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quinta-feira, 27 de novembro de 2025

🌒 A JORNADA DE ABRAÃO PELO MUNDO VERDE DO ANTIGO ORIENTE



(Um conto geográfico-cultural ambientado entre 4.000 e 3.500 anos atrás)


Dizem que Abraão caminhou pelas terras onde hoje só vemos poeira, pedra e desertos que avançam como mares silenciosos. Mas, nos seus dias, o mundo era outro. O planeta ainda respirava o rescaldo do Ótimo Climático do Holoceno — um período em que as temperaturas eram agradáveis, os regimes de chuva mais generosos e paisagens hoje secas eram matizadas por verdes, rios e bosques.

Este conto reimagina a jornada de Abraão aproveitando o que a ciência moderna sabe sobre o clima e a geografia da época, combinando história, arqueologia, paleoclimatologia e literatura.


1. UR: A CIDADE DO GRANDE PÂNTANO

Abraão nasce em Ur, na extremidade sul da Mesopotâmia.
Mas a Ur de seu tempo não estava cercada por desertos — e sim por lagos rasos, marismas e canais sinuosos que se estendiam até onde o olhar alcançava.

O Golfo Pérsico penetrava muito mais para o interior, fazendo de Ur quase uma cidade portuária. Canoas feitas de juncos se moviam como sombras sobre águas tranquilas, e pescadores colhiam moluscos e peixes abundantes nas manhãs enevoadas.

A fauna era riquíssima:
• bandos de flamingos e garças brancas,
• javalis selvagens andando em grupos pelos juncais,
• búfalos aquáticos mergulhando lentamente,
• cães semi-domesticados acompanhando pescadores.

A flora misturava tamareiras robustas, campos de cevada domesticada e vastos tapetes de papiro.

Ur era uma metrópole cosmopolita: escribas, mercadores, oleiros, artesãos, tecelões e sacerdotes conviviam num labirinto de casas construídas com tijolos de barro.

A economia girava em torno:
• da agricultura irrigada;
• da criação de ovinos;
• do comércio de tecidos, metais e pedras preciosas;
• das caravanas que partiam para longe, levando riqueza.

É de uma dessas caravanas que, um dia, Abraão e sua família partem, deixando para trás a torre monumental da zigurate refletida nas águas.


2. HARÃ: A TERRA DOS VENTOS E DAS ROTAS

Ao seguir para o norte, Abraão chega a Harã, onde um outro tipo de vida prosperava.

Harã era o ponto de encontro de caravanas vindas da Anatólia, do Levante, da Síria interior. Era uma terra movimentada, onde línguas se misturavam e barganhas definiam destinos.

O clima era menos úmido que no sul, mas ainda assim surpreendentemente verde. Durante boa parte do ano, campos ondulados de gramíneas, flores silvestres e pequenas figueiras espalhavam perfume.

Fauna típica da época:
• gazelas que saltavam em curvas perfeitas,
• lobos de pelagem clara seguindo as caravanas à distância,
• ursos pardos nas florestas do norte,
• aves migratórias que cruzavam o céu em fileiras intermináveis.

Era uma região onde a agricultura convivia com o pastoreio nômade. E ali Abraão vê, pela primeira vez, a vida do caminhar constante — tendas sendo erguidas ao amanhecer e desmontadas ao pôr do sol.


3. CANAÃ: UM JARDIM DE ELEVAÇÕES E VALes

Quando Abraão alcança Canaã, a terra que os antigos chamavam de “faixa verde entre desertos”, ele encontra um país muito mais fértil do que o Israel moderno.

As colinas eram cobertas por bosques densos de carvalhos, terebintos, pinheiros e oliveiras selvagens.
Nos vales, riachos permanentes e temporários serpenteavam entre campinas onde floresciam papoulas e íris.

No vale do Jordão, o clima era quase tropical:
• tamareiras se multiplicavam,
• vinhas cresciam espontaneamente,
• figueiras eram tão abundantes que famílias colhiam seus frutos sem precisar plantar.

A fauna incluía:
• leões asiáticos (que realmente existiam na região),
• leopardos,
• hienas listradas,
• antílopes oryx,
• e grandes rebanhos de cabras selvagens.

As sociedades eram formadas por pequenas cidades-estado fortificadas, governadas por chefes locais, e grandes áreas rurais onde tribos nômades pastoreavam ovelhas e cabras. O comércio com o Egito e a Mesopotâmia trazia bronze, cerâmicas finas e tecidos.

Quando Abraão monta sua tenda sob os carvalhos de Manre, sente que encontrou uma terra de abundância.


4. O NEGEV: O DESERTO AINDA VERDE

Hoje, o Negev parece inóspito. Mas, nos dias de Abraão, ele era muito menos árido.

Havia mais chuva, permitindo vales de capim alto, arbustos floridos e rebanhos pastando durante boa parte do ano. Pequenos riachos alimentavam poços, e viajar era menos arriscado.

Abraão atravessa esse território com seus rebanhos, observando gazelas e avestruzes ainda comuns na região.


5. O EGITO: A TERRA DO RIO QUE SEMPRE RENASCIA

Quando Abraão chega ao Egito, encontra uma paisagem geográfica completamente diferente.

O Nilo, em seus tempos, tinha cheias mais estáveis e volumosas.
O delta era um labirinto de canais, lagoas, papiros e aves aquáticas.
O interior era seco, mas o vale do rio era um corredor verde tão exuberante que sustentava uma civilização colossal.

Os campos de trigo e cevada cresciam em terraços inundados pelo limo fértil depositado anualmente.
A fauna incluía hipopótamos no Alto Egito, crocodilos sagrados, chacais, íbis e gatos selvagens — mais tarde domesticados.

A sociedade era rigidamente organizada: escribas, artesãos, guerreiros, agricultores e sacerdotes conviviam sob o olhar divinizado dos faraós.

Abraão observa, fascinado, a riqueza, a ordem e a grandeza das cidades egípcias antes de regressar ao norte.


6. O RETORNO E A PERCEPÇÃO DA MUDANÇA

Quando retorna para Canaã, Abraão percebe algo que poucos compreendiam conscientemente:

O mundo estava mudando.

Os bosques começavam a recuar diante dos rebanhos e do corte de madeira.
Os vales eram mais cultivados.
As rotas estavam mais movimentadas.
Os rios menos cheios do que antes.

Mas ainda assim, era um mundo vibrante, vivo, jovem — um Oriente muito mais verde do que o que conhecemos hoje.

E, ao erguer sua tenda sob o carvalho de Manre, talvez Abraão tenha sentido que caminhava não apenas pela história de seu povo, mas pelo próprio processo de transformação da Terra.


📝 NOTA FINAL PARA O LEITOR (PÓS-TEXTO)

Embora este conto seja literário, baseia-se nas melhores evidências científicas e arqueológicas sobre o Holoceno Médio, período em que as terras do Oriente Médio eram mais úmidas, mais verdes e mais férteis do que hoje.

Cidades, vales, desertos e civilizações descritas aqui realmente existiram — e o clima, a flora e a fauna se aproximam surpreendentemente do que pesquisas paleoclimáticas indicam para a época de Abraão.

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