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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Como cobrar corretamente uma dívida?



"Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes." (Código Civil, artigo 187)

Quando fui às compras na manhã de hoje, ouvi uma conversa em que duas pessoas se queixavam entre si das cobranças abusivas feitas por um credor a um conhecido delas, referente ao pagamento de dívidas. Preferi não me meter no papo, porém acabei escutando as reclamações acerca do problema, o qual nada mais é do que mais uma situação comum do nosso cotidiano.

Pelo que posso observar, os questionamentos sobre a cobrança de dívidas é algo que afeta a muitos dentro da sociedade brasileira e as pessoas físicas titulares de um crédito muitas vezes não sabem como exercer o direito que têm. Não raramente, vejo locadores, pequenos comerciantes, prestadores de serviços e até profissionais liberais perdendo a linha por causa de um não pagamento e o caso acaba parando numa Delegacia de Polícia. Há situações ainda em que o devedor consegue virar o jogo para cima do credor e entra depois com um processo por danos morais no Juizado Especial Cível obtendo uma sentença de procedência a seu favor capaz de superar até o valor cobrado.

Para evitar resultados assim,  o melhor é buscar orientações jurídicas sendo o advogado o profissional mais adequado para ensinar o exercício correto do direito de cobrança numa situação específica e até mesmo realizá-lo na qualidade de procurador extrajudicial do titular do crédito. Pois nunca podemos esquecer de que as dores de cabeça por causa de um conflito na esfera jurídica podem sair bem mais caras do que uma consulta num escritório de advocacia.

Como se sabe, não há mal algum em você cobrar uma dívida. O Código Civil de 2002, em seu artigo 153, assim diz sobre esta e outras questões: "Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial". E, por sua vez, o mesmo diploma legal declara: 

"Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;"

Como é de conhecimento geral, segundo manda a Lei, se uma obrigação não for cumprida, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, de acordo com os índices oficiais regularmente estabelecidos. Está lá expresso no artigo 389 do nosso Código, muito embora, na prática, o credor nem sempre recebe tudo aquilo que tem direito. E, quando precisa entrar na Justiça, necessita gastar com o adiantamento das custas processuais e ainda pagar o trabalho do seu advogado. Aí, se o réu/executado não tiver nenhum patrimônio disponível e se recusar a pagar, o autor/exequente pode ficar a ver navios...

Por outro lado, há quem não consiga receber o seu crédito por motivo de intransigência e falta de trato para lidar adequadamente com esses problemas. Tem credores que, simplesmente, dificultam o pagamento e outros que se aborrecem de uma tal maneira com o devedor a ponto de dramatizarem um pequeno conflito que pode muito bem ser resolvido dentro de seus limites sem alcançar uma dimensão maior.

Quando aconselho alguém a lidar com a cobrança de dívidas, em via de regra sugiro primeiro um contato amigável. Nós nunca sabemos o motivo que levou o devedor a atrasar, tipo se ele sofreu algum acidente, teve uma enfermidade na família ou perdeu o emprego. Claro que, de acordo com a lei, os problemas pessoais dos outros não têm que interferir no nosso direito de receber o crédito devido, porém o bom senso ensina que, na vida, precisamos ser tolerantes e ceder um pouquinho daqui ou dali.

Uma vez conversando cordialmente com a pessoa, acho recomendável conceder um novo prazo para o adimplemento da obrigação. E aí, se estou na condição de credor, prefiro avaliar todo o histórico de relacionamento com o devedor, levando em conta a boa-fé e os pagamentos feitos anteriormente. Sei que alguns malandros poderão abusar da paciência alheia, mas há quem será eternamente grato pelo tratamento tolerante no sentido de estender o prazo e suspender a cobrança da multa. Até mesmo porque perder um bom cliente nos dias atuais é burrice.

Mas o que fazer se o devedor não atende aos contatos e simplesmente fica enrolando o credor?

Bem, neste caso, continuo aconselhando a manter a calma diante do problema. O credor não pode violar a dignidade do devedor atentando contra a sua intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem que são bens jurídicos imateriais protegidos constitucionalmente. Por isso, nada de ficar expondo no balcão da loja o cheque devolvido da pessoa, aquela promissória não paga ou fazer um escândalo em frente à casa do sujeito inadimplente! A melhor medida nessas horas é notificá-lo dentro da formalidade por meio de uma carta registrada com aviso de recebimento ou telegrama com cópia e confirmação, desde que sejam de mão própria (entregues pelos Correios ao próprio destinatário). Caso envie um e-mail, mantenha armazenado o inteiro teor do texto na pasta de mensagens enviadas até solucionar definitivamente o problema, mesmo que venha a confeccionar uma impressão. E também não apague as respostas recebidas porque elas poderão servir de prova num eventual processo.

Sobre a redação da correspondência, deve o credor ser curto e objetivo ao exigir que seja adimplida a obrigação, conforme os prazos, as importâncias corretamente calculadas e as demais condições contratuais aplicáveis. De modo algum você deve ameaçar a pessoa ou se estender muito no assunto referindo-se a coisas que não têm muito a ver com o problema do não pagamento. Se precisar de ajuda, não hesite em procurar um advogado ou um escritório especializado em cobranças, bem como os serviços de um contador para ajudar na atualização dos valores. Até mesmo porque, na hipótese de relação de consumo, se o devedor receber um boleto cobrando quantias em excesso, poderá exigir a sua devolução em dobro conforme prevê o artigo 42, parágrafo único da Lei Federal n.º 8.078/90. E, neste sentido, há que se observar uma disposição legal específica para que os efeitos jurídicos da comunicação não sejam questionados:

Art. 42-A.  Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente. (Incluído pela Lei nº 12.039, de 2009)

Conclui-se que cobrar uma dívida constitui um direito legítimo assegurado por lei. Porém, não pode o credor agir abusivamente e aí entendo que o artigo 42 caput do Código de Defesa do Consumidor aplica-se a todas as situações, mesmo que por analogia, em que a pessoa inadimplente não seja exposta a ridículo, nem submetida a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Por isso, mais do que nunca é importante buscar orientação jurídica a fim de que tudo seja feito com o respaldo da legislação vigente.

Tenham todos um ótima semana!


OBS: Ilustração acima extraída de http://www.varzeagrande.mt.gov.br/storage/imagem/7d67619aa3ed28ea2c01ac3c39b91daf.jpg

4 comentários:

  1. sabe o que eu acho uma sacanagem Rodrigo?
    Você deve um valor de 1000 reais no cartão de crédito. não consegue pagar tudo, então paga 500 reais. no mês seguinte, mesmo que não compre mais nada, terá uma dívida de uns 570,00. então você paga 300 e terá no mês seguinte uns 300 reais de divida. então você paga 200 e ainda terá no mês seguinte uns 115 de débito, mesmo já tenho pago o valor principal e uns 60% de juros. então você deixa de pagar. O cartão de cobra uma, duas vezes, e se não houver acordo ele não vai perder tempo com aquela dívida que para ele na verdade já foi paga. Ela vende sua dívida para um escritório de cobrança, e aí, esse escritório quer que você pague um valor bem maior do que você ficou devendo "em nome do cartão de crédito".
    Não pago....rss

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    1. Esses juros que, na verdade, são chamados de "encargos contratuais" são inegavelmente abusivos, Eduardo. O ideal é que o consumidor pague à vista o valor total da fatura pois só assim manterá em equilíbrio as suas contas. Eu, quando tinha cartão e ficava em dificuldades para pagar o total, acabava pagando a fatura com o cartão de outra administradora, a qual me cobrava uma taxa bem menor do que se eu fizesse pagamento parcial ou parcelasse o saldo devedor.

      Algumas vezes orientei pessoas que estavam bem enroladas com seus cartões e não tinham mais como pagar pois a dívida era bem superior ao que elas ganhavam. Aí sugeri a elas que encarassem de frente a situação. Muitas tiveram seus cartões bloqueados, a dívida vendida a um escritório de cobrança e o nome inscrito no SERASA por um tempo até que foram surpreendida por uma proposta de terem os juros, multas, encargos contratuais anistiados e ainda pagaram menos do total que deviam pelas compras.

      Obviamente que os bancos nunca perdem por causa da inadimplência do consumidor e, dependendo do valor, nem se incomodam de entrar na Justiça. As instituições financeiras conseguem abatimentos no imposto de renda delas como pessoa jurídica e, por causa dos elevadíssimos encargos contratuais, uns acabam pagando pelos outros.

      Sinceramente, se este fosse um país sério, o governo usaria os bancos oficiais para baixar todos os juros, quer seja nos cartões de crédito, nos empréstimos, nas compras financiadas de veículos, no sistema da habitação, etc.

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  2. A Caixa e o BB abaixaram seus juros ano passado não foi? a ideia era exatamente tentar puxar os juros dos bancos privados para baixo, mas pelo visto não deu resultado algum, já que os juros de cartão e cheque especial nunca estiveram tão altos. o que me irrita nesses casos de dívidas de cartão é exatamente eles venderem suas dívidas para escritórios, já que sua dívida era com o cartão e não com um escritório.

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    1. Há quem entenda até como sendo uma violação de privacidade o banco ou a administradora do cartão venderem a dívida para um escritório de cobranças. E olha que fazem coisas do arco da velha! Acompanhei um caso em que a pessoa teve a sua dívida repassada a terceiros pela Credicard mesmo após ter pago um acordo feito com outro escritório uns anos antes.

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