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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

A maior tragédia que já vi



Assim se passaram dez anos depois que tivemos a maior tragédia climática da nossa história. 


Estava lá no dia! Aliás, na madrugada de 11 para 12 de janeiro de 2011, eu ainda era um morador da cidade serrana de Nova Friburgo, município onde me formei em Direito, casei com Núbia e trabalhava. 


Recordo que, durante a longa tempestade, por várias vezes ouvia os estrondos imaginando que fossem apenas trovões... 


Num determinado momento, levantei da cama para ir ao banheiro e percebi que a luz acabou. Tentei novamente dormir, mas apenas a coberta de lençol não esquentava o corpo. E, estando ainda acordado , lembrei de comer o resto da gelatina que havia feito antes que o doce derretesse. Peguei uma manta e outra vez retornei para a cama tentando pegar no sono com os pés gelados. 


Pela manhã, escutei o barulho de um helicóptero sobrevoando a cidade e imaginei que algo de ruim pudesse ter acontecido. Afinal, a região costuma passar por enchentes e deslizamentos de terra devido à ocupação irregular das áreas de risco. Porém, ao abrir o basculante do corredor, fiquei perplexo diante da paisagem que havia se modificado em minha volta com inúmeros desabamentos dos morros que circundam o Centro. 


Naquela quarta-feira, eu iria acompanhar a perícia judicial do local onde ficava a casa de um cliente que havia sido destruída nas chuvas de 2007, no bairro Vale dos Pinheiros. Porém, quando me arrumei e fui pra rua, vi que seria impossível desenvolver qualquer trabalho habitual naquele dia. Encontrei pessoas chorando, muita lama (até na saída do meu edifício) e várias equipes de salvamento fazendo buscas nos escombros das residências atingidas ali mesmo pelo Centro. 


Ainda tentei ligar para o cliente e para o perito, tendo em vista o senso do dever que tanto me massacra, mas os telefones não funcionavam. Então, sem nada poder fazer, retornei para casa e, aos poucos, tomei conhecimento da dimensão da coisa. 


Bairros inteiros tinham deixado de existir num verdadeiro "apocalipse" que nos chegou como o ladrão sem avisar. Pessoas que eu conhecia, fui saber dias após que tinham sido mortas. Afinal, foram centenas de vidas que se perderam numa só noite, alem de milhares de famílias que ficaram desalojadas/desabrigadas precisando agora viver em escolas. 


Por umas poucas semanas, Nova Friburgo viveu momentos de solidariedade com doações chegando do país inteiro e voluntários se apresentando para distribuir o alimento. Por outro lado, outros tentaram lucrar com a tragédia vendendo um galão de água mineral a 40 reais. Mas pior de tudo fizeram os políticos sendo que, meses depois, o então prefeito em exercício foi afastado do seu cargo por una decisão do Tribunal de Justiça e quem assumiu foi o vereador que presidia a Câmara Municipal. 


Nossa luz somente foi restabelecida dias depois da tragédia e o abastecimento de água pouco mais de uma semana. Por sua vez, toda aquela lama insalubre também demorou a ser removida das vias públicas e foram feitos muitos contratos sem licitação de valores elevados. 


Até mesmo as doações não estavam chegando às famílias que precisavam e recordo quando os irmãos da igreja trouxeram uma caminhonete cheia de donativos de Bento Ribeiro e foram praticamente obrigados a descarregar no prédio da antiga fábrica de Ypu. Ou seja, os políticos chegaram a tentar monopolizar o assistencialismo das doações e já tinha até comerciante reclamando que consumidores não estariam comprando nos seus estabelecimento. 


Enfim, pode-se dizer que aquilo não foi só uma tragédia climática e sim humana, social e política. Aliás, as três maiores cidades da região serrana fluminense jamais deveriam abrigar uma população tão grande assim e as autoridades menos ainda permitir loteamentos e construções nos ambientes perigosos. 


Pouco mais de onze meses, acabei me mudando e vim para o Rio de Janeiro tendo depois prosseguido a depois para Mangaratiba, onde ocupei a casa de veraneio que fora construída por meus familiares do lado paterno nos anos 60 em Muriqui. Sem nada a ver com a enchente, vim a perder minha avó paterna em setembro de 2011 e a materna no mês de março de 2012. 


Mantive uns poucos processos no Fórum da Comarca de lá sendo que três ações estão até hoje tramitando graças à rapidez de jabuti da Justiça brasileira. E a última vez que retornei a Friburgo foi em 2015 para cumprir uma exigência do INSS quanto ao benefício da esposa já que ainda não tínhamos transferido a agência dela para Itaguaí. 


Todavia, as lições das chuvas me mostraram o quanto nós brasileiros brincamos com a vida (com a nossa própria vida), por agirmos sem consciência diante de problemas que são previsíveis. E, antes que houvesse a pandemia da COVID, eu já tinha experimentado as limitações da nossa relativa solidariedade que, apesar do descontrole emocional manifesto diante das situações de dor, não chegamos nem à metade da medida de amor dos povos mais conscientes dos perigos, os quais reputamos erroneamente por sociedades de temperamento "frio". 


Em todo caso, posso dizer que sempre colhemos bons exemplos de atitudes nobres em qualquer canto do mundo e até hoje me recordo das pessoas de alma elevada que, naqueles dias tenebrosos, deixaram a luz do interior brilhar.


OBS: Créditos autorais da imagem atribuídos a Marino Azevedo/ Governo do estado RJ

4 comentários:

  1. Muito triste... tbm me recordo desses dias muito embora não morasse em Friburgo, mas morei em Petrópolis que tbm sofreu e sofre até hoje quando a natureza exagera um pouco mais...

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    1. Petrópolis foi mais na região de Itaipava pois o Centro não chegou a ser castigado daquela vez. Mas, no final dos anos 80. houve uma enchente braba por lá.

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  2. Lamentável essa tragédia. A outra tragédia é moral, com a ação inescrupulosa dos que tiram proveito, em benefício próprio, em situações dramáticas como essa.

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