Era uma vez um pastor chamado Oseias que vivia numa pacata cidade do interior. Com vocação desde jovem, casou-se cedo e logo iniciou seu ministério como um obreiro auxiliar. Teve dois filhos com sua esposa Rute e, no ano seguinte ao nascimento do mais velho, foi dirigir uma congregação.
Sendo homem íntegro, Oseias sempre procurou ser um marido e pai presente, desejando que seus filhos seguissem seus passos. Educou ambos na instituição de ensino mantida pela Igreja e os exortava através da Bíblia para que os meninos aprendessem a viver segundo a verdade. Nunca deixava de dialogar com eles por mais que estivesse compromissado com as tarefas do ministério eclesiástico ou de seu trabalho como professor de Filosofia na faculdade.
Com doze anos de idade, morreu o seu primeiro filho Paulo, ficando apenas Marcelo que veio a se tornar um adolescente rebelde. E, apesar do rapaz ter se batizado nas águas, foi rapidamente afastando-se dos ensinamentos da Bíblia preferindo andar com as más companhias do colégio.
Na época em que Marcelo entrou no ensino médio, ele se envolveu com drogas. As coisas começaram a sumir dentro de casa e o pai sentiu-se desconfiado dos furtos domésticos, mas em momento algum duvidando da idoneidade da empregada embora a esposa a culpasse. Um dia foi o dinheiro que estava na carteira. No outro, as jóias de Rute, E, finalmente, Marcelo facilitou que bandidos entrasse na garagem e levassem o automóvel da família para um desmanche, entregando aos bandidos as chaves do veículo afim de saldar uma dívida contraída com o tráfico.
Quando este fato ocorreu, Oseias ficou sabendo de tudo pela confissão do próprio filho e pediu ajuda ao pastor dirigente da convenção das igrejas. Com isto, a família conseguiu logo uma vaga para Marcelo ser internado numa clínica religiosa que cuida de dependentes químicos na capital do estado. Ali o rapaz permaneceu por um semestre para desintoxicar-se. Todavia, Oseias foi orientado a não expor em púlpito todo o seu problema para a congregação, exceto para o conselho da igreja.
No dia da alta de Marcelo, Oseias fez uma festa e o recebeu com muitos abraços e beijos. Animou sua esposa para que ela vencesse o sentimento de decepção com o filho e chamou os amigos íntimos. Todos fizeram um culto de ação de graças e se fartaram com um delicioso bolo de chocolate.
Consciente de que precisava encaminhar o filho para tratamento médico, Oseias conseguiu que Marcelo fosse rapidamente atendido por um psiquiatra e uma psicóloga. Sob o efeito de remédios controlados, ele permaneceu por uns tempos longe da cocaína já que estava substituindo uma droga ilícita por outra lícita. E, apesar de ter perdido o período letivo, voltou a estudar no ano seguinte.
Infelizmente, pouco antes de completar seus 18 anos, Marcelo sofreu outra recaída. Parou de tomar os comprimidos do psiquiatra, não mais compareceu às sessões de psicoterapia e passou a beber. Não demorou muito ele voltou a cheirar e a apresentar um comportamento estranho. Andando com falsos amigos, o rapaz engravidou uma moça que era usuária como ele e a fez abortar. Para sustentar o vício, desta vez a sua opção foi sair de casa e se juntar ao tráfico de drogas na cidade.
Com terrível desgosto sentido por Oseias, o filho ainda desencaminhou outros jovens de cabeça fraca da própria igreja que o imitaram em alguns de seus erros. Todos na congregação focaram sabendo da má conduta de Marcelo e alguns irmãos desligaram-se da membresia por não aceitarem a liderança de um pastor que tivesse um filho envolvido com as drogas.
- “Se este homem é incapaz de cuidar da própria família, como vai administrar a casa de Deus?!” – disse um senhor revoltado.
- “Duvido que este pastor seja realmente ungido por Deus. Se fosse o seu filho não estaria metido nessas coisas. Quero estar numa igreja onde pessoas são curadas e libertas dos vícios. Amanhã mesmo eu vou na corrente da igreja do tal apóstolo Argemiro que assisto diariamente na televisão!” – comentou uma mulher que estava há poucos meses congregando.
Certo dia, Marcelo foi pego pela polícia portando drogas e armas. Ele estava na cidade vizinha transportando a “mercadoria” para a boca de fumo da qual era cliente e já era investigado por um assalto a uma farmácia. Mas tão logo ocorreu o flagrante, o jornal local, sem ter nenhum assunto importante na pauta, noticiou o fato com letras grandes na primeira página:
“FILHO DE PASTOR É PEGO COM MEIO QUILO DE PÓ”
Assistindo o próprio filho algemado pela TV, Oseias correu para a delegacia. Contratou um influente advogado que era diácono da igreja (um dos melhores da cidade) e evitou que Marcelo recebesse apoio jurídico do tráfico. Porém, com toda a experiência do profissional não era possível ao indiciado responder o processo em liberdade. O rapaz teria que permanecer em custódia até o julgamento e depois, quando já sentenciado, ser transferido para um presídio.
Embora fosse membro da igreja, o advogado não aceitou diminuir os honorários e ainda exigiu pagamento adiantado. Oseias precisou vender rapidamente o carro e a casa, passando a viver de aluguel com a esposa. O comprador pagou pelos bens menos do que o valor de mercado, aproveitando-se da urgência da família, e o dinheiro mal serviu para custear as despesas e o trabalho do causídico. Até para contratar o frete da mudança o casal precisou contrair um empréstimo junto ao banco.
Ainda assim, Oseias não deixou de amar o filho e, toda semana, no único dia de visita, jamais deixava de comparecer à penitenciária levando algo de comer e maços de cigarro já que o psiquiatra tinha recomendado à família sobre a substituição de um vício pior por outro de menor nocividade. Além do mais, numa cadeia, os cigarros tornam-se uma espécie de moeda de troca formando um mercado paralelo entre os presos já que é uma das maneiras que os detentos encontram para aliviar a ansiedade.
Entretanto, certo dia, um membro de outra igreja viu Oseias saindo de um boteco com um pacote de cigarros na mão. Perplexo, querendo também arrumar motivos para escandalizar o pastor e arruinar seu ministério, o homem registrou o fato através da câmera do celular, transmitindo as imagens por email ao conhecimento do conselho da congregação. Como ninguém lhe respondeu, o homem compartilhou o arquivo com outras pessoas na internet e a notícia logo espalhou-se pelas redes sociais no meio religioso.
- “O pastor Oseias anda fumando!” – alardeou uma senhora fofoqueira da igreja.
- “Se ele estivesse firme com Deus, não faria algo deste tipo. Este homem não está liberto!” – julgou uma das lideranças dos jovens.
- “Já que até o pastor está fumando, quem é ele pra me dar conselhos dizendo que preciso largar a bebida?! Vou continuar tomando minhas pingas depois do serviço. Afinal, eu me garanto e quando quiser consigo parar.” – disse o marido alcoólatra de uma irmã chamada Maria José que andava desviado da igreja e já tinha agredido a esposa duas vezes.
Secretamente o conselho da igreja reuniu-se para discutir a situação de Oseias sem nem ao menos ouvi-lo previamente. O líder do coral assim propôs aos presentes:
- “Irmãos, vocês sabem que os problemas do pastor com o filho têm causado terríveis danos à imagem da igreja. Pessoas estão pedindo o desligamento do rol de membros e andam até comentando que o chefe da congregação passou a fumar. Agente sabe não ser isto verdade, mas o fato é que aquela foto divulgada no Facebook tem causado um impacto negativo bem forte e a situação está ficando cada vez mais difícil de se explicar. Até a denominação acabou levando má fama! Sendo assim, proponho convencermos o nosso mano Oseias a pedir por ele mesmo um afastamento provisório afim de cuidar da família e que escreva uma carta justificando o porquê de ter comprado aquele pacote de cigarros.”
O parecer foi do agrado de todos exceto da própria irmã Maria José esposa do homem alcoólatra. Sendo ela uma liderança feminina dentro da igreja, reagiu nestes termos:
- “Discordo de todos vocês! A Bíblia ensina que o poder de Deus aperfeiçoa-se na fraqueza. A cada pregação do pastor, tenho aprendido mais sobre a graça de Deus. Mesmo convivendo com o vício, a ignorância e a agressividade do meu marido, sei que ele é responsável por suas escolhas e está usando como desculpa a imputação injusta feita ao nosso irmão Oseias. E, ainda que ele comprasse cigarros para si, compreendo que cada qual tem suas próprias dificuldades pessoais, não sendo o uso de cigarros algo que desabone sua conduta. Logo, cabe à Igreja incluir as pessoas no Reino de Deus ao invés de afastá-las. Seja do convívio ou mesmo do ministério.”
Ainda assim, o conselho eclesiástico preferiu dar ouvidos às palavras ministro do coral e fechou a sua posição por decisão da maioria antes da reunião formal com o pastor que foi extraordinariamente convocada para apurar sua conduta tida como indecorosa.
Notificado então do que se tratava, Oseias orou e, apresentando-se ao conselho, deu a seguinte resposta aos presentes:
- “Irmãos, visto que não é do agrado de Deus que eu me afaste do ministério pastoral, pois o Senhor tem me usado para a sua obra até mais intensamente do que antes destes últimos problemas, não vejo razões para afastar-me das funções que exerço aqui. Sempre que visito meu filho no presídio, falo do amor de Cristo para muitos jovens que estão lá perdidos e percebo que eles estão se convertendo. Amanhã mesmo faremos um culto lá na cadeia e convido vocês a virem comigo.”
Um senhor enraivecido e que era membro antigo da igreja interrompeu com arrogância:
- “O irmão não vai fazer mais nenhum trabalho em nome da nossa igreja! Um pastor que entra num bar de prostitutas para manter o vício do seu filho desviado não está demonstrando fé no poder divino. Mesmo assim, este conselho está te dando a chance de se sair bem desta situação, afastar-se por uns tempos do ministério e recomeçar tudo em outra congregação fora da cidade. Propomos que você mesmo peça o afastamento das funções eclesiásticas que exerce e continuaremos a pagar o seu salário por um ano até que a convenção te indique para assumir um novo serviço. Também terá que escrever uma carta explicando porque comprou cigarros para seu filho aquele dia assumindo seu lamentável erro.”
Replicou Oseias:
- “Caro irmão, sei que o senhor é um dos fundadores daqui, mas eu obedecerei a Deus primeiramente e estou de consciência limpa quanto a ter comprado cigarros para meu filho, pelo que vou continuar fazendo isto enquanto for necessário, inclusive indo naquele mesmo bar onde um dia desses uma jovem largou a prostituição para seguir a Jesus. Também um bêbado arrependeu-se de sua vida errante e disse que pretende visitar nossa igreja. Ora, sinceramente não desejo que meu filho continue viciado, nem mesmo em cigarros que, como bem sabemos, fazem mal à saúde. Só que, por enquanto, não vejo outra razão para agir diferente.”
A reunião durou até tarde e terminou com Oseias sendo excluído das funções de pastor e, depois disto, ele mesmo pediu sua retirada do rol de membros acompanhado pela irmã Maria José e também pelas professoras da escola bíblica dominical das crianças. Em seu lugar, ficou o líder do coral até que a convenção das igrejas enviasse outro pastor substituto. Nenhum detalhe foi dito à congregação sobre o que ocorreu e as lideranças optaram por abafar os acontecimentos com o intuito de evitar comentários a respeito da saída do pastor.
Contando apenas com o seu salário na faculdade, Oseias precisou sobrar a carga de trabalho dando aulas pela manhã e à noite. Continuou serrvindo a Deus e celebrando cultos aos domingos dentro de sua própria casa na companhia de uns poucos irmãos corajosos. Jamais abandonou o filho e, todo dia de visita, ele e um grupo tomavam um ônibus até o presídio trazendo bíblias, lanches e um pacote de cigarros.
No mês seguinte, o grupo informal de cristãos reuniu-se para a primeira Ceia e, no final do culto, a irmã Maria José levantou uma questão:
- “Amados! Um novo mês acaba de começar e até agora nada foi falado sobre o que faremos com os nossos dízimos e ofertas. Amanhã a Prefeitura depositará o meu pagamento de enfermeira do posto de saúde e quero saber o que devo fazer com aquela parte do dinheiro que costumava contribuir para a igreja?”
Oseias respondeu:
- “Minha prezada irmã! No momento, esta congregação não necessita de nenhum centavo para se manter. Dobrei o meu salário trabalhando na faculdade e este acréscimo representa muito mais do que a antiga congregação pagava e mais o que economizaria caso não tivesse aluguel, visto que estou sendo promovido a diretor. Os gastos do nosso grupo, por enquanto, não são mais do que os humildes elementos desta ceia que acabamos de fazer, coisas que resolvemos com uma vaquinha dividindo as despesas de dez reais do supermercado. Então, como não tenho ainda um propósito em vista, sugiro que cada irmão, por enquanto, destine um percentual de sua respectiva renda para ajudar o próximo que cruzar seus caminhos. Pode colaborar também com um orfanato, um asilo, um missionário em outro país ou até mesmo aquela instituição de ajuda às pessoas portadoras de necessidades especiais que fica na esquina do Fórum com a praça.”
Mais uma vez a irmã Maria José interveio:
- “Irmão Oseias, eu discordo de você sobre esta ausência de propósitos. A nossa igreja já tem um grande ministério acontecendo que o irmão talvez não tenha percebido. Todas as vezes quando vamos ao presídio visitar seu filho, mais e mais pessoas estão entregando suas vidas a Cristo, dentre os quais encontram-se homens totalmente esquecidos por suas famílias. Então, proponho que passemos a contribuir trazendo para cá pacotes de cigarros, além de roupas e alimentos não perecíveis para as próximas visitas na cadeia.”
A proposta da irmã Maria José foi aprovada por unanimidade e ninguém se opôs à idéia de que parte das ofertas fossem apresentadas através de pacotes de cigarros. Com isto, novos irmãos cujos partentes tinham problemas com álcool, drogas ou estavam presos, foram juntando-se ao grupo que, dentro de pouco tempo, virou uma associação de pais e amigos cristãos de dependentes químicos. Ou seja, uma verdadeira Igreja em ação.
OBS: Ilustração extraída de http://www.ufv.br/dah/tabaco/04.html