o sonho Mas o que realiza não é ainda o sonho. Apenas uma aproximação dele. Esta ação, por melhor que seja, é decadente face à excelência do sonho ou quando confrontada com o Criador."

    Assim, Boff explica que na verdade somos perfectíveis, o que me leva a entender que o homem jamais teve uma bondade acabada e vive um processo de perfeição. Então, o pecado seria a recusa do homem em evoluir sendo livre para escolher ou não crescer, passar ou não pelo processo evolucionista. Abrir-se infinitamente ou se fechar sobre si mesmo e no seu mundinho pequeno numa permanente disposição de não querer a graça.

    Contudo, o grande barato disto tudo é que a Vida é mesmo graciosa e nos permite uma nova chance de reconstruir. Trata-se da nossa redenção. E aí cabe a nós o papel de sermos ajudadores uns dos outros, cuidarmos do meio ambiente e anunciarmos este Evangelho que prega a re-ligação do homem com o universo afim de que possamos retomar a nossa verdadeira natureza.

    Sem dúvida que a moral já não presta para resgatar o homem e ela acaba excluindo mas ainda as pessoas que não se encaixam no seu padrão. Por sua vez, a lei da sociedade, ou da maioria, nem sempre é justa e sua letra perece com o tempo. Mas a ética sim é algo atual. É o que vai nortear a conduta humana diante de cada circunstância.

    Certamente que a Bíblia trouxe orientações maravilhos sendo ela uma expressão escrita daquilo que nós crisãos e judeus (e os mululmanos também) entendemos como sendo a Palavra de Deus. Só que a Palavra é viva e deve ser sempre atualizada conforme a instrução do momento. Logo, a Palavra de Deus será sempre atemporal.

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  3. Rodrigo, como está meu mano?!

    Taí um cara que deveria ser mais lido pelos evangélicos (Henri Nouwen), o cara é fera!

    Árdua tarefa essa, a de aprender a conviver com os próprios defeitos!

    Temos uma resposta imediata para sermos os nossos próprios juízes, e fazendo assim deixamos de lado o mandamento "amar ao próximo como A SI MESMO".

    Infelizmente estamos intoxicados do moralismo legalista que é como aguilhão na nossa pobre alma.

    Estou terminando um texto com o tema "já me desviei e vou continuar me desviando", onde abordo um pouco dessa questão.

    Uma das frases é:"Sim, eu tenho a coragem de dizer que já me desviei e vou continuar me desviando, mas de igualmente aceitar o fato de que: “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim, de maneira nenhuma o lançarei fora.” (João cap. 6 vs. 37), e de também ter a responsabilidade de não fazer dessa inadequação e fragilidade temporal concessão deliberada suicida".

    Mesmo hoje com uma consciência melhor do que seja a Graça, volta e meia os reflexos do terrorismo psicológico absorvidos no início da caminhada, insistem em querer ganhar espaço.

    Nessa hora um bom exercício, é se reconhecer, se aceitar, e lembrar "QUE SÓ GRAÇA NOS BASTA!", pois estando fraquinhos, somos fortes porque nos valemos da FORÇA DO AMOR ETERNO DE DEUS!

    Um ABRAÇÃO querido,

    Franklin

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  4. Olá, Franklin!

    Obrigado por sua participação, mano. Seus comentários edificaram e muito! E precisamos nos tratar continuamente com a graça.

    O que colocou faz lembrar que, quando Jesus deu a Ceia aos seus discípulos, ele sabia muito bem que, em alguns instantes, Judas o trairia, Pedro o negaria e os demais iriam abandoná-lo. Também os três que o acompanharam no Getsêmani dormiram enquanto Jesus orava. E, se levarmos em conta o comportamento de cada um que, naquela noite, eles todos fizeram aliança de sangue com Jesus e comeram simbolicamente de seu corpo, estavam então indignos por seus próprios méritos de participarem de tal celebração. Contudo o moralismo de Judas levou-o ao suicídio enquanto Pedro foi capaz de tratar-se com a graça.

    Curiosamente, Henri Nouwen ignorava as orientações de Roma para que a eucaristia fosse dada somente aos católicos. Ele celebrava a comunhão todos os dias e nos diversos lugares onde se encontrava. Podia ser numa sala de aula com os alunos ou com estranhos.

    Todavia, durante as celebrações da Ceia é quando vejo pessoas se auto-excluindo e ouros que se acham indignos de participar daquele momento. São os reflexos do terrorismo psicológico do qual falou roubando das pessoas a beleza que há em todos participarem do memorial de Cristo pois tudo o que precisamos é discernir o corpo e o sangue do Senhor, não que estejamos perfeitos na hora de comer o pão ou beber do cálice.

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  5. Ah! Respondendo sua pergunta. Estou bem. E você?

    Posso dizer que estou buscando caminhar cada dia debaixo da graça e não deixo de lutar contra este aguilhão do moralismo do qual se referiu.

    Grande abraço pra vc também!

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  6. rodrigo, nunca li nada do autor que você citou mas é um bom exemplo a ser seguido. você disse algo muito interessante em

    "Então, o pecado seria a recusa do homem em evoluir sendo livre para escolher ou não crescer, passar ou não pelo processo evolucionista. Abrir-se infinitamente ou se fechar sobre si mesmo e no seu mundinho pequeno numa permanente disposição de não querer a graça.'

    esse tema deveria ser melhor desenvolvido.

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  7. Olá, Eduardo!

    Concordo contigo.

    Acho que na minha réplica não consegui contextualizar suficientemente (ou satisfatoriamente) com minhas palavras o que Leonardo colocou em seu livro. Mas vou tentar expor pelo meu olhar o que entendo a respeito desta re-leitura da queda feita pelo Boff que pra mim é um dos autores liberais que hoje respeito muito.

    Se Boff afirma que somos perfectíveis significa que o homem tem em si o potencial de bondade. Ele não se tornou bom e perfeito ainda, mas pode desenvolver este fruto em sua vida. Tanto nas relações familiares e parentais como nas coletivas como as comunitárias e até mesmo globais.

    Ora, esta visão de certo modo afasta-se daquela ideia de que herdamos de Adão o gene do pecado e que, portanto, o homem será sempre mau e perverso, incapaz de praticar atos de bondade pelo amor.

    Na verdade, temos em nós uma inclinação destrutiva para o mau. Somos capazes de roubar, matar e destruir, agindo de um modo inegavelmente diabólico. Só que podemos também ser construtores de uma aproximação entre os seres, comungarmos com a coletividade humana, com a natureza e com o universo a fim de restaurar relações há muito rompidas, significando que todos temos um incrível potencial messiânico na medida em que partipamos do amor de Cristo.

    Ainda que erremos, recebemos graça sobre graça para buscarmos acertar o caminho, o que ocorre nas relações mais simples como nas mais amplas. Mas, se recusamos a graça que nos é oferecida e resolvemos permanecer em nosso erro destritivo, certamente que iremos colher o resultado da escolha da nossa ingratidão. Podemos permanecer na nossa contínua recusa em não nos reconciliarmos com a vida ou ouvirmos sua voz instrutiva falar em nosso interior e assim nos abrir para a construção do sonho de um mundo onde o sentimento e a atitude de cada ser humano para com seu próximo seja a promoção da paz.

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  8. Olá,Rodrigo.
    Pensar,organizar cada qual o seu caminho e seguir.
    Gostei do seu texto faz pensar.
    Esses dias escrevi e postei no meu blog um texto que pode complementar algumas coisas escritas por você.Quando puder dá uma olhadinha
    www.farolquebrilha.blogspot.com.
    O titulo do texto é,Não se conhece o outro pela aparência.
    Um abraço,

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  9. Oi, Lígia.

    Obrigado pelo comentário!

    Vou visitar seu blogue.

    Abraços.

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