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sábado, 29 de maio de 2010

Um judeu em Atenas



Na adolescência, época em que entreguei minha vida para Cristo, eu vibrava todas as vezes em que lia sobre as missões evangélicas do primeiro século no livro de Atos dos Apóstolos e sonhava em sair viajando pelo mundo ganhando almas para Jesus. Contudo, acho que nem conseguia evangelizar meus colegas de escola, ainda mais quando vivi uma terrível fase de fanatismo religioso que tanto afastava as pessoas de mim.

Anunciar Jesus às nações é algo bem mais difícil do que simplesmente convidar um vizinho ou um parente para ir conosco a algum culto, coisa que qualquer crente e até pessoa não convertida pode fazer e para evangelizarmos é indispensável estarmos em sintonia com os planos de Deus porque o resgate de uma alma trata-se de uma verdadeira batalha espiritual.

O livro de Atos fala de um judeu chamado Saulo de Tarso, fariseu da tribo de Benjamim, conhecido também como Paulo, o qual, após perseguir a Igreja de Cristo, converteu-se ao Evangelho, passando a pregar tanto a judeus quanto aos povos estrangeiros que viviam na parte oriental do Império Romano. Foi inicialmente temido pelos discípulos do Senhor Jesus, visto que muitos duvidavam de sua conversão, mas não demorou muito e se tornou mais um apóstolo, palavra esta que significa “enviado”. Empreendeu então três viagens missionárias, indo para lugares da Ásia Menor e da Península Balcânica, regiões consideradas ainda pagãs.

Nos tempos de Paulo, os gregos que, há três séculos foram os principais adversários dos judeus, povoavam boa parte da Ásia Menor, Macedônia e, obviamente a Grécia, sendo que muito ódio existia entre os dois povos.

Por sua vez, os judeus encontravam-se espalhados pela vastidão territorial do Império Romano, nas suas diversas províncias. Estima-se que, no século I, existissem cerca de 10 milhões de judeus, os quais chegaram a prosperar em cidades romanas situadas centenas de quilômetros da Palestina. Longe da terra de origem, essas comunidades judaicas mantiveram o hábito de se reunirem através das suas respectivas sinagogas, preservando suas tradições e costumes.

Quando Paulo chegava a uma nova cidade, primeiramente ele visitava a sinagoga onde seus irmãos judeus se reuniam. Com seu profundo conhecimento sobre a Torá e as Escrituras hebraicas, Paulo buscava persuadir os ouvintes a respeito do messiado de Jesus. Uns criam e outros não. Porém, quando sua pregação era definitivamente rejeitada pela comunidade judaica local, aquele corajoso rabino voltava o seu discurso para a conversão dos gentios, o que não raras vezes despertava a inveja e os ciúmes de seus compatriotas.

Em sua segunda viagem missionária, Paulo estava percorrendo as cidades da Macedônia e já sofria as perseguições promovidas pelos seus irmãos judeus que se recusavam a aceitar Cristo. A ousadia por ele demonstrada ao pregar o Evangelho era marcante, cheia do poder e da sabedoria de Deus, e incomodava a muitos que, certamente, não se conformavam em “perder” influência sobre seus seguidores, o que não é muito diferente do que ocorre hoje em dia no meio cristão disputado pelas instituições religiosas.

De acordo com os versos 13 e 14 do capítulo 17 do Livro de Atos, devido à situação exposta acima, Paulo não pôde permanecer mais tempo na cidade de Bereia para consolidar a obra evangelística que Deus havia iniciado por intermédio de sua pregação. Precisando sair às pressas do local, Paulo deixou ali seus colaboradores, Timóteo e Silas, e navegou pelo mar em direção ao sul, indo então da Macedônia para a Grécia.


Desembarcando em Atenas, Paulo ficou sozinho por uns tempos nesta importante cidade grega, enquanto aguardava em breve encontrar novamente os seus companheiros missionários para dar continuidade à obra de Deus.

Ora, Atenas foi a mais importante cidade grega da Antiguidade, berço da filosofia clássica, do conhecimento científico e da cultura ocidental. Uns quinhentos anos antes de Cristo, surgiram ali grandes filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais tornaram-se influentes pensadores da humanidade, cujas ideias até hoje são estudadas nas nossas faculdades modernas e se acham presentes nos diversos ramos das ciências. E, mesmo na época da dominação romana, no século I da era cristã, os gregos impuseram-se perante os demais povos através de sua influente cultura. Tanto é que os livros do cânon do Novo Testamento bíblico foram escritos num dos idiomas gregos utilizados naquela época – o koine.

Todavia, embora fossem homens cultos, os atenienses não conheciam o Deus verdadeiro, pois se prostravam diante de imagens de escultura fabricadas pelas mãos humanas, acreditando cegamente na existência de falsos deuses inventados pela fértil imaginação de seus ancestrais.

Pode-se dizer que Paulo estava bem no centro da civilização clássica da Antiguidade. Aparentemente sozinho pela ausência de seus companheiros, mas com Deus, ele se encontrava na milenar Atenas, cidade cujo nome era uma homenagem dos gregos à deusa Atena, considerada por eles como a deusa da sabedoria.

O livro de Atos conta que Paulo, ao deparar-se com a idolatria reinante naquela cidade, indignou-se em seu espírito e começou a pregar na sinagoga judaica aos sábados e também anunciava o Evangelho todos os dias na praça de Atenas.

No entanto, as pregações de Paulo não foram aceitas por todos naquela cidade. Filósofos que seguiam duas correntes de pensamento, os epicuristas e os estoicistas, contendiam com o apóstolo ao invés de abrirem seu corações para a Verdade.

Não quero aqui me aprofundar muito sobre as correntes de pensamento filosófico da Grécia antiga. Porém, como o livro de Atos faz menção aos epicureus e aos estoicos, considero relevante para melhor entendermos a situação contextual ao menos definir quem eram tais grupos de pensadores e no que eles acreditavam.

Segundo a História, Epicuro teria vivido entre os anos de 341 a 270 a.C. e desenvolveu ideias pregadas por Aristipo, o qual, por sua vez, fora discípulo de Sócrates e dizia que o prazer seria o bem supremo da vida. Assim, para os epicureus a razão de viver do homem seria a busca do prazer que era alcançado através da ponderação e do autocontrole sobre os desejos humanos a fim de se alcançar o “prazer supremo”.

Dentro da perspectiva terrena que tinha quanto à vida, Epicuro considerava que, após morrer, o homem simplesmente deixaria de existir, de modo que para os epicureus só interessava saber viver o momento.

Quanto, porém, ao estoicismo, tratava-se de uma outra escola filosófica ateniense que também surgiu por volta do ano 300 a.C., fundada por Zenão de Cítio. Seus seguidores negavam a oposição entre o espírito e o corpo (para eles só haveria matéria) e acreditavam que a morte seria um acontecimento da natureza em que, devido a isto, caberia ao homem aceitar o destino que lhe estava reservado.

Deste modo, os estoicistas entendiam que viver conforme as determinações da natureza seria “agir dentro da razão”. E, na época de Paulo, estes pensadores eram acentuadamente religiosos, tendo se tornado praticantes de um moralismo hipócrita e adorando falsos deuses, sendo que, curiosamente, a maioria dos seus líderes, como Zenão e Sêneca, cometeram suicídio.

Mas, afinal, o que é que esses filósofos atenienses deveriam pensar a respeito das pregações que Paulo fazia todos os dias na praça da cidade?

Em Atos 17:18, o autor relata fielmente as impressões que certas pessoas em Atenas pensavam sobre Paulo, para as quais Jesus parecia ser mais um deus estranho enquanto que a ideia da ressurreição não passaria de uma loucura. Isto porque, como já foi dito, para os epicureus aceitarem a ressurreição seria negar a inexistência do homem após a morte enquanto que para os estoicos uma fé dessas só poderia significar a recusa do homem em aceitar o seu destino natural, negando sua condição de matéria.


Foi neste ambiente, onde ao mesmo tempo havia muito conhecimento quanto às coisas terrenas e uma enorme ignorância em relação aos assuntos espirituais, que o rabino Saul de Tarso fez o seu discurso no Areópago ateniense.

O Areópago era um templo a céu aberto situado na parte alta da cidade, cujo significado é “Colina dos Ares” Era um local dedicado ao deus da guerra grego, onde a sociedade ateniense costumava se reunir para fins políticos, judiciais, culturais, religiosos ou filosóficos. Sua localização ficava numa colina próxima à acrópolis (a parte alta da cidade de Atenas) e, historicamente, foi o palco de grandes julgamentos e de decisões políticas que marcaram o mundo dos gregos na Antiguidade clássica.

Segundo o texto bíblico, as pregações de Paulo pareciam ter se tornado uma novidade naquela cidade de homens cultos e cheios de conhecimento. As pessoas queriam tirar suas conclusões a respeito daquele forasteiro considerado como um “tagarela” e que anunciava “estranhas” novidades.

Com grande sensibilidade, Paulo procurou direcionar sua pregação para o público que havia se reunido a fim de julgar o seu discurso, sabendo o apóstolo que se tratavam de ouvintes sem a concepção de um único e verdadeiro Deus, embora fossem extremamente religiosos.

Sabiamente, Paulo fez uma referência a um altar dedicado ao “Deus Desconhecido” encontrado no meio de tantos outros altares erigidos para os deuses daquela cultura politeísta. Em seguida, revelou que esse Deus, o qual os moradores de Antenas verdadeiramente desconheciam, jamais precisaria de um santuário construído pelo homem e tão pouco de qualquer coisa que lhe pudesse ser oferecida. Prosseguiu explicando que esse Deus desconhecido é espiritual e não matéria, de modo que ninguém poderia encontrá-lo pelo tato, embora sua presença não esteja tão distante do homem.

Confirmando o papel de Deus como Criador não só do mundo, mas também do homem, Paulo fez menção ao verso de um poeta helenista muito conhecido pelos atenienses, a fim de enfatizar que os homens foram gerados por este Deus desconhecido.

Deste modo, pode-se dizer que, nos versos 22 a 29 do capítulo 17 de Atos, Paulo procurou estabelecer os princípios de sua pregação a partir da concepção de seu público para lhes transmitir a ideia do verdadeiro Deus a fim de que, quando apresentasse Jesus, os ouvintes não pensassem que se trataria de mais um deus para eles adorarem.

Assim, tendo então mostrado quem é o único e verdadeiro Deus, Paulo tentou direcionar a sua mensagem para a pessoa de Jesus, enfocando qual seria o propósito para o atual momento da manifestação da graça Daquele que criou todas as coisas, falando, finalmente, a respeito da ressurreição de Cristo (At 17:30-31).

Observa-se que Paulo utilizou a abordagem correta destinada ao público para o qual pregou. Ali ele não citou nada a respeito da História dos judeus, conforme costumava fazer nas sinagogas, visto que nenhuma relevância haveria para evangelização dos gregos se Paulo houvesse falado quem foi Abraão, Moisés ou Davi. E também não faria sentido informar detalhes sobre a vida de Jesus e o seu ministério na Palestina, pois se tratavam de acontecimentos desconhecidos para aquelas pessoas que pouco devem ter ouvido falar de fatos que aconteceram há aproximadamente duas décadas num lugar distante em torno de 1000 quilômetros da Grécia com o qual jamais tiveram alguma identidade.

Para que aqueles homens fossem salvos, bastaria que cressem na existência desse único e verdadeiro Deus, arrependessem dos pecados, aceitassem a salvação através de um homem chamado Jesus que veio ao mundo morrer pela humanidade e que ressuscitou. Para isto, seria suficiente que aqueles ouvintes entendessem que Jesus é o homem destinado por Deus para julgar o mundo com justiça e que para a confirmação de tal propósito este Deus o ressuscitou dentre os mortos.

Lamentavelmente, a maioria dos homens e mulheres que estavam presentes no Areópago ateniense jogaram fora a chance de aceitarem a salvação oferecida por Deus naquele dia. Tal como muitos intelectuais das universidades nos dias atuais, os sábios de Atenas deixaram obscurecer seus entendimentos pelas suas próprias convicções filosóficas, passando a ridicularizar Paulo por causa da ressurreição. O excesso de crítica fez com que eles se tornassem soberbos e deixassem de refletir. E, apesar de suas filosofias e do conhecimento científico que armazenavam, eles anularam a si mesmos quando resolveram interromper a pregação de Paulo, deixando de conhecer o Deus verdadeiro, o qual só pode ser encontrado pelo homem através da fé em Jesus Cristo porque com os nossos cinco sentidos jamais o encontramos.

Percebendo que a motivação daqueles homens era zombar da mensagem de Deus ao invés de ouvi-la, Paulo retirou-se dali. Porém, o livro de Atos que alguns homens agregaram-se ao apóstolo, dentre os quais estava um juiz chamado Dionísio e uma mulher com o nome de Damaris, sobre a qual muito pouco se sabe.

Apesar de poucas pessoas terem se reunido a Paulo, acredita-se que houve salvação nesta primeira visita do nosso irmão a Atenas, o qual prosseguiu dali para outra cidade grega chamada Corinto, onde então foi fundada uma grandiosa igreja, destinatária de algumas epístolas de autoria do apóstolos, das quais foram preservadas somente duas.

Ora, sempre que leio sobre o discurso de Paulo em Atenas, várias indagações surgem em minha mente. Inicialmente questiono por que o autor de Atos registrou um evangelismo aparentemente mal sucedido? E também passa pela minha cabeça se Paulo teria em algum momento falhado na sua pregação?

Sobre a primeira pergunta, entendo que assim como a Bíblia não esconde as falhas humanas de caráter e nem as provações, também não oculta o fracasso. No ministério de Jesus em Nazaré, os Evangelhos informam que poucos milagres o Senhor realizou na cidade onde fora criado por causa da incredulidade das pessoas de lá. E, como bem sabemos, Jesus não errou, tendo sido perfeito em todas as suas realizações.

Atualmente consigo extrair ensinamentos do evangelismo de Paulo em Atenas, hoje considerado por mim como um empreendimento espiritual muito bem sucedido apesar do pequeno número de pessoas convertidas.

Jesus mandou que seus discípulos fossem ao mundo e pregassem o Evangelho a toda criatura. Quem cresse e fosse batizado seria salvo, mas quem rejeitasse as boas novas seria condenado.

Pois bem. No próprio livro de Atos, quando Paulo já se encontrava preso e sua pregação fora rejeitada pelos judeus de Jerusalém, o próprio Senhor Jesus havia aparecido para Paulo encorajando-o com estas palavras “Pois do modo por que deste testemunho a meu respeito em Jerusalém, assim importa que também o faças em Roma” (Atos 23:11)

Mesmo sem os saduceus e fariseus do sinédrio judaico terem recusado a se converter (e ainda tramavam matar Paulo), Jesus demonstrou contentamento com o ministério de seu apóstolo.

Igualmente percebo que, na cidade de Atenas, Paulo cumpriu a sua missão, pregando o Evangelho para aqueles ouvintes de coração endurecido, embora fossem homens de grande cultura. Pois, mesmo que a maioria dos atenienses tivesse rejeitado Jesus por causa da loucura da ressurreição, a salvação já estava anunciada.

Da mesma maneira, penso que este deve ser o nosso papel. Devemos anunciar o Evangelho com todos os recursos que Deus nos dá, sejam armas espirituais, talentos pessoais, conhecimento científico, discurso eloquente e criando pontos e identificação com o ouvinte. Por sua vez, uma vez ganhando almas para Cristo, devemos nos preocupar com o discipulado dos novos convertidos, ensinando-lhes a doutrina cristã com sinceridade. Porém, devemos nos tranquilizar quando entregamos a Palavra de Deus aos corações, sabendo que não somos responsáveis pelas decisões tomadas pelas pessoas de modo que podemos descansar confortavelmente nos braços do Senhor, nas mãos de quem encontra-se o futuro de todos os homens.


OBS: As fotos que estou utilizando para ilustrar o artigo referem-se à viagem que minha mãe, Sra. Myrian Phanardzis, fez nos meados da primeira década do século (salvo engano em agosto de 2004) ao visitar nossos parentes na Grécia, em especial minha tia avó que vive em Atenas e sabe falar o idioma português. Esta atualização meramente ilustrativa estou complementando nesta data de 23/02/2011.

5 comentários:

  1. Paz seja contigo

    Que contraste entre a pregação de Paulo e a dos homens de "Deus" de hoje.

    Paulo mostrava a necessidade de salvação, hoje os homens sabios mostram a solução de dividas financeiras e sucesso empresarial....

    E o pior é que temos filósofos evangélicos falseados em suas revelações e interpretações particulares acerca da Palavra de Deus.,

    Que multipliquemos o exemplo de Paulo

    Permaneça na Graça e que frutifique nela

    Seja bem vindo a meu blog e que seja edificado na Palavra

    atalaiadocastelo.blogspot.com

    Nicodemos

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  2. Graça e paz, Nicodemus. Seja reciprocamente bem vindo neste site e, conforme colocou na sua mensagem, devemos nos mirar no exemplo de Paulo e pregarmos o Evangeho de Jesus - a mensagem simples da salvação. Um forte abraço!

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  3. Então Paulo é mais que Jesus???!!!

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  4. Se não existisse Paulo não haveria salvação???

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  5. Boa noite, João Antônio!

    Como sabemos, a salvação vem de Deus, o Criador de todo o Universo (e de todos os homens).

    No entanto, considero que, por meio de Paulo, Deus trouxe muitos benefícios à humanidade, quer tenha sido em seu tempo como para as gerações futuras.

    Que possamos nós também sermos canais de Deus e agentes de sua maravilhosa salvação!

    Um abraço.

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