Desde o feriado da
Semana Santa, tenho feito meus últimos passeios perto de casa, sem nem ao menos precisar tomar um ônibus. Dependendo somente dos meus pés, tenho conhecido com detalhes este pedacinho do Rio de Janeiro onde estou morando há quatro meses, apesar de já ter vivido aqui duas vezes: na infância (1976-1983) e adolescência (1988-1992).
Sou um cara que gosto de ir longe, mas também aprendi a viajar para perto. Na época de colégio, um professor de Matemática ensinou-me que o infinito não é encontrado apenas na grandeza dos numerais inteiros ou naturais. Entre zero e um, por exemplo, cabem incontáveis decimais: 0,1; 0,01; 0,001, 0,0001...
Assim, se falta a um viajante dinheiro e/ou tempo para sair do Rio de Janeiro rumo a Búzios, Porto Seguro, México, Europa e Austrália, ele tem a opção de conhecer com riqueza de detalhes a sua própria cidade. Pode visitar seus bairros, praias, ruas, praças, parques, museus, monumentos, prédios históricos, feiras, cachoeiras, picos, restaurantes, igrejas, ilhas, bibliotecas, etc. E ainda tem a oportunidade de pesquisar a respeito da história local afim de estabelecer ligações entre o presente e o passado, aprendendo sobre a essência do Universo tal como o filósofo
Immanuel Kant (1724-1804) que, durante seus quase 80 anos de vida, praticamente não saiu da cidade onde nasceu na Prússia – Königsberg.
Diferente de Kant, o qual costumava dar seus passeios britanicamente às três e meia da tarde, não faço nada dentro da rotina. Vario bastante nas caminhadas e tenho procurado sempre um novo visual da minha cidade e, em especial, do Grajaú e de toda a região da
Grande Tijuca. Para isto, tenho subido os morros do Rio de Janeiro, tanto nos parques ecológicos como nos bairros ricos e comunidades carentes. E acho que dei uma tremenda sorte em ter voltado para cá pouco depois da política de “pacificação”. Caso contrário, se ainda fosse na época do domínio territorial das facções de drogas, restariam poucos lugares para ir.
O Grajaú é um pacato bairro carioca e que dispõe de um belíssimo parque ecológico estadual de 55 hectares administrado pela Prefeitura Municipal. Suas matas integram-se com as do referenciado Parque Nacional da Tijuca. Próximo ao maior pico da localidade, com seus 444 metros, existe um vale cheio de cachoeirinhas do rio Joana e que agora estão podendo ser visitadas sem risco de balas perdidas decorrentes das guerras entre grupos criminosos rivais pelo controle dos pontos de venda de drogas.
Além do seu incrível potencial ecoturístico, o Grajaú oferece oportunidades de uma boa convivência social na principal praça do bairro. Caminhando pelas suas arborizadas ruas, pode-se deparar com lindas casas que passaram a valer milhões depois da política pacificadora. E até os apartamentos dos prédios antigos e sem elevador passaram a despertar um charme das décadas douradas de 50 e 60. Uns com pastilhas e outros com aconchegantes varandas. Isto sem esquecermos das pacatas vilas que, infelizmente, foram fechadas com portões de ferro nos tempos mais violentos.
Contudo, os meus passeios têm sido extensivos aos bairros próximos também. O Grajaú, como já dito, faz parte da Grande Tijuca. Do quarto andar onde fica meu apartamento, na Praça Edmundo Rego, avisto tanto o pico do bairro junto com as matas do Parque da Tijuca como também vejo para o outro lado uma parte do Morro dos Macacos, o Andaraí e do Sumaré com suas altas torres. E, mesmo com a explosão imobiliária de edifícios ocorrida nas últimas décadas do século XX, felizmente a minha janela não chega a ser apenas um “quadrado” de onde somente se “vê cimento armado” a exemplo da Rua Nascimento Silva 107 na famosa música
Carta ao Tom de
Vinicius de Moraes (1913-1980) com
Toquinho.
Sendo vizinho a Vila Isabel e ao Andaraí, o Grajaú fica ao lado da Nova Divineia, uma das comunidades carentes do então denominado Complexo do Andaraí. Desde que retornei ao Rio, eu já tinha em meu coração o desejo de ir ao encontro de tais comunidades e de conhecer aquelas mais próximas do Grajaú nas quais jamais havia andado. Porém, foi durante a Semana Santa deste ano que resolvi caminhar além da rua Borda do Mato, na outra margem do rio Joana, onde conversei com pessoas da Divineia buscando informações sobre novas cachoeiras, trilhas, roteiros para
trekking e mirantes naturais.
Naquele dia, primeiro subi um pontilhão bem no alto da Divineia, mas fui orientado a não entrar para dentro da mata sozinho rumo ao Morro do Encontro porque lá ainda não estaria pacificado. Retornei e acabei fazendo uma caminhada mais tranquila indo até o Andaraí onde fui sair no ponto final da linha 217 logo depois da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
Na conversa que tive com uns rapazes da Divineia, pude perceber o envolvimento do grupo com interessantes projetos comunitários. Um deles contou-me que havia feito curso de guia turístico na região do Tinguá (Nova Iguaçu) e que pretendia levar pessoas para conhecer as cachoeiras daqui. Também compartilhou outras ideias tipo reabrir uma antiga trilha que já ligou o Grajaú ao Alto da Boavista hoje fechada.
Tão logo cheguei no Rio, comecei a indagar sobre a existência de algum caminho por dentro da floresta que pudesse servir de acesso ao portão principal do Parque Nacional da Tijuca prosseguindo depois até às praias da Zona Sul. Quando subi o pico do bairro em fevereiro, descobri um vale que daria caminho até o Alto da Boavista, mas que carece de uma trilha e, desde então, tenho defendido que haja um projeto ecoturístico aqui neste sentido.
Enquanto não realizo esta sonhada caminhada, vou inventando outras que são mais acessíveis no momento. Ainda no feriado, mais precisamente no Sábado de Aleluia, tomei um delicioso banho de cachoeira no rio Joana. E, no Domingo de Páscoa, fui com Núbia ao Parque Recanto do Trovador, entre Grajaú e Vila Isabel. Andando por ali, fiquei olhando para as caras e demoradas obras de revitalização empreendidas pela Prefeitura no local. Lembrei-me dos gostosos tempos de infância quando cheguei a correr livremente por aquela espaçosa área com mais de 35 hectares junto com coleguinhas de escola.
O Parque Recanto do Trovador foi o primeiro jardim zoológico do país construído na segunda metade do século XIX pelo abolicionista
Barão de Drummond (1825-1897) quando criou o bairro de Vila Isabel em homenagem à filha do imperador D. Pedro II. Porém, como ele começou a amargar prejuízos financeiros com o sustento dos animais, após perder a ajuda do governo com a proclamação da República, Drummond teve a genial ideia de inventar uma loteria para arrecadar recursos financeiros. Nascia a poucos metros de minha casa o popular jogo do bicho...
Desejoso por conhecer melhor Vila Isabel, resolvi outro dia subir até o alto da Igreja de Santo Antônio de Lisboa, construída no comecinho do século XX no topo de um morro. Encontrei-a em obras de restauração e, com o consentimento dos pedreiros, fui até o alto da torre onde fica o sino da qual pude contemplar uma incrível vista da área. Pude ver tanto o Grajaú quanto a Tijuca, Vila Isabel e o Centro com a Ponte Rio-Niterói cruzando a Guanabara. E quanto à Vila Isabel, era possível reconhecer dali de cima a Praça Drummond, o Boulevard 28 de Setembro com suas calçadas musicais, o convento Nossa Senhora da Conceição da Ajuda onde ainda viviam as freiras enclausuradas, o prédio da Igreja Metodista (1920), a quadra da escola de samba que leva o nome do bairro e o shopping Iguatemi.

Mesmo após subir as escadas da Igreja de Santo Antônio, eu ainda encontrei fôlego para ir mais alto. Desejei conhecer o Morro dos Macacos que, assim como a Divineia e o Andaraí, está também pacificado. Então segui até uma unidade dos bombeiros, na Rua Oito de Dezembro, e iniciei a dura caminhada até o cruzeiro onde o BOPE certa vez havia colocado uma bandeira do Brasil.
Sinceramente, a vista do Morro dos Macacos é show de bola! Perto desse cruzeiro há um campo de futebol que fica iluminado à noite dando para avistá-lo da janela de um dos quartos do meu apartamento. Lá de cima, dá para ver não só a região da Grande Tijuca como pude reconhecer a outra parte da Zona Norte no outro lado, identificando a Igreja da Penha e o Morro do Alemão, lugares onde estive com Núbia no finalzinho de março.
http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2012/03/um-tur-pelos-bairros-da-zona-norte-do.html
Fiquei um pouco de tempo lá em cima olhando minha cidade de um ponto de vista que até tempos atrás não era possível olhar. Uma visão que, num duplo sentido, as pessoas eram incapazes de vislumbrar nas décadas anteriores a ponto do termo “morro” tornar-se sinônimo de favela no vocabulário usado pelo carioca ao invés de significar somente um relevo da geografia despido de qualquer preconceito. E, se os políticos que nos governaram tivessem tido um pouquinho mais de visão, lugares como o Morro dos Macacos já fariam parte dos roteiros turísticos do Rio de Janeiro há bastante tempo com uma estrutura básica para receber visitantes.
Meu último passeio foi neste sábado (14/04) pelas matas do Sumaré. Sai do Grajaú a pé e cheguei até à deliciosa rua Saboia Lima, tida como um símbolo dos anos dourados da Tijuca. Sem saída para carros, este logradouro é também o acesso para a represa do rio dos Trapicheiros, hoje de propriedade da CEDAE. Bem à direita do portão de entrada da represa fica a Praça Hans Klussmann com sua exótica floresta embelezada por esculturas de bichinhos de cerâmica feitos pela iniciativa de um morador local.
Sem estar consciente de que o acesso à represa estivesse proibido, passei pelo portão, peguei informações com um morador e fui andando pela trilha que segue pelo rio dos Trapicheiros. Depois segui por um caminho bem íngreme pelo lado direito até chegar a uma bifurcação onde novamente escolhi entrar à direita chegando à comunidade do Morro da Formiga.
Lá de cima pude desfrutar de mais um ângulo da vista do Rio voltado também para a região da Grande Tijuca. Foi possível contemplar o outro lado do Morro do Andaraí onde fica a comunidade do Borel e aproveitei a oportunidade para conversar com moradores do local sobre como de prosseguir por meio de trilhas até o Alto da Boavista. Entretanto, algumas pessoas dali desaconselharam-me a continuar o passeio, contando-me que o comando da UPP teria fechando o acesso para o Alto da Boavista por dentro da mata e que também já não era mais possível chegar às cachoeiras que existem neste sentido.
Passando do meio dia e com o sol forte, desci o Morro da Formiga através das escadarias que dão na rua da Cascata onde, coincidentemente, mora o namorado de minha irmã Marina. E, retornando a pé para o Grajaú, concluí este meu último passeio exausto deixando para conhecer a cachoeira no rio dos Trapicheiros, entre a Formiga e o Salgueiro, numa próxima ocasião Assim, passei o domingo descansando, saindo de casa só para assistir o culto numa igreja evangélica do bairro, pegar o finalzinho da feira orgânica que teve na pracinha daqui e fazer compras no mercado.
OBS: A primeira ilustração, a representação cartográfica da
Grande Tijuca, tem sua autoria atribuída a
Paulo Dornelles e foi extraída da Wikipédia em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:GRANDETIJUCA.jpg.
A autoria da segunda, extraída também da
Wiki, é atribuída ao usuário
Abrivio e se encontra em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Grajau4.jpg
Já as outras três imagens foram extraídas do
site UPP Repórter em
http://upprj.com/wp/, sendo que a autoria das ilustrações são atribuídas, respectivamente, a
Moskow (
Blog da Pacificação),
Priscila Marotti e
Analder Lopes. A policial militar desta última foto trata-se da capitã
Alessandra Carvalhaes.