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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A Comunhão com Deus deve ser construída debaixo da Graça


Estes dias tenho meditando sobre a maneira legalista como que muitos crentes ainda lidam com a ideia de comunhão com Deus, sendo este assunto algo que posso compartilhar a partir de minha própria experiência no Evangelho.

Muitos, ao lerem a primeira epístola de João, pensam ser até necessário deixar de pecar para poderem usufruir da comunhão com Deus. Acham que, por terem cometido esta ou aquela falta, ficaram excluídos do relacionamento com o Pai. Principalmente por causa de uma leitura errada do texto dos versos seis e sete do primeiro capítulo da carta:

“Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1Jo 1.6-7; ARA)

Contudo, o certo é que, mesmo dentre aqueles que confessam e acreditam na salvação pela graça, muitos não aplicam este remédio salvífico nas outras áreas de suas vidas e, infelizmente, acabam se auto-excluindo de experimentar um relacionamento espiritual mais profundo com o Criador.

Acontece que o homem nada consegue de Deus através de seus próprios méritos. Aquilo que fazemos (ou deixamos de fazer) não tem nenhum valor para a salvação. Nem mesmo para termos comunhão com Deus e os irmãos, sendo que o “andar na luz”, como diz a epístola, somente pode ocorrer como consequência de uma vida restaurada pela graça.

“Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.” (1Jo 1.8-10; ARA)

Posso dizer que a caminhada na luz inclui justamente o fato de admitirmos os nossos erros, dispondo-nos a tratá-los ao invés de ocultá-los como se fosse possível esconder alguma coisa de Deus. Aceitarmos a existência de uma dificuldade pessoal, sem ficarmos presos aos sentimento de culpa ou de inferioridade, bem como considerarmos as oportunidades proporcionadas pela divina graça de seguir em frente após uma queda, são posturas importantíssimas que precisamos adotar em nossas jornadas espirituais.

Neste sentido, pode-se compreender que o “andar em trevas” seria justamente alguém negar a sua condição de pecador e dispensar o tratamento oferecido pela graça. Pois, enquanto uma pessoa alimenta dentro de si que precisa chegar num determinado nível de “santidade” para ter comunhão com Deus, praticar o auto-sacrifício nesta condição, ou que primeiro deva reparar todos os seus erros do passado (como se tivesse carregando um carma), ela continua vivendo debaixo de uma infernizante meritocracia.

O grande problema da dependência dos méritos é que o homem acaba escondendo-se atrás de um comportamento moral exterior ou então desiste mesmo do seu aperfeiçoamento ético porque se vê a cada dia mais distante de um ideal de comportamento sem o qual ele não se sente aceito. E isto vale para todo e qualquer sistema religioso ou não-religioso. Seja no cristianismo, em outras religiões monoteístas e nos grupos que acreditam em sucessivas encarnações da alma.

“Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro.” (1Jo 2.1-2; ARA)

Lembrando da cruz, em que o Justo morreu no lugar dos pecadores, encontramos nesta incomparável simbologia vivida por Jesus a plena manifestação da graça e que implica na renúncia do falido sistema meritocrático. Cessam quaisquer outros sacrifícios para fins de renovação da comunhão do homem com Deus porque nada poderemos fazer em troca neste sentido. E, mesmo que seja válido alguém abrir mão de si mesmo em favor do outro, tal atitude, ainda que cause impactantes efeitos sobre a sociedade, não gera efeitos para fins de restabelecer a conexão com o Autor da Vida. Pois, geralmente quem faz do auto-sacrifício o alvo maior dentro de sua compulsiva ambição por santidade, ainda não compreendeu que a entrega da própria vida só faria sentido debaixo da graça, havendo necessidade.

“E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.” (1Co 13.3; ARA)

Certamente que o amor do qual Paulo fala no célebre capítulo 13 da sua primeira carta aos coríntios, só pode tornar-se manifesto quando há graça. Pois tanto as obras de caridade quanto o martírio experimentado pelos apóstolos e profetas da Bíblia apenas se tornam atos de amor quando não são mais moedas de troca. E, como fruto de um tratamento no gracioso divã de Deus, o homem que se propõe a seguir o bem. Não mais por coação (tipo medo do inferno ou de ser amaldiçoado) ou pelo constrangimento moral consubstanciado no sentimento de inadequação, mas sim por causa de uma escolha madura, quando se descobre que a observância dos mandamentos de Deus caminhando sempre com Ele é de fato a melhor opção.


OBS: A foto acima refere-se à cachoeira "Furna da Onça", situada na região serrana fluminense. A imagem foi cedida a este blogueiro por Jorge Elpídio Medina. Ele é autor de um projeto de inventário geográfico e hidrográfico do município de Cachoeiras de Macacu (RJ), feito em colaboração com os fotógrafos Denílson Siqueira, André Confort, Yuri Blacheire e Damião Arthur.

2 comentários:

  1. Rodrigão, essa é uma verdades ainda pouco compreendida mesmo por aqueles que não vivem mais debaixo do jugo legalista dos usos e costumes.

    Apesar de crerem no favor imerecido do Amor e Misericórdia de Deus, ainda se sentem pressionados e tentados a agirem de forma que possam compensar os erros cometidos ou aperfeiçoar a Graça através de bom comportamento.

    É óbvio que se questionados não falariam aberta e deliberadamente nesses termos, e entendo que até mesmo alguns não tenham consciência disto, mas suas ações deixam evidenciados que nas entrelinhas de sua compreensão sobre Graça, as coisas não podem ser tão fáceis assim, deve haver um meio de restituir Deus de alguma forma.

    Optar pelo que é ético e moral não é uma questão de compensação, e sim de constrangimento e sabedoria, pois quando somos atraídos por esse Amor Imenso e Unilateral que nos seduz graciosamente, é inevitável não querermos agradar a quem se ama, e isso não se trata de imposição compulsória, mas de responder com amor a Graça recebida.

    Da mesma maneira optar pelo que é correto é ser inteligente, pois os Seus valores nos conduzem em pacificação com nosso próprio senso moral e nas relações com o nosso semelhante.

    Sendo enjoativo novamente pois não me canso de expressar essa máxima, Graças a Graça que é de Graça, nós somos o que somos porque Deus é quem é!Pronto e Ponto!

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  2. Olá, Franklin!

    Inicialmente obrigado pela visita.


    "essa é uma verdades ainda pouco compreendida mesmo por aqueles que não vivem mais debaixo do jugo legalista dos usos e costumes"

    Com certeza, amigo! E eu cheguei a esta conclusão baseando-me em minha própria experiência. Mesmo consciente desta realidade, eu mesmo ainda caio nas armadilhas legalistas que tanto afastam o homem de uma vida plena na graça. Pois é como tentar me esconder atrás das árvores do jardim ou tapar a minha nudez usando folhas de figueira. Então, mesmo ciente de que não possuo moeda de troca em relação á vida, ainda assim sou capaz de repetir o comportamento.

    Penso que a nossa experiência existencial é um permanente aprendizado sobre a graciosidade da vida. É uma busca constante para rompermos com os comportamentos compulsivos de auto-exclusão, alimentação de culpas e da ideia de que seja necessário "compensar os erros cometidos ou aperfeiçoar a Graça através de bom comportamento", como bem colocou.


    "Optar pelo que é ético e moral não é uma questão de compensação, e sim de constrangimento e sabedoria, pois quando somos atraídos por esse Amor Imenso e Unilateral que nos seduz graciosamente, é inevitável não querermos agradar a quem se ama"

    Concordo quanto á sabedoria e quanto ao constrangimento dentro do contexto que colocou.

    Minha ideia é que devemos fazer o bem sem nos sentirmos constrangidos moralmente, mas sim pelo exercício ético que é fruto da terapia da graça. Por exemplo, se ajudo alguém financeiramente apenas porque acho que "pega mal" ser egoísta, estou sendo caridoso por exclusivo constrangimento. Porém, se oferto porque quero o bem de meu próximo, independentemente de sentir pena, neste caso tive motivações mais elevadas para prestar a ajuda.

    De qualquer modo, consigo compreender o que seria um constrangimento benéfico, quando somos intimamente convencidos de que agindo de tal jeito é o melhor. E aí o termo constrangimento que colocou é entendido pelo contexto de sua frase.

    Sem dúvida que a graça, a bondade, a chessed divina, é a motivação primeira de tudo. Primeiro sentimos o amor da Vida por nós e então, gratuitamente, também retribuímos amorosamente ao universo, sem buscarmos o interesse próprio.

    Mais uma vez te agradeço por suas ótimas contribuições.

    Abração!

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