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domingo, 25 de julho de 2010

Advocacia criminal a serviço do bem

Várias pessoas até hoje me perguntam se eu, como um advogado, seria capaz de defender criminosos que cometem delitos hediondos a exemplo dos casos que aparecem nas manchetes dos principais jornais e deixam o país inteiro perplexo.

Costumo responder que, embora o Direito Penal não seja a minha especialidade, não vejo impedimentos éticos para que um advogado criminalista ético, conhecedor da Bíblia e, verdadeiramente, comprometido com Cristo preste seus serviços para defender pessoas acusadas de crimes, mesmo sendo devidamente remunerado pelo cliente e sabendo da culpabilidade deste.

Poucos são os bacharéis em Direito que se tornam advogados criminalistas. A grande verdade é que, nos dias atuais, muitos nem ao menos chegam a advogar e preferem apenas estudar para concursos públicos. Até a década de 90, ouvia-se muito que o advogado, durante a vida universitária, “apaixona-se pelo Direito Penal”, depois s”e casa com o Direito Civil” e “se prostitui com o Direito do Trabalho”. Atualmente, talvez este dizer não tenha muito a ver com o momento em sua totalidade porque encontramos cada vez menos advogados atuando na área trabalhista.

Terminei a faculdade de Direito no segundo semestre de 2004 e, ainda no abril de 2005, recebi minha carteira de advogado na 9ª subseção da OAB fluminense, tendo me “casado” com o Direito do Consumidor. De lá para cá, poucas foram as vezes que atuei na área criminal. Na maioria dos casos, acompanhei pessoas comuns da nossa sociedade que, por algum envolvimento em brigas familiares ou de vizinhos, foram intimadas para comparecerem numa audiência de conciliação no Juizado Especial Criminal. Nestas oportunidades, sempre procurei encerrar o caso diante do conciliador, evitando alimentar qualquer tipo de desentendimento inútil entre as partes. Somente duas situações que peguei tinham a ver com a privação da liberdade por motivos bem banais, tendo sido uma hipótese de relaxamento prisão e outra de reconhecimento de prescrição de um velho foragido da Justiça que o sistema da Polícia ainda não tinha dado baixa no sistema.

Ao ver alguém respondendo por um crime, não me sinto muito diferente dessa pessoa. Sou um pecador igual a qualquer outro e o que me salva é a graça de Deus abundantemente manifestada no sacrifício de Jesus. Por isso, mesmo não concordando com o que as pessoas fazem de errado, não estou neste mundo para condená-las por suas falhas e apoio o direito de defesa que todo indivíduo deve ter perante um tribunal humano, o qual é composto por homens iguais a nós e cheio de falhas.

Paulo, citando as Escrituras hebraicas, assim nos ensina:

Que concluiremos então? Estamos em posição de vantagem? Não! Já demonstramos que tanto judeus quanto gentios estão debaixo do pecado. Como está escrito: “Não há nenhum justo, nem um sequer; não há quem entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer”. (Epístola aos Romanos 3.9-12; tradução da Nova Versão Internacional - NVI)

Não importa o que uma pessoa fez. Seja quem for, trata-se de um ser humano que, portanto, sempre deve ter assegurado o seu direito constitucional à ampla defesa. Não cabe ao advogado do acusado entregar seu cliente, mas sim utilizar de todos os meios e recursos a seu dispor para defendê-lo com parcialidade. Cabe sim ao Ministério Público e à Polícia provarem que o acusado é culpado, ficando por conta da Justiça decidir imparcialmente e, se for o caso, arbitrar a pena devida.

Tenho pra mim que a ética deve fazer o profissional do Direito ponderar sobre os meios de defender ou de acusar uma pessoa. Se um advogado sabe que o seu cliente é culpado, não vejo impedimentos para que ele afirme que não há provas suficientes nos autos, ou que a aplicação da lei esteja incorreta diante daquele caso específico. Contudo, considero um absurdo o advogado plantar provas falsas, corromper funcionários públicos ou tentar colocar a culpa em outro afim de que a sua tese defensiva seja vitoriosa, visto que uma estratégia destas não seria um trabalho limpo.

Todavia, quero aqui compartilhar o meu reconhecimento quanto às benéficas atuações de um advogado criminalista honesto em favor de seu cliente. É certo que existem profissionais interessados unicamente em dinheiro e acabam não percebendo a grande oportunidade que têm para reintegrar uma vida e até mesmo famílias que, momentaneamente, passam desesperadas por seus escritórios.

Quando a pessoa responde a um processo criminal, ela sofre um indiscutível transtorno. Se ela é culpada, aquela situação pode lhe servir de freio para as atitudes erradas, possibilitando que ela mude de vida. Caso seja inocente, o problema se torna um grande aprendizado pessoal ainda que a injustiça sofrida seja a princípio um motivo de revolta contra a vida.

Nas situações em que o réu está em custódia na Delegacia, ou cumprindo pena numa penitenciária, a pessoa de fora que mais pode manter contato com o prisioneiro é o advogado. As visitas de parentes costumam ser bem restritas, geralmente uma vez só por semana e por um breve horário. Porém, o advogado tem uma facilidade maior de falar com o seu cliente quando precisar, sem enfrentar as mesmas limitações e burocracias que os familiares dos presos.

A visita e o apoio do causídico, nestas horas, pode superar a importância de profissionais de outras áreas uma vez que a liberdade para o preso torna-se um bem tão importante quanto a vida (assim como é a saúde para quem está doente ou o alimento para um faminto). Para um homem comum que não seja criminoso habitual, basta passar por um inquérito policial para que a liberdade ganhe alguma relevância para sua vida, algo que nem sempre as pessoas têm plena consciência na hora quando comentem seus delitos.

A grande diferença que um advogado criminalista pode fazer não diz respeito apenas à sua atuação profissional no sentido de vencer a causa, conseguindo a absolvição do acusado, a descaracterização do delito ou a redução da pena. Penso que o deferencial reside também na capacidade de proporcionar algo de positivo para o cliente e seus familiares. Olhar para o acusado como se fosse a si mesmo que estivesse sentando no banco dos réus e compreendê-lo sem os mesmos julgamentos hipócritas da opinião pública são um bom começo, coisas que considero mais importantes do que alguém dar uma lição de moral aos criminosos sem demonstrar um pingo de amor.

Os serviços prestados pela advocacia criminal costumam ser caros. Algumas famílias chegam a vender automóveis, casas, joias, esvaziar poupanças e contrair empréstimos. Muitos nem conseguem custear até o final os honorários cobrados pelo advogado e desfazem o contrato antecipadamente. Pais e cônjuges ficam realmente desesperados com a situação de modo que vários clientes caem nas lábias de maus profissionais que se apresentam com promessas falsas de garantir um determinado resultado imediato.

Nessas horas que é preciso que a família do acusado tenha confiança em Deus para poder administrar o problema. Quando temos fé, podemos enfrentar melhor as situações adversas da vida e buscar forças para amarmos incondicionalmente nossos parentes e amigos da mesma maneira como Deus nos ama.

Evidente que os honorários de um advogado criminalista não devem ser nem irrisórios e nem excessivos. Embora o gasto de dinheiro e eventual perda de bens possam até contribuir para que o acusado aprenda a valorizar melhor a sua liberdade, é inegável a relação de consumo que é estabelecida entre o cliente e o advogado, o que atrai a aplicação de princípios éticos e legais. O direito de ser informado de maneira clara e transparente quanto ao andamento do processo, a assinatura de recibos, a celebração de um contrato, a discrição e a continuidade do serviço prestado em conformidade com o Estatuto da Advocacia devem ser sempre observados.

Igualmente, é preciso que o cliente respeite a atuação de seu advogado fornecendo-lhe todas as informações solicitadas. Por se tratar de uma relação de confiança, é indispensável que na advocacia o cliente se abra por inteiro, fornecendo todos os elementos para uma boa defesa. Como profissional, o advogado precisa saber o que de fato aconteceu na ocasião do crime e, obviamente, será obrigado a manter sigilo sob pena de responder administrativamente perante a OAB e civilmente na Justiça, podendo ser condenado a pagar indenizações por danos morais se revelou a terceiros segredos íntimos do seu cliente. Aliás, mesmo que um advogado enlouqueça e resolva dizer para o juiz ou para o delegado que o seu cliente é culpado, o seu depoimento não poderá entrar nos autos processuais e servir de prova para a acusação.

Certamente que o advogado não tem a obrigação de ganhar uma causa e, independentemente do resultado, terá direito a ser remunerado pelo serviço que prestou. Porém, isto não significa que a advocacia criminal seja algo descompromissado, pois a obrigação do profissional liberal continua sendo a utilização dos meios que se encontram ao seu alcance para melhorar a situação do cliente.

Hoje sou advogado há cinco anos, mas sei muito bem como é doloroso sofrer uma acusação, ou ao menos ser investigado como o principal suspeito de um delito. Logo aos 21 anos (junho de 1997), cometi um grave crime quando estudava Administração no campus da Universidade Federal de Juiz de Fora e senti na pele o que é estar no banco dos réus. Já no processo administrativo, a comissão formada por professores concluiu pela minha culpabilidade e precisei deixar de renovar minha matrícula no período letivo para evitar a exclusão. Depois, ainda fiquei mais de um ano sendo investigado pela Polícia Federal até que o inquérito foi arquivado pela insuficiência de provas.

Se a vida me puniu de outra maneira, penso hoje que sim porque foram amargas as consequências dos meus atos a ponto de tornar bastante difícil minha permanência em Juiz de Fora. Porém, talvez eu não teria me matriculado numa faculdade de Direito se não tivesse sido aquele infeliz acontecimento. Também não alcançaria uma compreensão mais ampla e sensível em relação ao meu próximo sempre quando me deparo com notícias de crimes hediondos. E, provavelmente, não teria me tornado mais forte para enfrentar outras situações duras da vida, diante das quais nos desesperamos com facilidade.

Às vezes eu me pergunto se deveria atuar mais na área criminal e até já pensei em colaborar com irmãos em Cristo que tenham algum trabalho em prisões. Vez ou outra colaboro com pessoas que já me procuraram na Igreja, as quais, estando aflitas, compartilham suas dúvidas e ficam mais aliviadas a respeito de seus problemas. Em certa ocasião, uma missionária inglesa que tem seu ministério num bairro carente aqui da minha cidade pediu-me orientações sobre um rapaz que estava sendo processado por crimes contra o patrimônio e para atendê-la bastou ver o andamento da ação criminal na internet e pedir uma simples informação no Fórum, coisa que nem sempre está ao alcance de quem não tem conhecimento jurídico.

Como já disse, acredito que o atuar de um advogado na área criminal, seja de maneira frequente ou ocasional, pode contribuir em muito para ajudar pessoas, as quais, assim como nós, carecem da graça de Deus. Nenhum criminoso pode ser consideradas menos digno do que qualquer cidadão de bem porque todos sentimos no nosso íntimo desejos semelhantes de matar e ferir. Logo, é uma oportunidade incrível ajudar aqueles que, infelizmente, permitiram que seus desejos ruins se materializassem de maneira que o advogado criminal que conhece a Cristo, a exemplo do que fez Paulo, pode tornar-se um verdadeiro “embaixador em cadeias”:

"[orai] e também por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador em cadeias, para que, em Cristo, eu seja ousado para falar, como me cumpre fazê-lo." (Epístola aos Efésios 6.19-20; tradução de João Ferreira de Almeira Revista e Atualizada -ARA)

Que possamos reconhecer melhor os advogados criminalistas que exercem dignamente a profissão por eles escolhida e oremos pelos ministérios nos presídios para que Deus continue quebrando as algemas ainda existentes nos corações dos homens que ainda não se entregaram a Cristo, independentemente de estarem atrás de uma grade ou não.

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