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quinta-feira, 7 de junho de 2012

O que esperar da Rio+20?

Em seu brilhante artigo A ausência de uma nova narrativa na Rio+20, publicado em alguns jornais, o pensador Leonardo Boff expôs a sua falta de expectativas quanto à cimeira que ocorre em junho deste ano na cidade do Rio de Janeiro. Para ele, haveria um "vazio", pois faltaria uma "nova narrativa" ou "nova cosmologia" para que possamos alcançar aquilo que propõe o lema do evento - o "futuro que queremos":

"(...) Tal vazio se deriva da velha narrativa ou cosmologia. Por narrativa ou cosmologia entendemos a visão do mundo que subjaz às idéias, às práticas, aos hábitos e aos sonhos de uma sociedade. Por ela se procura explicar a origem, a evolução e o propósito do universo, da história e o lugar do ser humano. A nossa atual é a narrativa ou a cosmologia da conquista do mundo em vista do progresso e do crescimento ilimitado. Caracteriza-se por ser mecanicista, determinística, atomística e reducionista (...) Em contraposição, surge a narrativa ou a cosmologia do cuidado e da responsabilidade universal, potencialmente salvadora. Ela ganhou sua melhor expressão na Carta da Terra. Situa nossa realidade dentro da cosmogênese, aquele imenso processo de evolução que se iniciou há 13,7 bilhões de anos. O universo está continuamente se expandindo, se auto-organizando e se autocriando. Nele tudo é relação em redes e nada existe fora desta relação. Por isso todos os seres são interdependentes e colaboram entre si para garantirem o equilíbrio de todos os fatores. Missão humana reside em cuidar e manter essa harmonia sinfônica. Precisamos produzir, não para a acumulação e enriquecimento privado mas para o suficiente e decente para todos, respeitando os limites e ciclos da natureza (...)"

Não tenho como discordar do Boff pois o nosso conflito ambiental é antes de mais nada um problema de origem ética. Os governantes dos países, banqueiros e grandes investidores encontram-se insensíveis quanto à realidade planetária pensando primeiramente em solucionar o atual momento de crise econômica como se a vida se resolvesse em etapas. Lamentavelmente não estão dispostos a mudar e ainda há quem diga que os impactos decorrentes de uma redução na produção industrial seriam maiores do que os cataclismos relacionados ao aquecimento global.

Confesso que vejo a natureza cada vez mais enfurecida. Com maior frequência e consequências muito mais danosas, o Brasil tem sofrido enchentes, secas e terríveis tragédias que já matam centenas de pessoas. Ano passado, eu mesmo fui testemunha de uma catástrofe na Região Serrana fluminense, quando então residia na cidade de Nova Friburgo e vi muitos daqueles morros desabarem numa só madrugada. Foi caótico! Num abrir e piscar de olhos, bairros acabaram-se e a paisagem em volta de minha casa se modificou.

Mas será que os governantes estão mesmo preocupados em resolver a situação do planeta?

Estados Unidos, China, Europa, Índia e o nosso Brasil estão dispostos a reduzir as suas emissões de CO² e usarem menos combustíveis fósseis?

Lembro que, logo após as fortes chuvas que ocorreram em janeiro do ano passado na Região Serrana, Dilma veio até Nova Friburgo e prometeu ajudar as vítimas. Nossa presidenta em momento algum resolveu combater as causas do problema e demagogicamente ofereceu os recursos do programa Minha casa, minha vida que pouco depois foram reduzidos à metade em todo o país, fato que apenas contribui para as pessoas pobres continuar vivendo nas áreas de risco.

E o que será considerado área de risco daqui por diante?!

Ao que parece, os governos preferem investir mais na prevenção e no monitoramento do que focarem na causa do conflito. Querem que nos adaptemos às novas condições de vida e ainda transformam a tragédia numa nova indústria. Tanto pra votos quanto para licitações. Cegos pela compulsão de desviar dinheiro público, talvez muitos políticos corruptos até sonhem em lucrar com o caos preferindo que passem a existir novas necessidades para eles gastarem com obras de contenção de encostas, represamento de águas, abrigos contra furacões, etc.

Do jeito que as coisas estão, acho que existe mais clima para protestos do que para fazer qualquer outra coisa. Mesmo assim, como também não deixo de atuar propositivamente, inscrevi-me para participar do debate sobre Sustentabilidade e as Comunidades Pacificadas do Rio de Janeiro, a qual acontecerá na abertura da Rio+20, dia 13/06/2012, às 17 horas, no Parque dos Atletas, em Jacarepaguá. Os integrantes dessa mesa serão o secretário estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc, o secretário estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, o especialista em Desenvolvimento Urbano Sustentável (Banco Mundial), Sameh Wahba, o presidente do Instituto Pereira Passos e coordenador do Programa UPP Social, Ricardo Henriques e a presidente do CEBDS – Comitê Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, Marina Grossi. O objetivo da reunião será dar foco ao processo de pacificação das diversas comunidades do Estado do Rio com a implantação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e dialogar sobre novas perspectivas de aplicação de políticas públicas que promovam o desenvolvimento sustentável nestes locais.

Aceitei participar da Rio+20, mesmo criticando-a, porque considero importante estar presente em todas as frentes. Tão logo voltei a morar na cidade, comecei a me envolver com trabalhos eco-sociais, com ênfase nas comunidades carentes mais próximas. Junto com alguns moradores do Complexo do Andaraí, passei a compor o movimento Amigos do Rio Joana, o que tem se tornado um grande desafio já que uma parte do problema não é causada apenas pelos políticos ou pelos grandes poluidores do planeta, mas sim pelas próprias pessoas que vivem na localidade sendo que muitas delas ainda jogam lixo no rio.

Ora, será que as tão esperadas mudanças não podem começar também pela sociedade civil?!

Enfim, percebo que há muitas oportunidades de avanço nesta conferência e acho que devemos deixar os momentos de protesto quanto à "cosmologia" da humanidade para quando os chefes de Estado chegarem e estiverem reunidos entre si tratando dos destinos do planeta como se fossem deuses. Aí sinto que também precisaremos colocar nossos joelhos no chão e orarmos fervorosamente pelo destino do planeta para não enfrentarmos este problema apenas como ingênuos manifestantes de rua que somente sabem malhar os seus governantes. E aproveitando as palavras de Leonardo Boff em seu artigo, eu diria que o papel das pessoas espiritualmente conscientes inclui também buscar aquela "Energia de fundo que deu origem e sustenta o universo permitindo emergências novas". Ou seja, devemos exercer a cidadania com espiritualidade.

Que Deus tenha misericórdia de nós e ajude a humanidade a superar este momento global tão difícil!


OBS: A primeira imagem acima trata-se do logotipo da conferência Rio+20 e se encotnra num site do governo federal em http://www.rio20.gov.br/ enquanto que a segunda ilustração do texto refere-se à foto de um mutirão de limpeza ocorrido numa das comunidades do Complexo do Andaraí, Zona Norte do Rio de Janeiro. A imagem foi feita pela integrante do movimento Amigos do Rio Joana, Rosangela Tertuliano.

7 comentários:

  1. VERDADE RODRIGO EU COMO MORO EM COMUNIDADE SINTO O MEDO DAS PESSOAS EM ACREDITAR QUE A POLÍCIA SERÁ A SOLUÇÃO DE ANOS SENDO SUFOCADO PELO PODER PARALELO E Ñ SERÁ DE UMA HORA PARA OUTRA QUE O MORRO SENTIRA SEGURANÇA NESSE SISTEMA, PORQUE SE UM DIA A POLÍCIA SAIR E O PODER PARALELO VOLTAR Ñ SABEMOS O QUE SERÁ DOS MORADORES QUE APOIOU A POLÍCIA PACIFICADORA ESSE É UM PROBLEMA QUE PARA O GOVERNO Ñ É NADA MAS PARA A COMUNIDADE É VIVER NA DUVIDA ATE QUANDO ESSA PAZ.

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    1. Olá, amiga.

      O que você expôs daria para eu escrever um novo e instigante artigo a respeito em cima deste pertinente questionamento.

      Como se sabe, todo esse movimento de "pacificação" e ocupação dos morros do Rio de Janeiro pelas UPPs deve-se ao fato de que teremos no Brasil dois grandes eventos esportivos: a Copa de 2014 e principalmente as Olimpíadas de 2016. E não só por isso, mas também porque o Rio virou uma vitrine mundial do governo petista de Lula e Dilma.

      Mas o que poderá acontecer se futuramente o tráfico voltar a ocupar as antigas áreas que antes lhe pertenciam?

      Será que muitos moradores que ficaram do lado da pacificação serão obrigados a se mudar? Pessoas que delataram os criminosos serão vingadas anos depois? Ou o tráfico esquecerá o que se passou e mostrará uma face mais simpática, como no começo dos anos 80, quando o chefe da boca de fumo era considerado o maior padrinho da comunidade afim de reconquistar as pessoas?

      E, dentro do que colocou, fico também pensando. Como seria o nosso trabalho ecológico em tais condições? Será que os moradores perderiam o interesse de cuidar do local e tornariam a jogar lixo no rio?

      Bem, a história tem nos mostrado que ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio. Primeiro porque, no segundo banho, a pessoa já não é mais a mesma e nem o rio cujas águas já seriam outras. Aí fico a pensar se o tráfico tornará a atuar da mesma maneira como foi na época em que surgiu o Comando Vermelho lá no presídio da Ilha Grande, ainda nos anos 70, conforme lembra aquele filme 400 contra 1 - Uma História do Crime Organizado.

      Todavia, agora questiono esta preocupação que você expôs. (rsrsrs)

      Será que nós, discípulos de Jesus, devemos viver debaixo do medo ou da dúvida? Senão vejamos o que nos ensina a Bíblia, sendo todas as passagens da mesma tradução:


      "O SENHOR é o meu pastor; nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma. Guia-me pela vereda da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam." (Salmo 23.1-4; ARA)

      "O SENHOR está comigo; não temerei. Que me poderá fazer o homem?" (Sl 118.6)

      "Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma" (Mt 10.28a)

      "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (Jo 14.28)

      "Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará." (Sl 37.5)

      "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai." (Rm 8.15)


      Observe, amiga, que, quando Jesus diz no Evangelho de João que a sua paz não é como a do mundo, tais palavras nos mostram que a paz de Deus que o Messias trás não é algo que depende de forças militares ou policiais. Não depende de um tratado de guerra ou de um acordo entre autoridades e bandidos. A paz do nosso Senhor é antes de mais nada um estado interior que alcançamos pelo relacionamento íntimo com o Pai, de buscarmos a sua vontade em primeiro lugar e descansarmos em sua graça.

      Sem dúvida que, da mesma maneira como devemos orar pelo nosso planeta quanto aos problemas ecológicos, a pacificação do Rio também não pode deixar de entrar na nossa listinha de conversas com Deus. E aí precisamos buscar a verdadeira pacificação do interior das pessoas, falarmos do amor de Deus para ela, que existe uma nova vida que Cristo veio dar para todos e que podemos construir um futuro melhor. Mais do que nunca o Evangelho precisa ser conhecido pelas pessoas dentro das comunidades para que elas venham a transbordar de amor e se despertem para o cuidado de uns pelos outros e também com a natureza.

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  2. Rodrigão você vai participar? Que Deus te encha de sabedoria e que tenhas muitas oportunidades para falar. Vou aguardar com muito interesse. Beijão.

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    1. Oi, Gui. Vou participar, a princípio, como mais um ouvinte no meio de sei lá quantos. Não farei parte da mesa! Mas espero que eles abram epois o debate para perguntas e, se eu tiver oportunidade e me sentir inspirado, certamente que não tenho inibições para falar em público. Entretanto, quero ir nesta palestra afim de aprender também. Abraços e boa semana pra você.

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  3. Excelente artigo, Rodrigo. É uma pena que a cada vez que os países se reúnem para discutir o futuro do planeta, ninguém propõe de fato uma mudança radical no modo de produzir e de fazer a economia crescer sustentavelmente e sem o consumismo desregrado. Não estou muito otimista quanto aos rumos da Rio+20.

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    1. Caro Edu,

      Confesso que estes últimos encontros internacionais estão sendo eventos bem vazios. Todos os anos o chefes de governo e de Estado se reúnem, mas o blá-blá-blá demagógico continua sendo o mesmo...

      Olhando para as circunstâncias fáticas, eu também não me sinto otimista. Mas olhando pelo prisma da fé e crendo que Deus participa da nossa história (não estamos sós), creio num amanhã melhor. Mas é claro que nada disso exclui a nossa responsabilidade.

      Penso que a mudança precisa ser na medida certa, priorizando a restauração do equilíbrio climático que diz respeito à nossa sobrevivência futura. A resistência dos líderes mundiais apenas sinaliza pra mim que as mudanças precisam considerar como se encontram organizadas a economia para que os impactos sociais e políticos sejam também minimizados para se evitar certas rupturas com consequências desagradáveis.

      Enfim, até a mudança precisa ser feita com equilíbrio, mas ela não pode continuar sendo eternamente adiada. Pra natureza pouco importa se somos capitalistas, socialistas, ricos, pobres, cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, hindus, ateus, etc. Ela simplesmente reage e pega muita gente de surpresa. E verdade é que o aquecimento global já está dando os seus sinais para que não deixemos tudo pra ser resolvido na última hora.

      Abração.

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  4. Há um novo texto do Leonardo Boff sobre a conf erência Rio+20:

    Atitudes críticas e proativas face à Rio+20

    http://leonardoboff.wordpress.com/2012/06/08/atitudes-criticas-e-proativas-face-a-rio20/

    O Boff é um autor que vale a pena ser lido não só por quem se interessa por ecologia e questões éticas, mas por todos. Eu diria que ele tem sido um tremendo profeta que Deus levantou para o Brasil dessas últiams décadas.

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