A história brasileira oferece advertências valiosas sobre os perigos da politização das Forças Armadas. Duas delas ocorreram curiosamente na mesma data, 23 de novembro, embora separadas por mais de três décadas. Esses episódios ajudam a entender por que a atuação militar deve permanecer subordinada às instituições democráticas — e o que acontece quando isso não ocorre.
🇧🇷 23 de novembro de 1891 — A Primeira Revolta da Armada e a crise do governo Deodoro
A jovem República atravessava um período de instabilidade. O marechal Deodoro da Fonseca, eleito indiretamente em 1891, enfrentava forte oposição no Congresso e conflitos internos no novo regime. Em meio a essa crise, decidiu fechar o Congresso Nacional por decreto — medida que provocou enorme reação política.
É nesse contexto que, em 23 de novembro de 1891, o almirante Custódio de Melo, então ministro da Marinha, rompe com o governo e ameaça bombardear a cidade do Rio de Janeiro, capital da República, caso Deodoro não renunciasse. A pressão militar se tornou insustentável. Sem apoio suficiente no Exército e sob risco de guerra civil, o presidente renunciou naquele mesmo dia, sendo substituído pelo vice, Floriano Peixoto.
O episódio é amplamente registrado em fontes históricas e nos lembra que:
- a intervenção militar direta no processo político produz rupturas profundas;
- a força bélica, quando usada para influenciar a sucessão civil, ameaça as bases do Estado de Direito;
- crises políticas se agravam rapidamente quando as Forças Armadas se tornam atores partidários.
A Revolta da Armada não acabou ali, mas voltou ainda mais forte em 1893, levando a meses de conflito naval e terrestre.
⚒️ 23 de novembro de 1935 — A Intentona Comunista e a politização de setores militares
Exatos 34 anos depois da Primeira Revolta da Armada, novamente em um 23 de novembro, EUA que uma nova insurreição envolvendo militares explodiu — agora em sentido oposto no espectro político.
A Intentona Comunista, articulada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) e influenciada pelo PCB, contou com apoio de militares de baixa e média patente em várias guarnições do país. O movimento pretendia derrubar o governo de Getúlio Vargas e instaurar um governo revolucionário de inspiração socialista.
A primeira ação ocorreu justamente em 23 de novembro de 1935, no 21º Batalhão de Caçadores, em Natal. Nos dias seguintes, focos de levante surgiram em Recife e no Rio de Janeiro, especialmente na Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos.
Embora derrotado em poucos dias, o levante teve consequências históricas profundas:
- justificou uma forte repressão política e militar nos anos seguintes;
- serviu de argumento para Vargas concentrar mais poderes na Presidência;
- contribuiu para o clima que culminaria no Estado Novo (1937);
- reforçou a percepção, já perigosa, de que segmentos das Forças Armadas poderiam se alinhar a projetos ideológicos.
Assim como em 1891, o que estava em jogo não era apenas um conflito político, mas a disputa por influência militar sobre o destino do país.
🧭 Por que essas datas devem ser lembradas hoje?
Ambos os episódios mostram que as Forças Armadas, quando se tornam parte do jogo político, deixam de ser instituições do Estado e passam a representar interesses faccionais. Isso fragiliza a democracia, cria insegurança institucional e abre espaços para rupturas autoritárias.
A verdadeira força das Forças Armadas em uma democracia está justamente na sua neutralidade, profissionalismo e submissão aos poderes civis legitimamente constituídos.
📝 Nota pessoal
Segundo a tradição preservada na minha família, um ancestral, Francisco Carlos da Luz (1830 - 1906), bisavô do meu avô paterno, teria atuado no comando da Artilharia do Exército no Rio de Janeiro e, ao menos em um dos episódios relacionados às Revoltas da Armada, participado da defesa da capital federal. Embora nem todos os detalhes estejam plenamente documentados, a memória familiar registra sua atuação no esforço de manutenção da ordem institucional em um período tão turbulento da história republicana.
Essa lembrança reforça a importância de valorizar uma visão profissional e legalista das Forças Armadas — exatamente o oposto da sua politização.
📷Quartel do 3º Regimento de Infantaria no Rio de Janeiro em chamas após a insurreição comunista em 1935.



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