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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Perplexidade

Minha esposa estava assistindo o programa da Ana Maria Braga quando a transmissão normal da TV GLOBO foi interrompida para noticiar o massacre de estudantes ocorrido nesta data (07/04/2011) numa escola em Realengo, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.

Como coloquei no título da mensagem, o sentimento que estou tendo acerca do fato é de perplexidade porque não esperava que algo deste tipo, mais comum nos Estados Unidos, fosse ocorrer justo aqui no Brasil.

Chamou também a minha atenção o teor das cartas deixadas pelo atirador, demonstrando ser ele uma pessoa de mente perturbada, capaz de prescrever instruções para serem executadas após sua morte:


“Primeiramente deverão saber que os impuros não poderão me tocar sem luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adúltero poderá ter um contato direto comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem sua permissão, os que cuidarem de meu sepultamento deverão retirar toda a minha vestimenta, me banhar, me secar e me envolver totalmente despido em um lençol branco que está neste prédio, em uma bolsa que deixei na primeira sala do primeiro andar, após me envolverem neste lençol poderão me colocar em meu caixão. Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme. Minha mãe se chama Dicéa Menezes de Oliveira e está sepultada no cemitério Murundu. Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna.”


Não é estranho como alguém pode falar sobre Deus e "pureza sexual" mas ser capaz de matar crianças a adolescentes indefesos numa escola?

Pois digo que, refletindo melhor sobre o que aconteceu, um comportamento deste pode não ser tão estranho.

Meditando sobre a história e os absurdos que acontecem em outras partes do mundo, podemos observar que o fanatismo religioso e político, não importa de qual credo, é capaz de muito mais. É capaz, inclusive, de gerar violência coletiva, levando comunidades e nações a agirem de modo semelhante.

Numa hora como esta é de se esperar que o sentimento de revolta e de comoção tome conta dos telespectadores a ponto de desejarmos a pena de morte e até o fogo do inferno para uma pessoa como era Wellington Menezes de Oliveira. Contudo, até as primeiras horas da manhã de hoje, ninguém jamais imaginaria que aquele rapaz fosse cometer tamanha barbaridade. E como uma criança que ainda estava acordando para ir ao colégio poderia prever que, pouco tempo depois, estaria vivendo uma cena de horror?

Olho para uma situação destas e o que posso fazer no momento é dar meus sentimentos às famílias destas crianças e aos sobreviventes do massacre. Prefiro calar-me quanto a questões sobre pena de morte, se houve responsabilidade omissiva por parte da escola ou se o governo do Sérgio Cabral poderia ter evitado o fato. Parabenizo o sargento Márcio Alves da PM por sua destemida bravura e desejo que os estudantes possam recuperar-se em paz.

4 comentários:

  1. Caro Rodrigo

    Dois antes dessa tragédia de fundo religioso neurótico, eu escrevi um texto reflexivo lá no "Ensaios & Prosas" sobre a "Volta da Neurose Eclesiástica dos Tempos das Cruzadas".

    A frase do menino evidencia a que ponto extremo a canalização de conceitos retrógrados religiosos podem fazer numa mente frágil.

    Para uma maior reflexão nossa, vou reproduzir um trecho do texto do menino, vítima da sociedade gospel de consumo. Ele tem muito a nos dizer sobre o tipo de cristianismo que se estar a propagar pelo mundo afora:


    Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna (Freud explica)

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  2. "(...) a que ponto extremo a canalização de conceitos retrógrados religiosos podem fazer numa mente frágil (...)"

    Com certeza, Levi, isto é muito preocupante e estou a conversar com minha esposa sobre a possibilidade de que outras pessoas queiram também praticar coisas semelhantes.

    Lembra-se da época (março/1997) em que aqueles jovens de classe média queimaram o índio em Brasília?

    Pois bem. A declaração de um deles dizendo "(...) pensei que fosse um mendigo (...)" levou outras pessoas no país a cometerem assassinatos semelhantes contra moradores de rua. E foram vários casos que passaram a acontecer.

    Minha preocupação não é só por causa do fundamentalismo religioso, mas também por causa dos estímulos que a divulgação de uma notícia desta pela mídia não pode influenciar a mente de outros psicopatas.

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  3. Rodrigo, também fico preocupada que este caso vire repetição,mas por outro lado como esconder um caso desses? sei que suicídios não são divulgados, tanto que nesse último mês soube de dois tão tristes e nada saiu nos jornais, melhor assim. Fico cá pensando que a sociedade está muito doente ou estamos tendo informações demais, ou as duas coisas. Fato é que nunca mais sentei no cinema como dantes depois daquele louco de São Paulo e agora ficarei apreensivas com estas pessoas "esquisitas, caladas demais", não falam mas a mente está a mil. Só gostaria que a Medicina se aprimorasse pra descobri esse gen da psicopatia,mas já ouvi um psiquiatra dizer que não tem cura e nem previsão do que indivíduo com perfil esquisofrênico é capaz de fazer...estamos a sorte.

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  4. Olá, Wilma. Acho que situações como esta são mesmo imprevisíveis e não estamos livres de que tornem a acontecer, embora eu não as deseje.

    Penso que a sociedade de algum modo ajudou a produzir o que houve, muito embora a decisão de matar estudantes tenha partido do próprio Wellington.

    Uma das coisas que se debateu foi a questão da segurança nas escolas e o secretário do governo estadual colocou muito bem que seria excessivo e até ineficaz uma tentativa mais rígida de controle como se vê nos USA. E, sem dúvida, se houvesse um PM na porta de cada escola e detectores de metais quebraria a convivência comunitária nas escolas públicas de periferia e estaríamos nos distanciando da ideia original que o Darcy Ribeiro teve em relação aos CIEPs quando baseou-se nas aldeias indígenas. Para Darcy, o centro da vida comunitária de um bairro deveria ser a escola que seriam mais do que instituições indígenas, mas sim espaços de convivência entre as pessoas e produção de cultura, coisa que o Brizola não conseguiu por em prática em seus dois governos...

    Penso que não existe o tal gen da psicopatia embora fatores genéticos e as condições externas possam contribuir para que venhamos a fazer certas escolhas na vida. Então, o que podemos fazer de melhor seria prevenir desajustes e acho que, neste século XXI, onde a depressão e outros problemas semelhantes ganham cada vez mais relevância, está mais do que na hora de se investir na saúde mental. Inlcusive, o Rio de Janeiro é um estado bem rico e que se beneficia de royaltiel do petróleo de modo que pode proporcionar serviços de alto nível para os seus cidadãos.

    Finalmente, acho que o Wellington não era esquizofrênico porque não vislumbro nele uma perda do contato com a realidade. E se tentarmos enquadrá-lo também como um psicopata, tecnicamente falando, também teríamos que observar a culpa por ele demonstrada na carta, visto que tal sentimento os psicopatas não costumam ter. Logo, corrijam-me os psiquiatras e psicólogios se eu estiver errado, acho que qualquer pessoa pode chegar ao mesmo ponto que o Wellington. Só depende do que cultivamos dentro de nós e das escolhas feitas.

    Abraços e participe sempre!

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