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domingo, 18 de setembro de 2011

Resistindo à nova escravidão do trabalhador neste admirável mundo novo

O sociólogo italiano Domenico de Masi, autor da conhecida obra “O ócio criativo” (2000), defendeu em sua monografia que, com o avanço da tecnologia, o homem poderia dispor de mais tempo para atividades como o lazer, a convivência familiar, os cuidados com a saúde e investir na própria formação profissional. Ao invés de laborar as oito horas diárias, o trabalhador futuro realizaria a mesma produção em três ou quatro horas.

O futuro chegou e, de fato, a tecnologia gerou o esperado aumento de produtividade. Porém, as pessoas não têm trabalhado menos. Elas estão é se ocupando por mais horas em suas tarefas profissionais, sentindo-se mais estressadas do que no final do século XX.

Segundo o interessante artigo “A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO”, escrito pela desembargadora do TRT de Campinas Tereza Aparecida Asta Gemignani e o bacharelando em Direito Daniel Gemignani, a situação atual do trabalhador neste “admirável mundo novo” pode ser explicada pelo fim da “distinção entre os tempos de trabalho e os tempos da vida privada, os tempos de atividade e os tempos de descanso”:


“O empregado passou a ser parte do sistema, passível de ser 'acessado' a qualquer hora, independentemente do período estipulado no contrato de trabalho. Além disso, diferentemente do apregoado por Domenico de Masi, volta a ser considerado apenas peça de uma engrenagem, e de maneira muito mais perversa e abrangente. Com efeito, enquanto nos primórdios do século passado essa engrenagem estava fixada num determinado espaço físico, e o trabalhador dela se libertava quando encerrava o expediente e as portas se fechavam, hoje ela tem existência virtual e, como tal, não para nunca, não fecha as portas, embora mantenha o velho esquema de limitar sua atuação a espaços compartimentalizados, sem ter a noção do conjunto, para que não haja a menor possibilidade de ocorrer perda de controle. Charlie Chaplin certamente ficaria surpreso ao descobrir que, apesar dos grandes avanços tecnológicos, os apertadores de parafuso e a velha bancada estão de volta, com a agravante de que agora não são os movimentos, mas a própria linha de produção que passa a acompanhá-lo para todo lugar, virtualmente, ampliando os espaços de sujeição” (extraído de http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_80/tereza_aparecida_gemignani_e_daniel_gemignani.pdf)


Tal crítica é considerável e pode ser dirigida ao nosso modelo de economia desigual e que tem como seu princípio maior a busca da rentabilidade das empresas mesmo que em detrimento dos anseios básicos dos trabalhadores. Só que o capitalismo em si não pode ser considerado como a única causa do problema dessa fata de tempo visto que nós, como seres conscientes, permitimos a realização das nossas frequentes tarefas de forma automática sem prestarmos a atenção nos atos praticados. Nem mesmo às coisas que mais desejamos.

Em seu livro “Faster: the acceleration of just about everything” (Rapidez: a aceleração de quase tudo), o jornalista norte-americano James Gleick diz que os habitantes das cidades estão sofrendo daquilo que chamou de “doença da pressa”. Como resultado da tentativa de fazer uma quantidade maior coisas em menos tempo, nossas vidas estariam se tornando cada vez mais estressantes, o que poderá reduzir a longevidade da geração atual de trabalhadores em relação aos seus pais e avós nascidos entre as décadas de 20 e 40.

Como exemplo dessa vida apressada, podemos mencionar uma menor dedicação do tempo à leitura por parte das pessoas, as quais andam menos dispostas a ouvir seu semelhante durante um diálogo. Até na apreciação das artes, ou de obras num museu, um visitante já não se interessa tanto por contemplar um quadro como antigamente. Gasta-se nos dias de hoje menos segundos diante de uma pintura do que há uma década atrás.

São os novos tempos acelerados e não adianta apenas lamentarmos simplesmente pondo a culpa no sistema capitalista sem assumirmos uma postura pró-ativa diante da vida. Precisamos deixar de ser efeito dos acontecimentos externos para nos tornarmos a causa assumindo a direção das tendências mundiais. Deste modo, uma das ações a ser praticada por cada um é tomar a consciência daquilo que é feito automaticamente, o que tem a ver com o conhecimento de si próprio.

Pergunte cada um a si mesmo: Qual foi o prato que almocei hoje? Consigo recordar sobre como era o caminho que fiz indo de cada para o trabalho? O que dizia aquele artigo lido uns dias atrás na revista?

As indagações acima são exemplos de exercícios que nos ajudariam a tomar consciência dos atos realizados no cotidiano, despertando a nossa atenção em relação à vida. E, se pararmos para apreciar um pouquinho mais do dia, olhando para o ambiente natural, observando as pessoas na rua, ou degustando saborosamente os alimentos, certamente acrescentaremos mais qualidade de vida à nossa existência.

De acordo com as tradições hebraicas, os judeus devem reservar o sétimo dia da semana para o descanso absoluto. Trata-se do Shabat e que corresponde ao cumprimento do quarto mandamento do Decálogo. No sábado, devem repousar tanto o corpo quanto a alma, cultivando-se o regozijo e a elevação do espírito humano, devendo os homens imitarem o descanso do Criador do Universo abstendo-se de todo trabalho criativo tão logo o sol se põe na tarde de sexta-feira.

Por outro lado, o descanso semanal do ponto de vista hebraico é entendido como uma oportunidade para que a alma humana possa tomar alento, renovando suas forças, sendo também um instrumento de libertação do jugo imposto por qualquer sistema econômico:


“(...) o Shabat não é um simples dia de descanso, mas sim uma interrupção da banalidade, da futilidade cotidiana; o Shabat libera o judeu da mesquinhez pessoal, elevando-o às alturas sublimes desta vida. Os Mestres ensinam que o dia de descanso sabático foi estabelecido por Moisés ainda durante os anos da escravidão judaica no Egito, argumentando que, quando Moisés notou que os filhos de Israel não quiseram ouvi-lo “por causa da angústia do espírito e pela dura servidão”, compreendeu que essa letargia devia ser atribuída também ao cansaço físico, e introduziu o dia do Shabat. A motivação formal para pedir do rei um dia de descanso foi “para que os escravos judeus possam render mais trabalho”, mas no seu íntimo ele quis proporcionar aos seus infelizes e torturados irmãos um dia por semana de descanso, para poder convocá-los, congregá-los, para lhes expor a ideia da redenção que não tardaria, para despertar neles o ânimo do movimento libertador. Vê-se, pois, que o Shabat foi um dos mais importantes fatores a contribuir para a redenção do povo judeu”. (comentário bíblico a Êxodo 31.15, extraído da Torá – A Lei de Moisés. R. Meir Matzliah Melamed. São Paulo, Sêfer, 2001)


Que nós, brasileiros, também possamos fazer do nosso duplo descanso semanal um poderoso instrumento de liberdade. Tanto no aspecto individual como no coletivo. Crendo que, quando, aparentemente, “tá tudo dominado”, a vida proporciona uma formidável reviravolta:


"As forças vivas presentes na rede social deixam assim de ser reservas passivas à mercê de um monstro insaciável, para se tornarem positividade imanente e expansiva que os poderes se esforçam em regular, modular ou controlar (...) Nessa perspectiva, a produção do novo já não aparece como exclusivamente subordinada aos ditames do capital, nem como proveniente dele, muito menos dependente de sua valorização – ela está disseminada por toda parte e constitui uma potência psíquica e política." (Peter Pal Pelbart. A colonização do futuro in Filosofia Especial, nº 8, págs. 46-55)


Que possamos romper com as correntes da alienação do sistema econômico e construirmos algo novo!

Uma boa semana para todos!


OBS: A imagem acima refere-se à capa do livro de Domenico de Masi e foi extraída do site do Submarino em http://www.submarino.com.br/produto/1/91581/ocio+criativo,+o

5 comentários:

  1. DESCANSO SEMANAL REMUNERADO - TEM COISA MELHOR?!rsrsrs

    Conversando ontem com um conhecido que mora na Australia, ele me disse que as férias por lá é um período de seis semanas.

    É tudo que eu preciso Rodrigão!!! Tô trabalhando direto nos finais de semana por livre e espontânea pressão rsrsrs.

    Um abraço mano!

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  2. Que legal saber disto! Não sabia que na Austrália era assim.

    Porém, tenho a ideia de que as pessoas precisam também tirar férias diárias e semanais também, o que pode ser mais proveitoso do que 30, 45 ou 60 dias de descanso. Logo, uns 15 dias de férias bem vividos vale até por uma licença prêmio.

    Um dos segredos do descanso é você aproveitar, desligando-se dos afazeres do trabalho e do cotidiano. Nas suas férias você deve fazer coisas bem diferentes. Se pode viajar com a família, ótimo. Mas, se for ficar na sua mesma cidade, uma sugestão é impor novos hábitos, cancelando todos os compromissos agendados, deixando o celular desligado, o telefone fixo na secretária eletrônica e os recados na internet para serem respondidos depois (para nós blogueiros isto implicaria em dar folga ao site também. (rsrsrs)

    Durante uma viagem, não é bom nos envolvermos com coisas estressantes. Vale aí fazer um bom planejamento quanto aos gastos, as condições meteorológicas do local de destino, a situação das estradas, etc. Ficar assistindo TV na pousada ou mesmo preocupado excessivamente com fotografias enquanto se faz aquela linda caminhada são coisas que não ajudam a relaxar.

    Outras sugestões para as férias seriam: rever os velhos amigos, uma leitura que não seja voltada para o habitual, tomar uma relaxante cerveja gelada (se não tiver restrições para o álcool), praticar esportes, refletir sobre a vida. Enfim, penso que férias devem ser um momento de desintoxicação das coisas que fazemos no cotidiano.

    Confesso que, depois de ter começado a advogar, em 2005, nunca mais tirei férias na vida depois do passeio de uma semana que eu e Núbia fizemos a Ilhéus no mês de maio daquele ano. Apenas na época do recesso forense, que vai do dia 20/12 até 06/01 que ocorre aquela parada obrigatória com a suspensão dos prazos processuais e a paralisação dos serviços judiciários. E aí com as festas de fim de ano, Natal e Ano Novo, confesso que fica muito difícil aproveitar porque a agenda passa a ter tais compromissos familiares. Tudo torna-se mais caro. E para piorar tudo, minha esposa ficou doente em 2010 (agora já está melhor, mas ainda sofre de muitas limitações).

    De qualquer modo, tive que aprender a viver melhor dentro da condição em que estou. Sei que ainda não consigo descansar como deveria e nem tão pouco cumprir fielmente o 4º mandamento, mas precisei cultivar o Shabat de alguma maneira, obtendo experiências significativas. Aprendi que iniciar o descanso após o término das atividades laborais da semana indo até a noite de sábado, torna-se mais proveitoso do que sair pra uma noitada na sexta-feira. Isto porque, elevando o meu coração a Deus no por do sol da sexta-feira, consigo lidar melhor com as minhas frustrações e dissabores que foram experimentados durante a semana. Algo que é melhor do que me anestesiar com álcool sentado numa mesa de bar. Aí, se saio para tomar uma tacinha de vinho no sábado à noite, tendo já descansado, a minha comemoração ganha um novo sentido.

    Fazendo assim, sinto-me até mais relaxado quando encontro as pessoas na igreja aos domingos. E, curiosamente, um lojista aqui da minha rua que é espírita ou hindu, chegou a uma conclusão semelhante, de modo que ele passou a encerrar suas atividades no final da sexta-feira e não abre mais aos sábados, retornando só na segunda.

    Mesmo eu considerando que a ritualística do Shabat judaico não deva ser obrigatória a ponto de que haja a fixação específica de um dia determinado da semana, considero estas palavras do reformador Martinho Lutero:

    “A natureza exige que as pessoas e os animais descansem um dia por semana. Porém, aquele que deseja fazer deste dia de repouso uma lei positiva, uma obra de Deus, deve adotar o sábado e não o domingo, pois o sábado é que foi determinado aos israelitas e não o domingo” (Luther, Tomo 3, 643)

    Abração!

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    1. Poderia confirmar a legitimidade dessa citação de Martinho Lutero (sobre o domingo e o sábado)? Apenas estou querendo aprender.

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  3. PERFEITO! DESINTOXICAÇÃO: ESTA É A PALAVRA!

    Valeu mano!

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  4. Desintoxicação do corpo e da mente!

    E, quando nosso corpo não anda bem, é porque ele está nos mandando alguma mensagem que pode ter a ver ou não com o estilo de vida que muitas das vezes levamos.

    Abração!

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