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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

A suspensão das ações de passageiros contra companhias aéreas: impactos jurídicos, políticos e práticos para os consumidore

 


A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu nacionalmente todos os processos judiciais envolvendo atrasos e cancelamentos de voos, abriu um debate intenso sobre os direitos dos passageiros, o futuro do setor aéreo e os efeitos políticos que a medida poderá gerar, inclusive para o governo federal. Embora o argumento formal do despacho seja a necessidade de uniformizar o entendimento jurídico — especialmente diante da alegada litigância massiva — a repercussão prática é muito mais ampla e merece atenção.

Neste texto, analisamos os principais impactos sob a perspectiva jurídica, política e social, além de apresentar orientações objetivas para os consumidores enquanto o impasse não se resolve.


1. O que está realmente em jogo no STF

A discussão central envolve determinar qual legislação deve prevalecer nos litígios entre passageiros e companhias aéreas:


  • CDC – Código de Defesa do Consumidor
    Tradicionalmente aplicado pela Justiça, prevê responsabilidade objetiva, dever de assistência e possibilidade de indenização por danos materiais e morais.

  • CBA – Código Brasileiro de Aeronáutica
    Lei específica do setor aéreo, mais restritiva no reconhecimento de danos morais e mais flexível para as empresas em situações de “força maior”.


A suspensão nacional congela decisões, recursos, audiências e pagamentos até que o STF fixe o entendimento final — o que pode levar meses, ou mesmo anos.


2. Risco de um precedente semelhante ao dos planos econômicos

Não é por acaso que a decisão gerou apreensão entre advogados e defensores dos direitos dos consumidores. Anos atrás, o mesmo ministro suspendeu nacionalmente as ações que discutiam os expurgos inflacionários dos planos econômicos. O resultado final foi lento, complexo e pouco favorável aos poupadores, que acabaram aceitando acordos com valores reduzidos.

Ainda que o caso atual tenha impacto financeiro bem menor — e, portanto, não deva gerar uma novela tão extensa — há semelhanças na condução processual: centralização excessiva, suspensão total e protagonismo de atores econômicos fortes.

Para muitos consumidores, esse filme já é conhecido.


3. Efeitos práticos imediatos: o que pode mudar no dia a dia de quem voa

Embora a decisão não autorize ilegalidades, é inevitável que ela produza efeitos comportamentais.


3.1. Redução do risco de condenações e menos distribuição de ações

Com as ações paralisadas, diminui a pressão jurídica sobre as empresas. Isso pode levar a:


  • mais remanejamentos de voos;
  • escalas de tripulação mais apertadas;
  • adiamentos de manutenção programada;
  • menos disposição em oferecer compensações voluntárias;
  • atendimento mais ríspido nos aeroportos.


É importante frisar: não se trata de uma queda automática, mas sim de risco real de relaxamento da qualidade.


3.2. Limitações do efeito

Há freios institucionais relevantes:


  • A ANAC continua fiscalizando e pode multar;
  • a imagem pública das empresas pesa;
  • programas de fidelidade dependem de reputação;
  • a suspensão é temporária.


Mesmo assim, passageiros podem notar piora moderada no serviço, especialmente em períodos de alta demanda.


4. Impactos políticos: onde o problema resvala no governo Lula

Embora a suspensão seja ato do Judiciário, a população costuma associar falhas nos aeroportos ao governo federal. Isso cria uma equação delicada:


4.1. Potencial desgaste em tempos de fake news

Se aumentarem os atrasos, cancelamentos e reclamações, a narrativa tende a ser:

 

“O governo não controla o setor e o passageiro fica desamparado.”

 

É um discurso fácil para a oposição e o nosso Presidente Lula precisa ficar atento quanto às mentiras que a extrema direita poderá propagar para tentar causar prejuízos à sua imagem num ano que será eleitoral.


4.2. Pressão sobre a ANAC e o Ministério de Portos e Aeroportos

O governo pode ser cobrado a:


  • reforçar a fiscalização;
  • exigir planos de contingência das empresas;
  • impor regras de transparência;
  • instaurar mesas de negociação.


Uma postura ativa pode conter o desgaste enquanto a omissão tem potencial de ampliá-lo...


4.3. Oportunidade política

Se o governo atuar com firmeza para proteger passageiros, pode converter a crise em capital político, apresentando-se como defensor direto do consumidor. E, se a ANAC tiver uma atuação eficiente, os resultados práticos certamente serão melhores do que uma parcela de consumidores ingressando com ações individuais.


5. Como o Ministério Público, Defensorias e entidades de defesa podem agir

A suspensão atinge ações individuais, mas não impede ferramentas extrajudiciais e preventivas.


5.1. Ministério Público

O MP pode:


  • instaurar inquéritos civis;
  • expedir recomendações;
  • monitorar comportamento do setor;
  • pressionar a ANAC;
  • pedir dados técnicos às companhias.


Pode ainda atuar como amicus curiae no STF, influenciando o julgamento.


5.2. Defensorias Públicas

Podem abrir canais para reclamações coletivas, fiscalizar aeroportos e produzir relatórios sobre violação sistemática de direitos.


5.3. Entidades de proteção ao consumidor

Procons, IDEC, institutos e associações de defesa do consumidor podem:


  • emitir notas técnicas;
  • estabelecer diálogo com o governo;
  • organizar observatórios da aviação civil;
  • municiar o STF com dados.


Essa atuação é crucial: não há solução judicial justa sem pressão social e técnica organizada.


6. O que os passageiros podem (e devem) fazer durante a suspensão do STF

Mesmo com as ações paradas, o consumidor não está desprotegido. Seguem orientações essenciais:


6.1. Guarde toda a documentação

Incluindo:


  • comprovantes de atraso;
  • cartões de embarque;
  • recibos de despesas extras;
  • prints de telas;
  • gravações de anúncios no aeroporto (se possível).


Isso será útil quando o STF liberar a tramitação das ações.


6.2. Peça assistência imediatamente

Independentemente do julgamento final, alimentaçãohospedagemrealocaçãoinformação clara e contínua permanecem sendo direitos protegidos pela ANAC.


6.3. Registre reclamação na ANAC e no Consumidor.gov.br

Esses registros criam histórico oficial. Portanto, façam as suas demandas administrativas!


6.4. Se houver má-fé evidente, procure o Procon

As sanções administrativas continuam possíveis, sendo que os Proconsumidor podem também buscar mediações com as companhias aéreas notificando-as, buscando contatos telefônicos ou designando audiências.


6.5. Não aceite justificativas genéricas

Lembrem-se que os “problemas operacionais” não eximem responsabilidades. Por isso, peça explicações formais por escrito, ou via registro no balcão.


7. O que esperar do julgamento final?

Há três cenários possíveis:


(1) Predominância do CDC – mais favorável ao consumidor

Mantém responsabilidade objetiva e amplitude na reparação. Menos provável diante da pauta do STF.


(2) Predominância do CBA – mais favorável às empresas

Limita danos morais e amplia hipóteses de força maior. Setor aéreo trabalha por essa solução.


(3) Modelo híbrido – o mais provável

O STF tende a fixar:


  • dever de assistência sempre;
  • indenizações mais restritas;
  • parâmetros para danos morais;
  • definição mais rígida de “força maior”.


É um meio-termo que reduz litigiosidade sem desmontar completamente a proteção ao passageiro.


Conclusão: um momento decisivo para o consumidor brasileiro

Inegavelmente, a suspensão das ações sobre atrasos e cancelamentos de voos cria um período de incerteza jurídica e operacional que afeta milhões de brasileiros.

Não há dúvidas de que a qualidade dos serviços pode oscilar, o setor aéreo respira aliviado, o governo federal enfrenta riscos políticos, e instituições como MP, ANAC e Defensorias passam a ter um papel decisivo na proteção do passageiro.

Por certo, o futuro desse debate — e dos direitos dos consumidores — dependerá não apenas do julgamento do STF, mas também de vigilância social, mobilização técnica e fiscalização ativa.

Enquanto isso, ao passageiro resta manter-se informado, registrar tudo e exigir seus direitos em cada etapa da viagem.

A aviação civil é serviço essencial! E o consumidor, mesmo em tempos de suspensão judicial, não pode ser tratado como passageiro de segunda classe.

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