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terça-feira, 20 de julho de 2010

Antes de um livro


Esta madrugada, pouco antes do sol nascer, perdi mais uma vez o sono. É algo que acontece costumeiramente comigo. Às vezes, fico na cama pensando comigo mesmo em diversos assuntos enquanto as horas passam e minha esposa dorme à minha direita. E, nos últimos dois anos, às vezes tenho me levantado para ler a Bíblia e orar durante a madrugada. Desta vez, resolvi ligar o computador, escrever e registrar a agitação de minha alma, dando início a este texto que pela tarde concluo e corrijo.

Por estes dias, um conhecido meu reiterou seus convites para que eu vá ao lançamento de seu livro “Mutação e Criação – Além do Arco-Íris” que, sem ainda ter uma data marcada, ele pretende apresentar este ano no Rio e em Niterói, depois da bienal de 21 de agosto em São Paulo. Disse-lhe então por e-mail que, devido às condições de saúde de minha esposa, que mal tem conseguido descer as escadas do prédio (por causa de um problema nos dois joelhos que lhe provoca fortes dores), não daria pra confirmar minha presença no evento, mas que ficaria grato em receber dele um exemplar. Em sua resposta, ele escreveu que eu poderia “comprar uns 10” e ainda “indicar para amigos”.

Em várias épocas de minha vida, depois de ler um bom livro e ficar empolgado com as ideias expostas pelo autor, eu saía comprando novos exemplares e distribuindo para amigos e familiares. Fiz isto com “Doze semanas para mudar uma vida” e “Análise da Inteligência de Cristo”, ambos de Augusto Cury, “O Jesus que eu nunca conheci” de Philip Yancey, “Bom dia Espírito Santo” do pentecostal Benny Hinn, “A Cabana” do canadense William P. Young e o polêmico “Por que Você Não quer ir Mais à Igreja?”, de Wayne Jacobsen e Dave Coleman. Ou seja, eu sentia a necessidade de compartilhar com as pessoas algo que havia me transmitido uma mensagem significava, o que, por outro lado, não queria dizer que o conteúdo da obra tinha sido satisfatoriamente absorvido.

Nenhum livro obviamente foi mais importante para o meu coração do que a Bíblia! Eu a leio desde os 10 anos de idade quando assistia as aulas de catecismo para receber o sacramento da “primeira comunhão”, época em que cursava a 3ª série no colégio Stella Matutina na cidade mineira Juiz de Fora em 1986. A madre havia solicitado que os alunos adquirissem um livro sobre a religião católica e também um exemplar dos quatro Evangelhos (acho que na tradução de António Pereira de Figueiredo).

A partir de então, a Bíblia tem sido o livro que mais leio e me fez discordar não só das práticas do catolicismo como das próprias igrejas evangélicas, tal como fazem os “teólogos da prosperidade” venerando o dinheiro. Comecei a ler também outros livros da Bíblia como o Apocalipse de João, Atos dos Apóstolos, Gênesis, Juízes, I e II Samuel, I e II Reis, Daniel, Rute, Ester e Jonas, bem como alguns deuterocanônicos como I Macabeus e Tobias. Concentrava-me mais nas narrativas e ia me dispersando quando lia as poesias hebraicas, de modo que, apenas no século XXI, foi que passei a me interessar pelos Salmos, Cântico dos Cânticos e também pelos livros dos profetas a ponto de só ter concluído a leitura completa da Bíblia em 2008. Já as epístolas, consegui de fato mergulhar nas suas palavras na época em que considero ter aceitado a Cristo, lá pelos meus 14 anos (1990).

Pouco tempo depois que me converti, eu decorava vários versículos bíblicos e os repetia para as pessoas achando que desta forma iria convertê-las também. Por uns meses, tornei-me uma espécie de bíblia ambulante a ponto de cansar meus ouvintes e ser tido como um fanático religioso. Numa tarde de sábado em Copacabana, não permiti que meu avô pudesse desfrutar de minha companhia. Compulsivamente, eu queria sair pregando pra todo mundo pela orla marítima, sem dar nem um instante de atenção às pessoas e sem ouvi-las. Eu tratava os destinatários da minha mensagem como se fossem um número a ser alcançado e não indivíduos. Meu quadro era tão patológico que, quando ia para a escola de ônibus, azucrinava os ouvidos dos passageiros durante a viagem.

Hoje, com uma visão diferente acerca daquele meu comportamento de adolescente fanático, não deixo de identificar outras manifestações compulsivas que se manifestam nas mais diferentes emoções, buscando compreendê-las melhor para não ser governado pelos próprios sentimentos. E, justamente refletindo acerca de mim mesmo, é que tenho avaliado o comportamento que alguns crentes ainda saem pelos quatro cantos recitando versículos da Bíblia em voz audível, conforme encontrei um irmão portando megafone por vários domingos no terminal rodoviário urbano daqui de Nova Friburgo.

Neste ano de 2010, passei dias envolvido num debate no site Café História cujo título é “Os Evangelhos são livros históricos no sentido em que hoje compreendemos a história?”. O autor do tópico, o historiador Ivani Araújo Medina, chega a defender uma tese de que Jesus Cristo teria sido um personagem inventado pelos gregos do século II. Apesar de não ter concordado com ele e nem o convencido acerca de minha fé em Jesus (nem ele me converteu ao seu ateísmo), conseguimos estabelecer um bom relacionamento durante as discussões, coisa que há vinte anos atrás eu não conseguiria. E, inclusive, seus estudos ajudaram-me a verificar com mais profundidade a forte influência grega sobre a formação da Igreja como hoje a conhecemos, o que pode ser percebido na teologia cristã e na nossa cultura religiosa, inclusive dos protestantes.

Depois de ter me ligado ao assunto, fiquei mais adepto das teses defendida por alguns teólogos que rejeitam a autoria direta de Mateus, Marcos, Lucas e João em relação aos Evangelhos bíblicos por entenderem que o texto não menciona quem os escreveu, contrariando as tradições não bíblicas que nós evangélicos ainda preservamos do catolicismo como se a fé precisasse se fundamentar em provas históricas. Segundo tal corrente, pode muito bem ter sido uma escola de escritores gregos do século II que escreveram os quatro Evangelhos, baseando-se, obviamente, numa tradição oral (e talvez escrita) deixada pelos apóstolos de Jesus que os havia precedido, conforme consta na introdução do livro que é atribuído a Lucas:

“Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas” (Lc 1.1-4; tradução da Nova Versão Internacional)

O texto acima, além de me servir como justificativa de outra tese (de que o Evangelho atribuído a Marcos possa ter sido uma fonte na qual se basearam os escritores de Mateus e Lucas), também mostra o cuidado zeloso que os discípulos gregos tiveram em preservar as verdadeiras versões acerca da vida de Jesus, evitando narrativas fantasiosas que encontramos nos apócrifos. Isto porque no século II estavam surgindo muitas literaturas relatando fatos inverídicos acerca de Jesus, com a finalidade de justificar as mais absurdas heresias como o gnosticismo. Outrossim, aquela igreja primitiva de Jerusalém, composta por judeus messiânicos, já tinha desaparecido ainda na primeira metade do século II e não deve ter durado além da revolta de Bar Kochba (132-135 d.C), quando então o imperador Adriano baniu os judeus do local e construiu sobre as ruínas de Jerusalém a colônia romana de Aelia Capitolina, erguendo um templo a Júpiter no mesmo local onde se situava o templo judaico.

Com todo respeito aos que acreditam na tradição católica que afirma terem sido os Evangelhos escritos no século I, pra mim está bem claro que foi dentro de um contexto de desaparecimento de provas históricas e de enfrentamento das heresias que Deus deve ter inspirado os gregos para que registrassem em livros as versões mais confiáveis sobre os primeiros acontecimentos pregados nos primeiros duzentos anos da Igreja. E quem escreveu os Evangelhos não tinha por objetivo fazer uma biografia de Jesus ou investigar todos os fatos, mas sim promover uma verdadeira divulgação da fé evangélica, conforme consta no Evangelho de João:

“Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais milagrosos, que não estão registrados neste livro. Mas estes foram escritos para que vocês creiam [ou continuem a crer] que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome” (Jo 20.30-31)

Seja como for, pouco importa em que época precisamente os Evangelhos foram escritos, se antes da guerra romano-judaica ou depois. O que ninguém pode negar, nem mesmo os seguidores da tese falsa acerca da inexistência do Jesus histórico, é que antes do Evangelho ser escrito ele foi pregado e testemunhado por pessoas que tiveram em si mesmas uma transformação de vida, uma experiência que superou até mesmo o contato físico que tiveram com a encarnação do Filho de Deus. Ainda assim, nenhum deles esqueceu aquela pessoa maravilhosa que, por um breve instante na história humana, foi ouvido, visto, contemplado e apalpado.

Jesus (Yeshua) foi a pura encarnação da Palavra de Deus, a manifestação da Vida num mundo decaído, cheio de morte e de opressão. Um mundo em que uns procuravam satisfação lutando contra os romanos, outros roubando seus compatriotas através da coleta de impostos, tendo vários maridos, vivendo com apego às riquezas e ao poder, dependendo de esmolas, ou se escondendo por trás da religiosidade, o que não é muito diferente dos tempos atuais.

Apesar do todo um contexto que lhe era contrário, o carpinteiro de Nazaré conseguia extrair vida de seu interior e compartilhar o amor de seu coração com aquelas almas tão carentes. Cada gesto de Jesus, cada parábola, cada milagre e cada ensinamento estavam impregnados de significado. Mesmo que as pessoas não pudessem ainda entendê-lo, elas percebiam no Mestre algo diferente que as motivavam a segui-lo por onde quer que fosse, produzindo um fenômeno social contagiante, um movimento capaz de balançar com a inveja dos líderes religiosos da época, os quais não conseguiam corromper Jesus.

Em 2008, consegui iniciar um estudo sobre as pregações evangelísticas do primeiro século registradas no livro de Atos dos Apóstolos. Há muito tempo que este assunto me intrigava, o que pode ter sido de alguma maneira motivado, ainda que inconscientemente, pelas minhas compulsivas e fracassadas tentativas de conversão das pessoas na adolescência.

Pois bem. Depois de ter feito uma reflexão sobre várias passagens do quinto livro do Novo Testamento, pude perceber como que os discípulos anunciavam Jesus de uma maneira simples, objetiva, poderosa e direta, sabendo como direcionar o discurso para cada público em seus respectivos momentos e sempre focando na salvação em Cristo. Noto em Atos uma profunda semelhança entre todas as pregações que, embora nos pareçam curtas se comparadas aos sermões de hoje nas igrejas, nunca deixavam de abordar a morte e a ressurreição de Jesus, bem como o arrependimento dos pecados, sendo que muitas delas mencionam o batismo e o dom do Espírito Santo.

Vivendo hoje numa época em que muitos deixam de anunciar Jesus para pregarem as falsas teologias da prosperidade ou da auto-ajuda, percebo o quão é importante voltarmos para os genuínos exemplos apostólicos quando então os discípulos, com grande ousadia, cumpriam a ordem dada pelo nosso poderoso Mestre antes de subir aos céus. Desafiando multidões, reis, mercadores e autoridades religiosas do judaísmo, os discípulos não moderavam os seus discursos para se adequarem às circunstâncias, ainda que jamais faltassem com o respeito. Sem se envergonharem do que faziam e cientes de que poderiam não agradar a homens, estes corajosos irmãos do passado entregavam a mensagem do Evangelho a quem quer que fosse, sendo que muitas das vezes o resultado alcançado era surpreendente com um número bem expressivo de pessoas se convertendo.

Nas doze situações registradas no livro de Atos em que o Evangelho foi anunciado, podemos ao menos destacar as seguintes pregações: o discurso de Pedro no Pentecostes (At 2.14-41); Pedro no Pórtico de Salomão (At 3.11-26); o testemunho de Pedro no Sinédrio judaico (At 4.8-12); o discurso de Estevão (At 7.2-53); Filipe e o eunuco etíope (At 8.26-39); a pregação de Pedro aos estrangeiros na casa de Cornélio (At 10.34-48); o testemunho de Paulo aos judeus de Antioquia da Psídia (At 13.16-41); Paulo e Barnabé em Listra (At 14.14-18); Paulo e o carcereiro (At 16.27-34); Paulo e Silas em Tessalônica (At 17.2-4); Paulo em Atenas (At 17.22-31) e Paulo perante o rei Agripa (At 26.1-28). Em todas elas, o evangelista não fica fazendo repetições constantes das Escrituras hebraicas (a Bíblia da época), mas, quando citam ou se referem alguma passagem do Antigo Testamento (geralmente para o público judeu), é com o objetivo de trabalhar a concepção dos destinatários da mensagem. Durante a pregação feita na casa de Cornélio, Pedro não fica contando cada um dos milagres de Jesus e se utiliza do conhecimento que seus ouvintes já tinham acerca do que o Senhor realizou pela Palestina (At 10.36-38). Já na Colina de Marte (no Areópago ateniense), por óbvio que Paulo nem citou o Antigo Testamento ou detalhes desconhecidos pelo público presente quanto à vida de Jesus, e, ousadamente, baseou-se em poetas gregos (talvez Epimênides, Cleanto e Arato), os quais, tendo vivido pelo menos uns três séculos antes daquele momento, logicamente devem ter se referido a Zeus e não ao Deus único dos judeus.

O que mais me desperta interesse hoje não é apenas o estilo empregado pelos primeiros discípulos na pregação do Evangelho e sim como que eles viviam a fé que tinham e demonstraram isto quando morreram pelo testemunho de Jesus, coisa que nós cristãos acomodados do século XXI ainda estamos tão distantes.

Pedro, em sua primeira epístola, chega a orientar como que as esposas ganhariam seus maridos incrédulos sem dizerem nenhuma palavra:

“Do mesmo modo, mulheres, sujeitem-se cada uma a seu marido, a fim de que, se ele não obedece à palavra, seja ganho sem palavras, pelo procedimento de sua mulher, observando a conduta honesta e respeitosa de vocês.” (1 Pe 3.1-2)

Uma questão pertinente a ser colocada é se esta orientação serve tão somente para a comunicação das esposas com seus cônjuges e de pessoas que estejam numa posição de submissão com seus superiores, ou se a aplicação vale para todos os cristãos de uma maneira geral?

Ao meu sentir, atitudes podem falar mais do que mil palavras, motivo pelo qual entendo que, antes do Evangelho ter sido escrito e pregado, ele foi profundamente vivenciado. Foi praticado primeiramente por Jesus e depois pelos seus apóstolos que o acompanhavam pelas estradas poeirentas da Palestina de aldeia em aldeia. No Sermão do Monte e também na sinagoga de Cafarnaum, as palavras do carpinteiro de Nazaré estavam impregnadas da autoridade divina, o que diferenciava o ensino de Jesus da doutrina exposta pelos escribas, célebres conhecedores das Escrituras hebraicas.

Não posso negar que, em meu cotidiano, por diversas vezes, ando longe do padrão de Cristo. Repentinamente sou procurado por pessoas querendo algum tipo de ajuda, mas me sinto incapaz de lhes proporcionar o conforto espiritual que necessitam. Não consigo lhes dar uma atenção que considero satisfatória e, nestas horas, percebo o quanto ainda estou focado nos meus próprios problemas cotidianos. Poucas vezes consigo furar o bloqueio da rotina e ir além do meu condicionamento espiritual. Então é nestas horas que percebo o quanto sou carnal, egoísta, acomodado e super preocupado com as coisas passageiras desta vida.

Ainda que eu me sinta tão distante desse padrão alcançado pelos cristãos do primeiro século, conforta-me saber que Jesus não escolheu pessoas perfeitas para segui-lo. Um discípulo não creu em sua ressurreição, outro negou o Mestre por três vezes até que o galo cantasse novamente e os “filhos do trovão” (Tiago e João) expressaram o desejo que uma cidade de samaritanos ingratos fosse destruída (Lucas 9.54). Todos abandonaram Jesus no momento de sua prisão e até a mãe de Jesus e seus familiares foram incompreensivos quanto ao ministério do Messias (Marcos 3.21). O paciente Paulo, segundo o livro de Atos, teve um sério desentendimento com Barnabé por causa da atuação decepcionante de João Marcos na primeira expedição missionária.

Acredito que esta é a boa notícia que nos trás o Evangelho! Pela graça de Deus que nos é abundantemente oferecida, sem que tenhamos qualquer mérito, podemos experimentar no nosso cotidiano a vida no reino de Deus. Não me refiro às expectativas erradas que os teólogos da prosperidade divulgam de que tudo será um mar de rosas e também não limito o reino de Deus a uma recompensa póstuma. Falo de um relacionamento verdadeiro que podemos ter aqui mesmo e, apesar de tantas falhas e fraquezas, ainda recebermos de Deus a oportunidade e a motivação para que rememos contra a correnteza do egoísmo servindo ao nosso próximo (o amor cobre multidões de pecado). E aí não importa se acabei de me descontrolar e ofender alguém, ou se a um instante atrás olhei com desejo lascivo para uma outra mulher que não seja minha esposa, pois recebo graça em medida suficiente para considerar todos os pecados que cometo lançados no mar do esquecimento e abrir meus braços para o irmão que, no momento presente, está batendo à minha porta pedindo ajuda.

É certo que esta graça não é desculpa para que, depois de ajudar alguém, eu resolva sair pecando deliberadamente. Compreendê-la serve para me mostrar que, se pequei, tenho um advogado junto ao Pai que intercede por mim e que sou sempre renovado para olhar adiante, focando no padrão de Jesus. Então, pouco importa o que fizemos no passado, visto que cultivar a culpa de nada nos adiantará e o que vale é estar disposto a produzir obras dignas de arrependimento.

Quando nós, a Igreja, nos libertarmos da culpa e da nossa inércia, estaremos mais próximos de viver de fato o Evangelho de Cristo. Precisamos ter em mente que jamais iremos convencer ou converter ninguém apenas com a exposição lógica da doutrina que professamos. Muito menos, as pessoas serão impactadas ao lermos pra elas em voz alta partes da Bíblia. O discipulado requer de nós uma prática diária, amando o próximo debaixo da graça de Deus. É isto que o mundo espera dos servos de Cristo.

6 comentários:

  1. Olá Rodrigo,

    O melhor de tudo isso é o diálogo respeitoso que conseguimos manter. A diferença entre nós não foi uma barreira e é assim que desejamos que a vida prossiga. Não creio na existência de Deus nem de Jesus Cristo. Para mim, trata-se de uma visão alegórica de outra história que não se quer contar. Esse é o motivo pelo qual nunca discuti o conteúdo da bíblia, sim o aspecto histórico de uma cultura religiosa enganadora. Aliás, são todas (judaísmo, cristianismo e islamismo), pois detiveram ou detém o poder civil como o primeiro passo para se imporem ao mundo. Defendo a liberdade religiosa e a nossa legislação brasileira favorece o livre-arbítrio em nossa diversidade cultural. O Brasil está de parabéns. Defendo o diálogo e a história porque ambos são fundamentais no aprimoramento dos costumes. O entendimento religioso é opção de alguns ou de muitos, mas a história é um bem de todos. Assim sendo, deve estar protegida da pressão religiosa que sempre sofreu, assim como se tenta proteger a opção religiosa de cada um. A fé não precisa da história e nem a história da fé. Elas possuem funções diferentes. Nós dois continuaremos trabalhando pelo que mais acreditamos com a nossa dedicação de sempre. Grande abraço,

    Ivani de Araujo Medina

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  2. Olá, Ivani. Agradeço por sua participação aqui neste blogue. Debater de espírito aberto sempre é saudável e contribui para que possamos estar permanentemente aprendendo. Sobre o que colocou, penso que não podemos deixar de fazer uma reflexão acerca do comportamento dos mártires cristãos mortos pelos imperadores romanos que deram suas próprias vidas pela causa do Evangelho. Creio que, nos dias atuais, é preciso que Cristo seja encontrado nos cristãos, pois este seria um testemunho maior do que qualquer prova histórica. Penso que se a cruz de Jesus tivesse sido guardada por seus discípulos durante gerações e pudesse ser encontrada hoje num museu do Vaticano, ainda assim a faltaria fé nesta terra. Como bem colocou, a fé não precisa da história. Quanto ao uso do poder civil para uma religião se impor ao mundo, acho que esta foi a grande falha cometida pela Igreja no passado, mas que difere da prática dos primeiros discípulos descrita em Atos. Sò que o quinto livro do Novo Testamento continuará parecendo uma ficção enquanto a Igreja não decidir viver como os primeiros discípulos. Um abraço e participe sempre que desejar.

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  3. Caro Rodrigo, não me considero um simples ateu. Você bem sabe disso. Os visitantes do seu blog é que não. Sou um ateu que foi buscar respostas por intermédio da história e as encontrou. Sou um ateu que não teve formação religiosa e, portanto, não está no rol dos ressentidos morais. Sou um ateu que respeita o sentimento religioso do semelhante e só discorda das invencionices históricas criadas para dar consistência política ao intento. Sou um ateu que percebe a angústia crescente dos cristãos provocada por esse ato de imprudência no passado. Somente por isso não aceitei o seu convite de “mergulhar fundo” no estudo do NT. Preciso concluir o meu trabalho. Creio que se o fizesse, provavelmente, o deixaria inacabado. A tendência humana é lamber as próprias feridas. Sabemos, os dois, que por baixo de um rio de mentiras flui uma verdade inconteste. Sabemos que a fé estaria mais confortavelmente instalada em tantos corações se não precisasse que se justificar na história. Não sei que outra solução seria cabível no referido passado. Entretanto, custa-me crer que eles desconhecessem as gravíssimas conseqüências para o crente quando um dia a história se libertasse do domínio da cultura religiosa (diferente de religião). Acho que a arrogância, mais do que a fé, levou-os a isso. Antes de ateus ou cristãos somos partes de um todo; somos parte de uma espécie; somos parte de uma sociedade; somos partes dos mesmos sentimentos; somos o que nos foi possível ser, e não foi pouco. Por isso, mesmo diante dessas dificuldades não consigo ser pessimista com o futuro da Humanidade. Caminhamos para o entendimento e para a verdade. Ela é o limite. Forte abraço.
    Ivani.

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  4. Olá, Ivani! Fico feliz em tê-lo novamente por aqui e saber que ainda se encontra disposto a debater. Provável é que quem estiver acessando este tópico no 'blogspot' nao tenha participado do longo debate que tivemos no 'Café História'. Um texto do Evangelho que sei que admira é o verso 32 do capítulo 8 do livro de João: "E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará". Certamente a referência contextual não era quanto à verdade histórica e sim quanto ao ensino revelado do Messias, aprendido através de um relacionamento de discipulado. Durante o debate no CH, nossas controvérsias acerca do cristianismo do século I chegaram ao limite diante da carência de fontes não cristãs que pudessem confirmar os acontecimentos narrados pelos Evangelhos e pelo livro de Atos. Sem dúvida que se fizermos um julgamento científico, um Tribunal talvez não poderá julgar improcedente, caso resolva ingressar com uma ação declaratória em face de alguma instituição cristã (imagine um processo Ivani versus Santa Sé?). Pra mim, uma insuficiência de provas históricas não cristãs acerca de existência de Yeshua bem Yosef, isto é, o meu Jesus de Nazaré, em nada abala minha fé no Messias. Ele está vivo, move-se nos corações dos homens e sua Palavra muda a minha vida. Conhecê-lo independe de ler a Bíblia que costumo abrir todas as manhãs, pois basta que estejamos abertos para compreender e seguir seus ensinamentos, submetendo-nos à sua autoridade. É algo que não está distante de nós e não requer conhecimento intelectual. Aliás, trata-se de um ato que, por um instante, dispensa a intelectualidade. Numa perspectiva hebraica, conforme o AT, submeter-se ao senhorio de Cristo não deixa de ser a aceitação de que "O temor do SENHOR é o princípio do saber". Ou seja, reverencia-se quem ainda não compreendemos, o que significa uma atitude de fé. Em outras palavras, mesmo sem provas da existência de Deus e do seu Cristo, o homem decide crer e seguir. Com a experiência, passamos a entender. Loucura para a ciência, não acha? Finalizando, concordo quando diz que devemos ficar livres "do domínio da cultura religiosa". Como discípulo de Jesus, quero que Cristo seja pregado e não uma cultura.

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  5. Difícil ver um diálogo de tão alto nível como o de Rodrigo e Ivani, em que prevalece o respeito e a tolerância à opinião contrária. Sinceramente, vivo um momento de muitos conflitos, em que lutam dentro de mim a crença incutida e a descrença incorporada com o tempo. Não que o posicionamento de um dos dois tenha prevalecido ou me convencido, mas em face da busca que cada um deve fazer para estabelecer seu próprio entendimento. Parabéns!!!

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  6. Olá, amigo!

    Primeiramente obrigado pela leitura e também por comentar.

    Acho que todos os seres humanos em maior ou menor grau vivem esse conflito do qual falou. Mesmo os que são crentes passam por isso ou do contrário não teriam caminhado a fé e a novas experiências de fé.

    Assim, penso que essa descrença quanto aos conceitos religiosos incutidos nas mentes faz parte de todo o nosso processo de modo que hoje já não demonizo a dúvida e nem a vejo como um pecado. E, se alguém já não consegue mais acreditar na existência de Deus, não significa que tal pessoa esteja negando o seu Criador. Ela só estaria mudando a sua maneira de pensar em sua busca de conhecer o Deus que criou o homem e não o deus criado pelo homem.

    Mais uma vez agradeço pela participação e retorne sempre que desejar.

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