Neste domingo, a bola começa a rolar para o Brasil na maior competição futebolística do planeta. Porém, desde que me entendo por gente, nunca vi o nosso povo tão apático diante de um Mundial como agora.
Com exceção da Copa de 1978, quando eu tinha apenas 2 anos, sempre vi a nossa população em festa nas vezes em que a seleção entrava em campo. Recordo exatamente dos jogos de 1982, já com meus seis anos de idade, quando minha avó materna se agitava a cada gol marcado pela seleção canarinho a ponto de bater na velha geladeira que ficava na sala da casa. E a vila onde ela e minha bisavó moravam estava toda enfeitada de bandeirinhas verdes e amarelas, com um enorme desenho do mascote "Laranjito". E a cada vitória, era a maior vibração entre os vizinhos até à inesperada derrota do Brasil para a Itália nas oitavas.
Sucessivamente, em todas as copas posteriores do século passado e as duas primeiras deste continuaram sendo marcadas com festas e outras animações. Recordo perfeitamente das músicas que faziam a ponto de serem gravados LPs e CDs, das programações na TV que batiam elevados recordes de audiência, das vinhetas exibidas no intervalo dos jogos na Globo pelo Araquém (personagem interpretado pelo humorista José Antônio de Barros no Mundial de 1986).
A partir de 2010, fui sentindo uma mudança no termômetro dentro da sociedade. Embora as ruas permanecessem sendo enfeitadas para a Copa, algumas vozes nas redes sociais de internet e nos artigos na imprensa passaram a lançar questionamentos críticos em relação ao futebol. Eu mesmo postei neste blogue o texto intitulado Onde estará a torcida depois da copa?, no qual havia questionado justamente a alienação da maioria da população com relação à política. E assim escrevi:
"(...) Uma nação não pode viver apenas de futebol! Um país como o Brasil, cheio de problemas sociais, com crianças e adolescentes sendo usados como “soldados” pelo tráfico de drogas, com pacientes idosos a espera de atendimento nos hospitais público, esgoto correndo a céu aberto em várias cidades e despejado in natura nos nossos rios, redes deficientes de transportes coletivo, milhões de famílias vivendo em precárias condições de moradias, muita gente desempregada e Maracanãs de florestas sendo devastadas diariamente na Amazônia, sinceramente não dá para nos iludirmos com as comemorações dos esportes como se tudo se resumisse ao gol de placa do time campeão. Mais uma vez pergunta-se: onde está a torcida nestas horas? (...)"
Consequentemente, a Copa de 2014 foi marcada por intensos protestos que se iniciaram desde os movimentos de junho de 2013. Independentemente da derrota por 7 a 1 para a Alemanha nas semifinais, a decepção da torcida havia se dado com a contradição entre construir caríssimos estádios e faltar os serviços mais essenciais para a população. Tal goleada teria sido apenas algo emblemático dentro do contexto por nós vivido. Afinal, eram bilhões e bilhões de reais sendo jogados fora com obras que demoraram para ser entregues (com superfaturamento) e outras relativas à infraestrutura das cidades sede do evento que até agora encontram-se paradas devido á corrupção.
Em 2018, como resposta a tudo isso, tenho visto manifestações nas redes sociais contrárias à Copa. Pessoas escrevem em seus perfis no Facebook que não estarão se importando mais com os jogos. E, nas ruas, raramente encontro alguma casa enfeitada como era antigamente nos meus tempos de criança e de adolescente. Até que uma internauta, oportunamente, compartilhou um artigo que achei bem interessante:
"(...) Fico pensando...cadê a alegria da Copa? Cadê o Patriotismo? Cadê a União dos vizinhos? ...
O tempo passou, tantas coisas aconteceram.
Inclusive tantas decepções com os governantes. Decepção até mesmo com os jogadores, que se vendem fácil, que não.jogam mais por amor e garra e sim pelos milhões que irão receber ganhando ou perdendo. E nem pensam que quando perdem o Brasileiro sofre. Sofre sim porque uma das grandes alegrias em massa é ainda o futebol, que é esporte, é saudável e é alegria sempre.
Tantas mudanças com a era do celular no topo e tantas distâncias entre as pessoas. Os vizinhos hoje muito mal falam bom dia. Uns falam, outros nem fazem questão. Muitos hoje não esperam o momento do jogo chegar para torcer e sim esperam a trégua para saírem mais cedo do trabalho ou aquela paradinha para o jogo. Vejo tantas lojas abarrotadas de assessórios para a copa e tenho dó e torço que vendam tudo, apesar que tb sei que a maioria dos produtos são acumulados e sobra de outras copas. Triste isso.
É triste ver e perceber essa mudança e saber que os jovens e crianças de hoje não viverão o que eu e muitos de vcs viviam anos atrás (...)" - Trecho da postagem de autoria de Luciana Silva, extraído de seu perfil no site de relacionamentos Facebook em https://www.facebook.com/lucianappsilva/posts/1697311680346798
De acordo com uma pesquisa do Datafolha divulgada dia 12/06 pelo jornal Folha de S. Paulo, foi confirmado esse desinteresse dos brasileiros pela Copa do Mundo. Pois, segundo os dados apurados, 53% dos entrevistados afirmaram não ter nenhum interesse pelo mundial de futebol, sendo que, às vésperas da competição de 1994 (ano em que essa pesquisa foi feita pela primeira vez), apenas 20% dos brasileiros se declaravam desinteressados.
Acho que o momento atual do Brasil, por mais que esteja ruim, não pode roubar de nós esta alegria. Por isso, desejo que possamos nos animar conscientemente para este Mundial pois a alegria das copas sempre fez parte da nossa cultura. Pois, afinal, esporte é vida e o trabalho de uma equipe precisa ser prestigiado independentemente dos problemas que hoje estamos enfrentando.
Salve a seleção!
Concordo plenamente com você e com todo o seu artigo. É comum na imprensa brasileira, e até na internacional, ouvirmos dizer que o Brasil é o “país do futebol”. Será que essa é uma narrativa verdadeira ou é mais um mito inventado historicamente? Quais os fatos históricos que consolidaram essa tese como um sinônimo de identidade nacional pelo futebol em nosso país? Será que não seria esse o momento de debatermos a construção dessa narrativa que, sendo verdadeira ou não, ajudou a consolidar uma forma de identidade nacional no país. Começando nosso caminho pelos escritos de Gilberto Freyre e Mario Filho nos anos 1930, poderia ser analisado como esses escritos refletiram nos discursos escritos nas Copas posteriores, culminando com a análise do cenário atual, onde veríamos se, na Copa de 2018, a imprensa retificará ou negará essa relação do Brasil enquanto “país do futebol”. Creio que esse é o momento perfeito. Principalmente com essa imprensa tão tendenciosa que nós temos.
ResponderExcluirUm grande abraço para o amigo!
E vamos torcer pelo Brasil e pela nossa seleção!
ExcluirBoa noite! Realmente são indagações bem pertinentes pois muitas das vezes certos ditos acabam se mitoligizando e as pessoas têm uma tendência reducionista em achar que todo limão é azedo sem levarem em conta as variantes. Mas que o futebol é sob um certo aspecto contagiante, não tenho dúvida. Em certos momentos podemos ter cidadãos que, por inércia ou acomodação, contentam-se em acompanhar os resultados do esporte. Mas ao mesmo tempo o próprio esporte pode servir de motivação para se alcançar importantes mudanças dentro de uma sociedade. Um abraço e volte sempre.
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