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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O que estão fazendo com a democracia dos gregos?!

Berço da democracia mundial, a Grécia foi o primeiro lugar do mundo onde os homens puderam decidir diretamente o destino das suas Cidades-Estado. Pelo menos entre os que se enquadravam no conceito de eupátridas ("homens livres"), os quais tinham direito de participação nas assembleias populares - as ekklesias.

Pode-se dizer que foi durante o governo de Clístenes (510 a.E.C. - 500 a.E.C.) que Atenas tornou-se realmente uma democracia. Através de sua atuação, a participação dos cidadãos atenienses nas questões administrativas veio a ser consideravelmente ampliada. A aristocracia foi substituída por uma isonomia entre os eupátridas, embora, na concepção política dos gregos, nem as mulheres, nem os escravos e nem os estrangeiros tinham assento nas assembleias do povo. Segundo ensina Ronaldo Leite Pedrosa, Clístenes

"idealizou aumentar a participação popular nas decisões, elevando de 400 para 500 o número de componentes da boulé e dividindo a população em demos. Certo número de demos formava uma trítia e três trítias formavam uma tribo, compondo, ao todo, dez tribos (...) pela primeira vez, o povo de uma cidade grega, dividido em circunscrições chamadas demos, podia participar ativamente de seus destinos, mesmo pagando um preço altíssimo pela sua imaturidade política, tal como se deu com a condenação injusta daquele que foi o mais sábio dos homens e o pai da filosofia ocidental, SÓCRATES, a pretexto de impiedade e de corrupção da juventude ateniense, em razão de seus excelsos ensinamentos." (Direito em História. 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, págs. 115 e 116)

Verdade é que Sócrates foi um opositor da democracia. Ele defendia a aristocracia como sendo o melhor regime por duvidar que as decisões coletivas, partindo de muitas ideias individuais na democracia, seriam as mais acertadas. Segundo ele, não importava a quantidade de pessoas participando, mas sim a qualidade. E, por conta disto, o sábio filósofo veio a ser acusado de traidor, mas a sua condenação à morte teve como fundamento imputações de corrupção da juventude pela prática do homossexualismo e da ridicularização dos deuses.

Embora o governo democrático não seja uma perfeição, é o que a meu ver melhor se aplica às necessidades sociais dos menos favorecidos, funcionando como um obstáculo à timocracia, à oligarquia e à tirania. Mesmo sendo vulnerável à corrupção e à mediocridade, a democracia abre portas para que a sociedade consiga evoluir com o tempo através do aprendizado com os resultados das suas próprias escolhas. Pois, do contrário, jamais experimentaremos um amadurecimento coletivo.

Ontem (02/11/2011), enquanto assistia ao Jornal Nacional, fiquei perplexo com uma notícia sobre a Grécia. Depois de enfrentar inúmeros protestos, o primeiro ministro grego George Papandreou tomou a sábia decisão de submeter a um referendo popular a ajuda internacional oferecida ao país. De acordo com a proposta da União Europeia, o empréstimo de 130 bilhões de euros condiciona a Grécia a adotar duras medidas de austeridade econômica que importarão em aumento de impostos, mais pobreza, desemprego e na perda da qualidade de vida de seus cidadãos.

Contudo, o que mais me espantou foi que os cabeças da UE, isto é, os primeiros ministros Nicolas Sarkozy e Angela Merkel, respectivamente líderes da França e da Alemanha, posicionaram-se contrariamente à consulta popular. Para eles, os cidadãos gregos têm que engolir goela abaixo as restrições econômicas pouco importando se as pessoas daquele país estarão satisfeitas ou não.

Um episódio desses leva-me a indagar para que tem servido a democracia hoje no mundo senão para os poderosos amansarem as massas?

Ora, quando o direito de escolha dos cidadãos começa a incomodar, aqueles que se encontram no poder tratam logo de restringir as oportunidades de decisão coletiva. Nós, aqui na América Latina, já vimos este filme durante as terríveis ditaduras em décadas não muito distantes de hoje em que os militares receberam o apoio incontroverso dos Estados Unidos da América, país tido como um defensor da democracia.

Em qualquer país do mundo, o povo ainda é tratado como gado. Quem manda na prática é o poder econômico junto com o corporativismo dos grupos políticos que se instalam pela via da demagogia no período eleitoral. Mesmo nos Estados que ainda preservam o totalitarismo socialista implantado nas revoluções do século XX, tem-se o controle das decisões através de uma classe burocrática da qual procedem os seus ditadores. E todos os governos de hoje, inclusive os de Cuba e Coreia do Norte, submetem-se a modelos de economia perversos e insustentáveis. Tanto é que a poderosíssima China de Hu Jintao tem se mostrado contrária ao referendo dos gregos.

Na heroica resistência dos movimentos sociais contra este sistema de desigualdades, em que o sofrimento dos povos é fruto das escolhas de seus governantes, resta-nos a alternativa de brigarmos pela ampliação da democracia. Pois cabe ao cidadão decidir não só quem serão os seus futuros representantes, ou se as pessoas podem possuir armas de fogo em suas residências, mas também se o atual modelo de economia de mercado deve ou não continuar.

3 comentários:

  1. Esse George Papandreou é porreta meu! Isso sim que é respeitar a democracia heim?!

    Mas ainda entendo que o povo é vítima de si mesmo, pois quando ele se organiza com consciência e faz um "panelaço" em reprova a opressão, ele mostra sua força e dignidade ainda que as mudanças levem tempo para se consolidar!

    Pro Sarkozy e pra Angela Merkel o povo grego não passa de massa de manobra e vaquinha de presépio!

    Cacete neles através de uma manifestação popular grega que tape a boca dos dois!

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  2. Olá, Franklin!

    Neste ponto eu até concordo com a medida tomada pelo primeiro-ministro da Grécia.

    Como estou bem longe dos acontecimentos da Grécia e apenas tenho notícias através do que circula nos jornais e de uns parentes gregos, fica difícil posicionar-me acerca do que este político tem feito.

    Pelo que sei, ele é representante do PASOK que é um partido de centro-esquerda na Grécia. Uma espécie de PT ou de PSB brasileiro. Ou seja, seguem a linha da social democracia.

    Bem, o PASOK já esteve no poder na Grécia por onze anos até 2004 e retornou em 2009, quando Papandréu venceu as eleições legislativas em 4 de outubro daquele ano. E, por terem já governado no passado, não podemos penar que o PASOK seja algo inovador e maravilhoso. Ou seja, eles têm participação na causa da crise grega assim como os conservadores que estiveram no poder neste meio tempo.

    Desde que a Grécia declarou sua insolvência, o governo vem enfrentando uma onda de protestos e de pressões internacionais. E, durante um tempo, Papandreou parece ter tentado cumprir a política franco-alemã em seu país. Mas, como ele e seu partido deveriam estar sofrendo um desgaste de popularidade, resolveram então submeter a decisão a um referendo.

    De qualquer modo, gostando ou não dos políticos gregos, a decisão foi acertada. Pouco importa se isto tem causado pânico nos mercados financeiros. Trata-se do destino de um povo e do emprego de milhões de famílias.

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  3. Segundo uma entrevista do economista Kenneth Rogoff, da Universidade Harvard, este perdão de 50% da dívida grega não vai resolver o problema do país, visto que, em 2020, as projeções mostram que o défcit será de 120% do PIB.

    "Nós vamos ver a continuação de uma profunda volatilidade, e esse último plano europeu não tem nada (para impedir isso)."

    Na opinião dele, é "altamente provável que pelo menos um e possivelmente mais países sejam forçados a abandonar o euro".

    Ora, todo este quadro é bem preocupante porque 20% de probabilidade de haver uma recessão global. E, se isto acontecer, penso que haverá uma grande oportunidade para a implantação de novo ciclo econômico no mundo que substituirá o neoliberalismo cuja duração foi de aproximadamente uns 30 anos, desde a eleição da primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher até as crises recentes do final da década passada como a de 2008.

    Meu desejo é que, neste vôo da águia, isto é, com uma crise econômica global, abra-se espaços para a construção de um futuro verdadeiramente humanista com valores mais elevados.

    Abraços.

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