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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sansão e a operação da graça de Deus

A cinematográfica história bíblica de Sansão confirma surpreendentemente a operação da graça divina.

Os capítulos 13 a 16 do livro de Shofetim (Juízes) contam a história do lendário líder do Israel primitivo desde o nascimento até a sua morte. Relata a narrativa que, por causa do pecado do povo, Deus havia entregue os israelitas de baixo da opressão dos filisteus durante um período de quarenta anos até que o Anjo do SENHOR visitou um casal cuja esposa era estéril, prometendo-lhes um filho que começaria a livrar Israel das mãos do adversário.

Para que Sansão pudesse cumprir sua missão, Deus lhe dotou de uma grande força física e várias proezas foram por realizadas por seu intermédio durante os vinte anos em que liderou Israel. Porém, ele deveria cumprir com o voto nazireu, o qual, segundo a lei mosaica, impunha que a pessoa consagrada a Deus não cortasse o cabelo, nem tocasse num cadáver ou tomasse qualquer tipo de bebida alcoólica, conforme o Anjo havia determinado à sua mãe:

“porque eis que tu conceberás e darás à luz um filho cuja cabeça não passará navalha; porquanto o menino será nazireu consagrado a Deus desde o ventre de sua mãe; e ele começará a livrar Israel do poder dos filisteus”. (Jz 13.5; ARA)

Sansão, todavia, não foi obediente a Deus e desperdiçou a sua vida. Ao invés de concluir a sua obra para a qual foi chamado e derrotar de vez com os filisteus, ele violou os votos do nazireado e as leis de Deus em muitas ocasiões, deixando-se conduzir por seu apetite sexual a ponto de fazer escolhas erradas. Seus dons e habilidades foram utilizados sem prudência.

Na época de seu casamento com uma filisteia, Sansão quebrou dois de seus votos que deveria guarar como nazireu. Ou seja, bebeu vinho e retirou um favo de mel que havia se formado no cadáver de um leão que matara dias atrás.

A pior tragédia de Sansão, entretanto, ocorreu quando ele se apaixonou perdidamente por Dalila (provavelmente uma filisteia), a qual, com muita insistência, induziu-o a contar onde estaria o segredo de sua força. O texto bíblico diz que Dalila o importunava todos os dias até que, finalmente, Sansão confessou que, se sua cabeça fosse raspada, a força prodigiosa que Deus lhe dava iria deixá-lo de modo que ele se tornaria como qualquer outro homem (Jz 16.17).

Dalila, após receber dinheiro dos filisteus, traiçoeiramente raspou as tranças de Sansão e o entregou aos seus adversários. E, no momento em que foi avisado por Dalila sobre um novo ataque dos filisteus contra ele, Sansão ainda pensava que iria se livrar daquela situação como nas vezes anteriores, mas o próprio texto diz que “o SENHOR já tinha se retirado dele” (Jz 16.20).

Depois de capturarem Sansão e cegarem seus dois olhos, os filisteus levaram-no para a região de Gaza. Ali, no país dos filisteus, Sansão passou a executar o trabalho braçal de moer grãos dentro da prisão. Contudo, o texto bíblico nos diz que os seus cabelos tornaram a crescer novamente.

Houve então um dia em que os filisteus resolveram festejar a captura de Sansão oferecendo um sacrifício a Dagom, o deus deles. Para tanto, trouxeram Sansão do cárcere e começaram a se divertir com aquele episódio.

Aconteceu que, vivendo o seu fundo de poço, Sansão voltou-se para Deus e, nos últimos momentos em que viveu, experimentou o que é depender unicamente do SENHOR e não de si mesmo, fazendo esta oração:

“SENHOR Deus, peço-te que te lembres de mim, e dá-me força só desta vez, ó Deus, para que me vingue dos filisteus, ao menos por um dos meus olhos.” (Jz 16.28)

Naquele momento difícil, Sansão encontrou-se com a abundante graça de Deus. Pois, mesmo depois de ter quebrado todos os votos do nazireado, ele foi novamente usado pelo Eterno para matar mais filisteus do que em todas as vezes anteriores. Diz a Bíblia que Sansão derrubou as duas colunas que sustentavam o templo de Dagom, de modo que a casa desabou sobre todos os príncipes dos adversários e sobre o povo que ali estava, apesar da queda dos escombros tê-lo matado também.

Segundo esta história da Bíblia, cujos valores chocam a nossa cultura contemporânea (pois além do anti-universalismo tem-se um atentado de terrorismo), podemos compreender que o trágico resultado superou em muito todas as mortes dos filisteus que Sansão fez durante a sua vida (antes de quebrar o terceiro voto do nazireado). Ali Deus não pediu contas da infidelidade de Sansão (nem fez cobranças morais sobre suas relações sexuais ilícitas com mulheres estrangeiras), mas lhe concedeu graça paa que cumprisse o seu propósito messiânico em favor do povo de Israel contra os opressores filisteus.

Assim, apesar de todos os erros de rebeldia que cometeu no passado, Sansão morreu justificado, tendo cumprido aquilo que o Anjo do SENHOR disse a seu respeito, no sentido de que iria começar a livrar Israel das mãos dos filisteus, sendo que o seu nome é citado como um herói da fé no Novo Testamento. Na epístola aos Hebreus, Sansão aparece na lista dos homens que “por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a justiça, obtiveram promessas, fecharam a boca de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em guerra, puseram em fuga exércitos de estrangeiros” (Epístola aos Hebreus 11.33-34).

Sem dúvida que, no pior momento, Sansão tirou força da fraqueza como diz o texto do Novo Testamento. E, embora a sua vida pudesse ter sido muito melhor, foi com o sofrimento decorrente da desobediência que Sansão aprendeu a depender de Deus e não do dom sobrenatural que havia recebido.

Igualmente é desta maneira que vejo Deus operando com graça sem medida na vida das pessoas que se voltam para o seu Criador. É quando Deus tira o homem do mais profundo abismo e este assume a consciência de que todos os seus cartuchos queimaram e que ele não tem nada a oferecer ao Eterno, passando a depender unicamente de sua misericórdia e bondade.


OBS: A ilustração deste artigo refere-se ao quadro do pintor dinamarquês Carl Heinrich Bloch em que Sansão é retratado girando um moinho na prisão dos filisteus para moer grãos conforme a passagem de Jz 16.21b.

10 comentários:

  1. Rodrigo, a história de Sansão é um atentado ao pudor, para aqueles que se vangloriam em sua própria capacidade de atender as expectativas de Deus.

    Mal sabem eles, que caídos da graça estão, pois se apóiam na auto-satisfação da meritolatria.

    A semelhança do fiho pródigo, Sansão estava desviado dentro de si mesmo, pois para o PAI, ele sempre foi o escolhido deliberadamente pela GRAÇA.

    Filho é sempre filho! Perto ou longe do PAI não perde a paternidade, pois ela não é circunstancial e sim incondicional!

    Um ABRAÇÃO AMIGÃO,

    Franklin

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  2. Olá, Franklin!

    É interessante perceber como que, mesmo antes de Jesus, a graça já se manifestava para quem os que viviam debaixo dos costumes da lei mosaica onde o livro de Devarim (Deuteronômio) fala das bençãos decorrentes da obediência.

    Pra mim, o que mais surpreende para a moral dos dias de hoje é que o fim de Sansão foi um atentado terrorista contra os filisteus. Mano, isto é de deixar muitos israelitas, norte-americanos, europeus e cidadãos de outros continentes bem perplexos.

    Nos tempos de hoje, o terrorismo é de fato uma das coisas mais abomináveis no mundo. E não é para tanto. Porém, Deus permitiu que Sansão se tornasse uma espécie de homem-bomba!

    Sinceramente, é muito difícil lidar com isto e a história nos ensina o quanto Deus se encontra acima dos valores morais. Aliás, o próprio nascimento de Sansão já é um atentado à lei sacerdotal da Torah. Isto porque o Anjo do SENHOR (uma teofania?) recebeu o sacrifício feito pelos pais de Sansão, o quais não eram descendentes de Aarão e nem estavam no Templo (se bem que o Templo salomînico ainda não existia, mas tinha o lugar de adoração na tenda onde ficava a Arca da Aliança).

    Porém, aqueles anos do Israel primitivo e anterior à monarquia é tido como um tempo de ignorância (há um outro atentado moral em Shofetim que é o sacrifício da filha de Jefté). E Deus interage com os homens dentro da pecepção que estes têm acerca da realidade.

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  3. Continuando...

    O final de Sansão é trágico aos nossos olhos, mas ele cumpre o chamado para o qual Deus o escolheu. Seu objetivo de vida é então cumprido visto que não era para Sansão sobreviver. Seu dever era matar os inimigos de Israel - os filisteus. E isto ele alcança em número muito maior do que nas diversas lutas anteriores quando tinha a cabeleira junto com os dois olhos.

    Concordo que o amor do Pai é incindocional e não circunstancial. Glória a Deus!

    Abraços.

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  4. a história de sansão é a história do heroi nacional. todos os povos têm seus heróis. é claro que sansão nunca existiu, é uma história lendária, assim como o é, a graça de deus para com ele. (conclusão óbvia de sansão ser lendário é a graça também ser).

    você diz que "Deus interage com os homens dentro da pecepção que estes têm acerca da realidade."

    eu entendo diferente, rodrigo. eu entendo que acontece exatamente o contrário. os homens transferem para seu deus a percepção que eles têm da realidade.

    contudo, a verdade existencial da graça não se invalida por causa disso. não vejo assim tão claro a graça divina nas bençãos e maldições do deuteronômio. ali, a causa e efeito eram bem claras: obedeça, e terás de deus prosperidade, saúde e domínio sobre os inimigos(aliás, o mote dos atuais seguidores da teologia da prosperidade). só vejo mais claramente a graça divina na teologia dos grandes profetas.

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  5. rodrigo, acho que não ficou claro quando eu disse

    "conclusão óbvia de sansão ser lendário é a graça também ser".

    o que eu quero dizer é que toda a história é lendária com todos os seus elementos(incluindo aí a graça de deus a "sansão"); não estou descartando porém, que haja de fato, uma graça divina ao longo da bíblia e que ela seja acolhida em fé naquele que crê.

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  6. "conclusão óbvia de sansão ser lendário é a graça também ser"

    A história de Sansão expressa a maneira como o autor percebe a graça de Deus, muito embora o escritor anônimo de Juízes nem ao menos devia ter uma noção sorbe a graça que temos hoje.


    "eu entendo diferente, rodrigo. eu entendo que acontece exatamente o contrário. os homens transferem para seu deus a percepção que eles têm da realidade."

    Compreendo o que o irmão está dizendo, acho que isto também ocorre, mas aí, neste caso, não estaríamos diante de uma atitude de alienação? O que colocou sugere que as pessoas criam um deus dentro de suas cabeças e aí, no meu entender, elas se alienam também do próprio Deus vivo e verdadeiro, a Suprema Realidade com a qual todos nos confrontamos ao morrer e diante de vários outros acontecimentos da vida.

    Sobre as bênçãos e maldições de Deuteronômio eu as vejo como um condutor à graça divina. Elas encerram todos debaixo da maldição e da dependência do homem da Chessed. No contexto da Lei, se o homempecar voluntariamente não há sacrifício de animais para perdoar pecado. Ele tem que confiar na misericórdia de Deus. Contudo, o Eterno se mostra benigno e misericordioso mesmo durante a época em que o mistério da graça ainda não tinha sido revelado. É o que ocorre com Sansão, com Davi e tantos outros personagens. Inclusive na própria Torah.

    Quando os sacerdotes foram dando redação atualizada á Torah, eles deixaram lá tanto a tradição deuteronomista quanto os relatos javistas, eloístas e sacerdotal sobre os patriarcas e Moisés. E a vida dos patriarcas é graça pura e ninguém atinge o ideal deuteronomista.

    Amigo, sem a graça não há salvação!

    Abraços.

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  7. Em tempo!

    Evite ver doutrinariamente a minha afirmação final do comentário acima de que "sem a graça não há salvação".

    Na graça as doutrinas ficam bem pequenininhas. E eu não tenho palavras para expressar de maneira suficiente como é que a graça de Deus age na vida de uma pessoa. Posso, no entanto, falar por mim. Pelo que vivo e experimento no meu cotidiano. Sobre o quanto Deus é bondoso para comigo, mesmo seu eu nada merecer.

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  8. Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz5 de junho de 2011 às 20:25

    "a história de sansão é a história do heroi nacional. todos os povos têm seus heróis"

    Em tempo 2!

    Mano, eu me esqueci de falar sobre esta parte inicial de seu comentário.

    Há algum tempo li sobre comparações entre Sansão e heróis de outras culturas, sobretudo na Grécia, como Hércules e Perseu. E há quem diga que os heróis bíblico não tem suas falhas escondidas pelas narrativas, o que os diferencia da excessiva idealização dos personagens das mitologias nas demais culturas.

    Bem, até hoje tenho dúvidas se tais afirmações são invencionices dos apologistas para colocar a Bíblia numa posição privilegiada ou se de fato existe uma diferenciação marcante. Contudo, devemos compreender que há mesmo uma diferenciação nas narrativas de cada povo e uma característica das Escrituras hebraicas seria justamente mostrar a humanidade dos personagens bíblicos com suas falhas e que eles se saem votoriosos ao dependerem de Deus.

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  9. rodrigo, é a sua vez de postar um texto na confraria, ok?

    volto depois para responder seus comentário.

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  10. Valeu, Eduardo!

    Já estou preparando um artigo e espero até amanhã publicá-lo no site da Confraria, se Deus permitir.

    Abraços.

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